domingo, 9 de setembro de 2012

Um silêncio ensurdecedor

Começa a ser ensurdecedor o silêncio da Conferência Episcopal Portuguesa sobre a gravidade da situação social e económica em Portugal.
Estão em causa valores e princípios fundamentais do Evangelho e da doutrina da Igreja - no tratamento desigual dos cidadãos quanto aos sacrifícios exigidos; em leis do trabalho que ameaçam a dignidade das pessoas que trabalham; na subida galopante do desemprego e da precariedade, que começa a atingir, cada vez mais, os dois membros das famílias; na destruição dos horizontes das gerações mais novas, obrigadas a emigrar à procura de futuro; na iniquidade da especulação financeira.
Perante o crescimento da pobreza e da exclusão social, é dramático e chega a ser escandaloso que a dimensão da justiça social quase se tenha eclipsado dos pronunciamentos da Igreja. Defende-se, naturalmente, e bem, a urgência da solidariedade e da caridade; considera-se que estes tempos de grandes questionamentos representam oportunidades para mudar de vida, mas está-se longe, muito longe, de tocar com clareza e vigor profético nos mecanismos que produzem a pobreza e o crescente desespero de tantas pessoas. E, sobretudo, cala-se a exigência de que quem tem mais não pode continuar à margem dos sacrifícios e, menos ainda, a aproveitar-se da miséria alheia para enriquecimento próprio. E estes princípios básicos não podem deixar de ser aplicados ao teor das medidas que a cada dia que passa sobrecarregam o fardo daqueles que menos podem, a começar pelos idosos, reformados e pensionistas.
É certo que os movimentos operários católicos lá continuam a intervir e a alertar, com regularidade, assim como a Comissão Nacional Justiça e Paz. Mas sem o respaldo corajoso que seria de esperar dos bispos. A não ser que tenham D. Januário como porta-voz, o que não parece, de todo, ser o caso.

5 comentários:

Jorge Bateira disse...

Caro Manuel Pinto

Tens toda a razão. Mas não devemos admirar-nos. Os programas de doutoramento em Economia na Universidade Católica, tal como nas públicas, são orientados pelo pensamento neoliberal apesar de a doutrina social da Igreja Católica condenar tal ideologia. Os nossos bispos vivem bem com esta contradição. Nada de incomodar o poder, muito menos o da finança.

Há muito que deixei de me interessar por estas estruturas.

Um abraço amigo.
Jorge Bateira

Paulo Melo disse...

No nosso país, em que subsiste uma tão acentuada desigualdade na distribuição da riqueza produzida, não é justo que os custos da crise financeira continuem a recair sobre os que trabalham. Mais ou menos produtivos, mesmo relapsos, não somos nós os responsáveis por um sistema financeiro obscuro e iníquo que gerou a crise de que somos vítimas. O valor do trabalho há de ser, segundo a "Laborem Exercens", a dignidade da pessoa que trabalha: a casa, a comida, a saúde, a educação, a sua e a dos seus. E também dos que, devido a uma injusta organização da economia querem trabalhar e não têm emprego. Urge repensar a forma como avaliamos repartição do trabalho - tantos se queixam de exaustão e muitos mais querem trabalhar - assim como a distribuição da riqueza produzida. À Igreja não cabe apenas a assistência - é inegável o insubstituível papel que desempenha no momento crítico que vivemos -, compete-lhe também, na fidelidade ao Evangelho, denunciar a injustiça e suscitar outras formas de organização e distribuição de bens e serviços que respeitem a dignidade de cada ser humano. Concordo que, face à gravidade da situação social e económica que vivemos, devia a Conferência Episcopal pronunciar-se e suscitar dinâmicas mais consentâneas com a radicalidade evangélica.

Pulo Melo

Anónimo disse...

quanto menos precariedade, mas desemprego...
o estado está falido... não há muitas voltas a dar e ainda vai piorar bastante antes de aliviar... se aliviar.

leopardo

PAULO BATEIRA disse...

Caro Manuel Pinto,

De facto, em momentos de desespero nacional, como é o que estamos a atravessar, é compreensível que apelemos para instâncias mais altas. É, neste sentido, que eu leio o teu post. E está certo: a Hierarquia Católica em Portugal (os dirigentes da Igreja Católica) vive noutra órbita que não a daqueles a quem Jesus foi enviado (Lucas 4:18; «anunciar a Boa-Nova aos pobres»). Sendo assim, o post servirá apenas para incomodar algumas consciências mais sensíveis (se é que alguém da Hierarquia o lerá…). Se Jesus veio para os pobres e se os representantes eclesiais estão ‘comprometidos’ com as políticas dos que criam pobreza (cf. o exemplo das relações entre IPSS’s e Governo, ou as posturas da católica duma comunidade cristã de Lisboa, Drª Assunção Cristas ou de Isabel Jonet sobre o Estado Social), então, estamos diante de uma contradição ainda mais radicular, que questiona a eficácia deste tipo de post. Seja como for, eu acho que a tua atitude merece uma nota de destaque que dificilmente outro colaborador do blog receberia: o blog Religionline, em muitas das suas entradas, tornou-se um espaço de veneração do actual Papa e da eclesiologia/teologia defendida por ele. O teu post vale (também e muito) pela dissonância, sobretudo, neste momento em que até da parte dos chamados ‘movimentos de leigos’ a demissão é (praticamente) absoluta (veja-se o caso do Movimento METANOIA). Nesta área, a da intervenção cívica por parte dos Movimentos de Leigos Cristãos, é que me parece que se passa algo muito mais grave do que o silêncio da Hierarquia. Desta, pela sua configuração tradicionalista, ninguém espera já nada. Dos Leigos é que eu ainda esperava alguma novidade. Porém… o ‘sistema’ parece ser mesmo implacável. Será? Eu sou dos que acreditam que «A última palavra pertence ao Pai» e não ao Império Neo-liberal que reina por quase todos os campos e esquinas (Universidade Católica, etc. etc).

Abraço solidário,

Paulo Bateira

PAULO BATEIRA disse...

Os Bispos falaram. Nada que não fosse previsível. «Luz do mundo?»

http://asaladecima.blogspot.pt/2012/09/os-bispos-e-crise.html

Paulo Bateira\