Texto de António Marujo
O que faz um homem que errou e não sabe para onde voltar-se em busca da redenção? Em Sinnerman, Nina Simone canta esse homem que corre, corre e não encontra onde esconder-se – e que apenas encontra a paz quando se socorre de Deus e do seu refúgio.
“Mais do que expressar a nossa fé em Deus, o Yom Kipur é a expressão da fé de Deus em nós”, escreve o rabi judeu inglês Jonathan Sacks, a propósito da festa que os judeus de todo o mundo assinalam desde a noite de 18 de Setembro ao fim da tarde de 19 de Setembro, no décimo dia do sétimo mês – o mês de Tishrei. “Para aqueles que se abrem totalmente a ele, o Yom Kipur é uma experiência transformadora de vida. Diz-nos que Deus, que criou o universo em amor e perdão, nos alcança em amor e perdão, pedindo-nos para amar e perdoar os outros. Deus nunca nos pediu para não cometer erros. Tudo o que Ele pede é que reconheçamos os nossos erros, aprendamos com eles, cresçamos através deles e façamos as pazes onde pudermos”, escreve ainda, num texto com o título Yom Kipur – como ele nos salva, que pode ser lido aqui, na íntegra, em inglês.

No texto antes referido, Jonathan Sacks fala desta festa como uma celebração da possibilidade do exercício da liberdade: “Nenhuma religião sustentou uma visão tão elevada da possibilidade humana. O Deus que nos criou à Sua imagem deu-nos liberdade. Nós não somos contaminados pelo pecado original, destinado a falhar, preso nas garras de um mal que somente a graça divina pode derrotar. Pelo contrário, temos dentro de nós o poder de escolher a vida. Juntos, temos o poder de mudar o mundo.
Tão pouco somos, como alegam alguns materialistas científicos, meras concatenações de substâncias químicas, um monte de genes egoístas replicando-se cegamente no futuro. As nossas almas são mais do que as nossas mentes, as nossas mentes são mais do que os nossos cérebros e os nossos cérebros são mais do que meros impulsos químicos respondendo a estímulos. A liberdade humana – a liberdade de escolher ser melhor do que éramos – permanece um mistério, mas não é um mero dado. A liberdade é como um músculo e quanto mais o exercitamos, mais forte e saudável se torna.
O judaísmo pede-nos constantemente que exerçamos a nossa liberdade. Ser judeu não é ir com o onda, ser como todo a gente, seguir o caminho da menor resistência, adorar a sabedoria convencional da época. Ao contrário, ser judeu é ter a coragem de viver de uma maneira que não é o caminho de todos. Cada vez que comemos, bebemos, rezamos ou vamos trabalhar, estamos conscientes das exigências que a nossa fé faz em nós, de viver a vontade de Deus e ser um dos Seus embaixadores para o mundo. O judaísmo sempre foi, talvez sempre seja, contra-cultural.”
A festa de Yom Kipur tem uma forte raiz bíblica, como se explica neste outro texto, onde também se fala do significado desta festa para os cristãos e da origem da expressão “bode expiatório”.
O Yom Kipur fala, enfim, do acrescento da misericórdia à justiça, como explica ainda Jonathan Sacks: Deus “acrescentou misericórdia à justiça, compaixão à retribuição, tolerância ao estrito estado de direito. Deus perdoa. O judaísmo é uma religião de perdão, a primeira do mundo, de perdão.” (Aqui podem ler-se, em português, outros textos do rabi Sacks, a propósito da festa de Yom Kipur)
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