(adaptação de um texto publicado
neste blogue, com outro título, a 19 de Abril de 2014)
O dia de Sábado Santo é, na
liturgia cristã, o dia do grande silêncio. Uma mãe perde o seu filho, uma
mulher perde o seu chão, mulheres e homens perdem o(s) seu(s) amigo(s), roubado(s)
de forma violenta. A experiência da perda faz parte da humanidade que somos e
ela não podia deixar de integrar, por isso, o cristianismo ou qualquer outra fé
religiosa.
Mas este tem de ser também um dia
de uma esperança silenciosa e confiante. De quem sabe que o abraço do outro, a
presença silenciosa, a palavra reconfortante, o trabalho para dar fim à
destruição, não são gestos em vão. E que a sua vontade e a sua convicção serão
factor de transformação da realidade, contra toda a desesperança e o sem
sentido que a vida parece ser nestes momentos.
Uma das peças musicais que melhor
traduz esta experiência da perda, por um lado, e da esperança confiante, é o Ave Maria, de Giulio Caccini
(1550-1618), um dos pais da ópera. Nela se consegue falar do despojamento a que
tantas vezes somos forçados, mas também da redenção de que somos capazes,
quando a nossa vida se firma na justeza e na confiança dos gestos do outro.
A interpretação mais sublime desta
peça é a que o trompete de Henry Parramon e o órgão de Jean-Michel Louchant nos
oferecem no disco Louanges a Notre
Dame, publicado em 2001 pela SM. Quando os dois instrumentos se juntam,
deles jorra a alegria, como escreve Philippe Barbarin, então bispo de Moulins e
actual arcebispo de Lyon e cardeal. Melhor: os dois instrumentos traduzem
musicalmente o sublime, transfigurando a composição, despojando a
música de artifícios e reduzindo-a à sua máxima limpidez. A sobriedade melódica
do trompete, em diálogo com o recato do órgão, levam-nos à emoção plena e
inolvidável (que se repete no disco com a criação Je vous salue, Marie, do próprio Parramon).
Na impossibilidade de encontrar
disponível essa recriação, para aqui a reproduzir, fica um vídeo onde a base
melódica é o piano e que se aproxima muito da proposta de Parramon e Louchant.
(Outra versão com trompete, que
também consegue uma grande força emotiva, é a cantada por Irina Arkhipova,
no vídeo que pode ser encontrado aqui; uma versão sinfónica, com
coro, desta mesma peça, pode ser vista e ouvida aqui)
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