De um texto de J. Pacheco Pereira, hoje, no Público, relativo ao populismo e à sua relação com o campo mediático:
"(...) Os populistas perceberam que aparecer é fonte de ser, e (...) aparecer muito é directamente correlativo de surgir à frente nas preferências das sondagens. As sondagens, outro elemento decisivo do mundo mediático de hoje, retratam que o que é escolhido é quem é reconhecido. Há excepções que confirmam a regra, mas não são a regra.
A televisão aqui não é usada como instrumento de comunicação, para se dizer qualquer coisa, para se transmitir sentido, mas como o grande teatro do mundo. Nela os políticos populistas dão razão a McLuhan, percebendo que a "mensagem" é a "massagem", e nela se fundem com o próprio meio, para serem eles próprios parte do ecrã, imagem da imagem, parte da fina película, que, por apelar ao nosso sentido mais enganador, o da visão, transporta consigo todas as possibilidades de manipulação.
Nesse ecrã representam o mais possível um frenesim de som, luz e muita cor, o maior "bragadoccio", algum melodrama, lágrimas e suspiros, arroubos estudados e frases assassinas, todo o espectáculo de si mesmos. Tudo do que é mais popular, numa continuidade com os outros espectáculos, com os "reality shows", com a crónica "social", e os programas desportivos. Nada há hoje de mais parecido na palavra e na imagem com a política populista do que o mundo do futebol, com as suas ameaças e processos, insinuações e acusações, mentidos e desmentidos, ausência completa de memória das palavras e dos factos, reconstrução permanente de um eterno quotidiano desprovido de quaisquer referências que não sejam a pura existência e o poder dos seus actores.
Não há aí lugar para valores, memória, ideias, espessura psicológica, a não ser o dos efeitos perversos do narcisismo absoluto, que muitas vezes conduz da ascensão à queda com o fragor de uma vingança do destino ou de um filme de Hollywood sobre actrizes envelhecidas ou jovens "yuppies" que não perceberam como é que o "inside trading" os levou à cadeia. O problema é que esse mesmo narcisismo absoluto arrasta tudo consigo, numa vontade de ou tudo ou nada, que tudo renega e nada respeita, a começar pelo respeito por si próprio e que tem a perdição tão inscrita na natureza das coisas como o sucesso instantâneo e a vã glória.
Este contínuo tem poderosos efeitos, porque consolida uma linha de entretenimento para as massas que não precisa de mediação - tem-na como é óbvio, porque há quem mexa os cordelinhos deste espectáculo - e que surge como adequada às literacias dominantes, as reforça e consolida como iliteracias, ignorâncias que recusam o saber. É aí que hoje se reproduzem as mais graves formas de exclusão social, mais do que no puro tecido da economia. É aí que hoje se gera a maior pobreza, e grande parte do nosso atraso, que a escola, a sociedade e a família não conseguem combater. No fundo, no fundo, porque é que não se há-de ser feliz assim, para que é que é preciso mais? (...)".
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