Duarte Lima, comentando, no Expresso de 30.11.2002, o escândalo na rede de pedofilia:
"Já todos passámos por situações em que as palavras são absolutamente incapazes de comunicar. São situações normalmente associadas ao conhecimento de factos tão carregados de significado, que tornam supérflua qualquer palavra, qualquer enunciado, qualquer juízo ou explicação. Tudo quanto as palavras possam exprimir é insuficiente para acrescentar o quer que seja à força expressiva dos factos que nos atingem como um raio. É como se ficássemos no interior de uma câmara fechada, onde subitamente se rarefez o ar e a luz. É o domínio do indizível, da pura impotência do discurso para iluminar o significado daquilo que percebemos com os sentidos, com o intelecto, e sobretudo com a emoção. (...)
Vivemos numa civilização em que as máquinas, as técnicas e as leis, como instrumento de regulação social, mudam a uma velocidade vertiginosa. Tudo muda menos o homem. As máquinas progridem, mas o homem não. Acumulámos conhecimentos a níveis impensáveis há poucos séculos, mas o acréscimo de conhecimento não se traduziu num acréscimo de saber autêntico, no sentido ontológico. Mais informação não se traduziu em melhores níveis de consciência.
E por isso a civilização moderna continua a repousar na violência e na escravatura. A violência que nos é servida em doses maciças cada vez que abrimos a televisão. A escravatura de dezenas de milhões de crianças em todo o mundo, em números nunca antes atingidos na história da humanidade, não apenas nas redes pedófilas que circulam na net, mas também nos trabalhos forçados das plantações de chocolate e cacau dos países do terceiro mundo.
Podemos fazer muito pouco para melhorar o mundo se o caminho for apenas o do recurso a mais leis e a mais conhecimentos. Aliás, estamos a atingir o limite das nossas capacidades para armazenar mais conhecimentos, como lembra George Steiner, ao avisar que os milhões de livros novos que diariamente entram nas bibliotecas nos colocam perante uma ameaça, a da implosão do conhecimento.
Pensamos sempre que o homem será melhor no futuro, em resultado de mais educação, de mais progresso, de mais informação e de mais conforto.
Mas, nesse futuro, que é o do tempo linear que está à nossa frente, tudo se repetirá inevitavelmente, como se repetiu até aqui. Nesse futuro, o homem não será melhor. Há um velho ensinamento que diz que o «ser determina a vida», e se o ser não mudar, a vida não muda. Não é um problema de mudança de mentalidades, é um problema de mudança de nível de consciência. E neste domínio, a política é impotente. É um trabalho que só cada homem pode fazer por si próprio.
Consciência, literalmente, significa conhecer simultaneamente, conhecer um «fora», que está no exterior, e conhecer um «dentro», que está no interior de cada homem.
Por isso se diz que a consciência é luz: sem ela, nós continuaremos a ser, como se diz nos Evangelhos, «os homens que vivem nas trevas».
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