Peter L. Berger, um dos teorizadores da secularização e co-autor, com Th. Luckman, daquele que foi considerado o 5º mais influente livro de sociologia do século XX - 2A Construção Social da Realidade", morreu no passado dia 27 de junho, com 88 anos. Foi ainda autor de obras como "Um Rumor de Anjos: a Sociedade Moderna e a Redescoberta do Sobrenatural" e "O Dossel Sagrado: Elementos para uma Teoria Sociológica da Religião". O texto que segue foi publicado na Christianity Today, no passado dia 29 e traduzido por Isaque Gomes Correa e publicado na Newsletter do Instituto Humanitas da Unisinos .
"A Universidade de Boston informou o falecimento esta
semana do professor emérito de 88 anos Peter Berger,
fundador, em 1985, do Instituto para a Cultura, Religião e Assuntos Mundiais da
citada universidade e que o levou a ser a principal fonte de estudos sobre “a
religião em uma era de globalização”.
Al Mohler, presidente do Southern Baptist Theological Seminary, em Kentucky, enalteceu Berger como
“talvez o pensador social mais influente do nosso tempo” e “um dos indivíduos
que eu cito com mais frequência”.
O
obra de Berger era “tão boa que
fez com todos os teólogos quisessem ser sociólogos quando crescessem”,
afirmou Gregory Thornbury, presidente
da King’s College, em um tuíte que
também enalteceu o pesquisador Rodney Stark.
“Houve
poucos estudiosos de espírito tão independentes e influentes como Berger”, tuitou Hunter Baker,
autor de “The End of Secularism” e professor de ciência política na Union
University.
Berger foi reverenciado nos
círculos evangélicos, mesmo não sendo ele próprio membro dessa comunidade.
“Essa
não é a minha comunidade. Eu sou ‘evangelisch’,
mas não evangélico”, disse ele ao Center for Faith and Inquiry,
da Gordon College, Massachusetts, em entrevista no ano de 2013. “Em geral,
eu me descrevo como incuravelmente luterano, mas me sinto bastante confortável
entre os evangélicos. E entre os evangélicos e os protestantes históricos, eu
prefiro os evangélicos por razões teológicas”.
Em
abril passado, numa de suas últimas postagens na internet para a revista The American Interest sobre “evangélicos sombrios e
alegres”, Berger escreveu
sobre a sua identidade religiosa: “Sempre tive dificuldade para escolher entre
‘sem religião/sem filiação religiosa’, ‘luterano relativamente conservador’ e
‘agnóstico’”. (Ele opinava regularmente sobre os evangélicos.)
Em
2015, o teólogo Os Guinness disse
ao Christianity Today que Berger tinha
“provavelmente moldado o meu espírito mais do que qualquer outra pessoa viva”,
citando a “ideia maravilhosa” do sociólogo de “sinais de transcendência”. Guiness explicou:
Ele
me ajudou a perceber a diferencia entre modernismo, que é um conjunto de
ideias, e modernidade, que é mais como um ar cultural que respiramos. Ele
possui insights fascinantes sobre a forma como a mente funciona e como as
pessoas mudam de ideia, saindo de uma visão de mundo e indo para outras – o que
os sociólogos chamam de uma “mudança de paradigma”, ou o que os cristãos chamam
de arrependimento e conversão. Ele também tem um incrível senso de humor.
O
livro de Berger “The Social Construction of Reality” (1966) é “considerado
um dos textos mais influentes de seu campo e foi aclamado pela Associação Sociológica Internacional como o quinto
livro mais influente escrito no campo da sociologia durante o século XX”, lê-se
no tributo publicado pela Universidade de Boston.
Em
2013, Berger contou ao Center for Faith and Inquiry como ele veio a
abandonar a teoria da secularização, ideia segundo a qual “a modernidade
inevitavelmente produz um declínio da religião”. Ele explicou:
Quando
comecei a fazer sociologia da religião – há muito tempo atrás –, todos os
outros tiveram a mesma ideia. E eu mais ou menos supus que ela [a teoria da
secularização] estava correta. Não era uma suposição completamente maluca;
havia muitos motivos por que as pessoas diziam aquilo. Mas eu levei cerca de
vinte anos para chegar à conclusão de que os dados não a sustentam, e outras
pessoas chegaram à mesma conclusão.
(…)
A
teoria estava errada. Agora, concluir que a teoria está errada é o começo de um
novo processo de pensamento. Alguns anos atrás, concluí que para substituir a
teoria da secularização – explicar a religião no mundo moderno –, precisamos da
teoria do pluralismo. A modernidade não necessariamente produz a secularidade.
Ela necessariamente produz o pluralismo, pelo que
quero dizer a coexistência, na mesma sociedade, de cosmovisões e sistema de
valores diferentes.
Isso
altera o status da religião. É um desafio para todas as tradições religiosas.
Mas não é o desafio da secularidade; é um desafio diferente. O problema com a
modernidade não é que Deus está morto, como alguns esperavam e outros temiam.
Há deuses demais, o que é um desafio, mas um desafio diverso. Então, em termos
de minha carreira como sociólogo da religião, esta foi a minha maior mudança de
pensamento.
Berger também ponderou sobre
o reavivamento intelectual do evangelicalismo:
Falando
na qualidade de sociólogo, apontamos para algo muito interessante, que é um
desdobramento, nas décadas recentes, de uma intelligentsia evangélica autoconsciente.
Não só em instituições como esta, e existe uma rede destas instituições
espalhadas pelo país com pessoas muito significativas. Você menciona Mark Noll. Ele é respeitado não somente pelos
evangélicos, mas [pelos historiadores também]. Mas pessoas assim igualmente
estão disponíveis em outras instituições, não só nas faculdades cristãs. Essa é
uma mudança significativa.
A
propósito, um paralelo interessante é o que aconteceu com os judeus na década
de 1930, quando lugares como Harvard e Princeton, que eram fechadas a eles, de repente tiveram
um influxo de alunos de graduação, pós-graduação e professores judeus muito
brilhantes e ambiciosos. Algo parecido acontece aqui, penso eu. Estes jovens e
inteligentes evangélicos estão invadindo antigas fortalezas como Harvard e Princeton.
Uma
questão interessante é como isso afetará a comunidade evangélica, na medida em
que ela se torna mais instruída academicamente, mais respeitada, menos
marginal. Já deve ter completado vinte anos desde que James Hunter escreveu aquele livro [“Evangelicalism: The Coming Generation” (1987)] onde
previa que os evangélicos, em uma ou duas gerações, se tornariam como os demais
protestantes, tão chatos quanto os congregacionalistas, digamos. Algo assim não
ocorreu, pelo menos ainda não. Portanto previsões são perigosas.
O
que eu diria é que algum efeito iremos ver disso tudo, e existem uns exemplos
em que o evangelicalismo se choca com visões gerais sobre o que é o mundo. A
evolução é um exemplo óbvio. Mas isso, até agora, não influenciou o cerne da fé
evangélica, e não o vejo acontecendo neste momento também. O futuro, nunca se
sabe.
No Facebook, Richard Mouw,
teólogo público, filósofo e presidente emérito do Seminário Teológico Fuller, em Pasadena, na Califórnia,
compartilhou uma memória de Berger na forma de tributo:
Em
um grupo informal de debates no Hartford Seminary,
em Connecticut, na década de 1970,
estávamos discutindo ativismo social, e eu fiz o seguinte comentário: “Todo o
cristão”, disse, “é chamado a ativamente trabalhar pela justiça e a paz no
mundo”. Peter [Berger] respondeu: “Sério, Richard? Realmente acha isso?” Certifiquei-lhe de que
sim, eu pensava aquilo realmente. Em seguida, me contou de uma tia já idosa,
que vivia num asilo. Todas as manhãs, explicou, ela fazia um enorme esforço
para reunir coragem e ir ao refeitório almoçar. Ela tinha um problema de bexiga
e temia passar vergonha quando permanecia na fila para pegar a refeição. Diariamente
ela rezava ao Senhor para lhe dar coragem, e então descia até o local. Para
ela, concluiu Peter, o ato mais
radical de fé era reunir coragem para ir almoçar. “Então, Richard, o que você tem dizer a esta mulher sobre a
obrigação também de trabalhar ativamente por justiça e paz no mundo?” Peter Berger me deixou uma lição inesquecível com
essa história.
Em
1997, para a revista The Christian Century Berger entrevistou a si próprio sobre a modéstia
epistemológica. [1]
Mohler entrevistou Berger em 2010 sobre o repensar a teoria da
secularização. [2]
Em
2008, para a publicação “Books & Culture” do Christian Today, Berger escreveu
sobre o evangelho da prosperidade [3] e, em
2009, refletiu nas páginas da Christian Today sobre
a prosperidade redentora [4]. Em uma
resenha de 2012, publicada igualmente no Christian Today, Berger analisou “por que os americanos não acham
estranho falar com Deus” com base no livro de Robert Wuthnow, intitulado “The God Problem”.
1 comentário:
Sou sociólogo, de formação e prática católica, e o pouco ou muito que possa saber e ensinar de Sociologia devo-o, em grande parte, aos livros de Peter Berger. Esteve em Portugal há uns anos e, infelizmente, não o pude conhecer pessoalmente. Curvo-me diante da sua memória e agradeço quanto dele recebi através da sua bibliografia. Pe. António Janela (UCP)
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