Começa a ser ensurdecedor o silêncio da Conferência Episcopal Portuguesa sobre a gravidade da situação social e económica em Portugal.
Estão em causa valores e princípios fundamentais do Evangelho e da doutrina da Igreja - no tratamento desigual dos cidadãos quanto aos sacrifícios exigidos; em leis do trabalho que ameaçam a dignidade das pessoas que trabalham; na subida galopante do desemprego e da precariedade, que começa a atingir, cada vez mais, os dois membros das famílias; na destruição dos horizontes das gerações mais novas, obrigadas a emigrar à procura de futuro; na iniquidade da especulação financeira.
Perante o crescimento da pobreza e da exclusão social, é dramático e chega a ser escandaloso que a dimensão da justiça social quase se tenha eclipsado dos pronunciamentos da Igreja. Defende-se, naturalmente, e bem, a urgência da solidariedade e da caridade; considera-se que estes tempos de grandes questionamentos representam oportunidades para mudar de vida, mas está-se longe, muito longe, de tocar com clareza e vigor profético nos mecanismos que produzem a pobreza e o crescente desespero de tantas pessoas. E, sobretudo, cala-se a exigência de que quem tem mais não pode continuar à margem dos sacrifícios e, menos ainda, a aproveitar-se da miséria alheia para enriquecimento próprio. E estes princípios básicos não podem deixar de ser aplicados ao teor das medidas que a cada dia que passa sobrecarregam o fardo daqueles que menos podem, a começar pelos idosos, reformados e pensionistas.
É certo que os movimentos operários católicos lá continuam a intervir e a alertar, com regularidade, assim como a Comissão Nacional Justiça e Paz. Mas sem o respaldo corajoso que seria de esperar dos bispos. A não ser que tenham D. Januário como porta-voz, o que não parece, de todo, ser o caso.
5 comentários:
Caro Manuel Pinto
Tens toda a razão. Mas não devemos admirar-nos. Os programas de doutoramento em Economia na Universidade Católica, tal como nas públicas, são orientados pelo pensamento neoliberal apesar de a doutrina social da Igreja Católica condenar tal ideologia. Os nossos bispos vivem bem com esta contradição. Nada de incomodar o poder, muito menos o da finança.
Há muito que deixei de me interessar por estas estruturas.
Um abraço amigo.
Jorge Bateira
No nosso país, em que subsiste uma tão acentuada desigualdade na distribuição da riqueza produzida, não é justo que os custos da crise financeira continuem a recair sobre os que trabalham. Mais ou menos produtivos, mesmo relapsos, não somos nós os responsáveis por um sistema financeiro obscuro e iníquo que gerou a crise de que somos vítimas. O valor do trabalho há de ser, segundo a "Laborem Exercens", a dignidade da pessoa que trabalha: a casa, a comida, a saúde, a educação, a sua e a dos seus. E também dos que, devido a uma injusta organização da economia querem trabalhar e não têm emprego. Urge repensar a forma como avaliamos repartição do trabalho - tantos se queixam de exaustão e muitos mais querem trabalhar - assim como a distribuição da riqueza produzida. À Igreja não cabe apenas a assistência - é inegável o insubstituível papel que desempenha no momento crítico que vivemos -, compete-lhe também, na fidelidade ao Evangelho, denunciar a injustiça e suscitar outras formas de organização e distribuição de bens e serviços que respeitem a dignidade de cada ser humano. Concordo que, face à gravidade da situação social e económica que vivemos, devia a Conferência Episcopal pronunciar-se e suscitar dinâmicas mais consentâneas com a radicalidade evangélica.
Pulo Melo
quanto menos precariedade, mas desemprego...
o estado está falido... não há muitas voltas a dar e ainda vai piorar bastante antes de aliviar... se aliviar.
leopardo
Caro Manuel Pinto,
De facto, em momentos de desespero nacional, como é o que estamos a atravessar, é compreensível que apelemos para instâncias mais altas. É, neste sentido, que eu leio o teu post. E está certo: a Hierarquia Católica em Portugal (os dirigentes da Igreja Católica) vive noutra órbita que não a daqueles a quem Jesus foi enviado (Lucas 4:18; «anunciar a Boa-Nova aos pobres»). Sendo assim, o post servirá apenas para incomodar algumas consciências mais sensíveis (se é que alguém da Hierarquia o lerá…). Se Jesus veio para os pobres e se os representantes eclesiais estão ‘comprometidos’ com as políticas dos que criam pobreza (cf. o exemplo das relações entre IPSS’s e Governo, ou as posturas da católica duma comunidade cristã de Lisboa, Drª Assunção Cristas ou de Isabel Jonet sobre o Estado Social), então, estamos diante de uma contradição ainda mais radicular, que questiona a eficácia deste tipo de post. Seja como for, eu acho que a tua atitude merece uma nota de destaque que dificilmente outro colaborador do blog receberia: o blog Religionline, em muitas das suas entradas, tornou-se um espaço de veneração do actual Papa e da eclesiologia/teologia defendida por ele. O teu post vale (também e muito) pela dissonância, sobretudo, neste momento em que até da parte dos chamados ‘movimentos de leigos’ a demissão é (praticamente) absoluta (veja-se o caso do Movimento METANOIA). Nesta área, a da intervenção cívica por parte dos Movimentos de Leigos Cristãos, é que me parece que se passa algo muito mais grave do que o silêncio da Hierarquia. Desta, pela sua configuração tradicionalista, ninguém espera já nada. Dos Leigos é que eu ainda esperava alguma novidade. Porém… o ‘sistema’ parece ser mesmo implacável. Será? Eu sou dos que acreditam que «A última palavra pertence ao Pai» e não ao Império Neo-liberal que reina por quase todos os campos e esquinas (Universidade Católica, etc. etc).
Abraço solidário,
Paulo Bateira
Os Bispos falaram. Nada que não fosse previsível. «Luz do mundo?»
http://asaladecima.blogspot.pt/2012/09/os-bispos-e-crise.html
Paulo Bateira\
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