domingo, 22 de dezembro de 2002

A noite e a estrela
Manuel Pinto

(...)
Em novembro chegaram os signos.
O céu nebuloso não filtravaestrelas anunciantes (...)


Carlos Drummond de Andrade

Bom Natal!
Sim, claro! Feliz Natal!
Mas, ainda assim, num lapso de tempo que dê para pensar no que fazemos e dizemos, vale a pena perguntar: que sentido tem celebrar o Natal – desejar bom Natal – em tempos sombrios e encerrados como são aqueles que temos diante de nós?
E os tempos estão mesmo sombrios. Quem o negará? Apesar das luzinhas que iluminam as ruas, dos holofotes que despejam luz sobre as montras e das musiquetas gastas que embalam os consumidores, a crise faz-se sentir. O emprego escasseia ou treme, o trabalho a poucos satisfaz, a vida é uma correria louca, a insegurança nas ruas agrava-se, o economicismo converte-se em ideologia política, a desconfiança nas instituições acentua-se.
Cá dentro, o poder das mafias do futebol (não do desporto, mas do negócio) já ousa ameaçar e manietar os próprios órgãos de soberania, utilizando de forma cada vez mais profissional os meios de comunicação.
Lá fora, uma guerra preparada e calendarizada como guerra preventiva, já nem sequer espera que se esgote a via persuasiva e diplomática, aguardando apenas que se complete o trabalho da propaganda para impor a sua lógica de destruição.
Tempos sombrios, exasperados e exasperantes, em que a cólera facilmente cede perante a esperança.
Paradoxo: o excessiva clarão que a nossa civilização incessantemente produz leva a dois efeitos: pela ofuscação que rouba horizonte, circunscreve-nos num mundo pequenino e medíocre; pelo universo ilusório que cria, dificulta o nosso confronto com a efectiva realidade das coisas.
Ora, ninguém consegue ver as estrelas no meio do ambiente feérico das nossas cidades iluminadas e das nossas vidas encandeadas.
De acordo com os ícones e símbolos desta quadra, os três reis magos viram uma estrela no Oriente e puseram-se a caminho, seguindo-a até Belém (sim Belém, a das notícias, a cidade palestiniana ocupada pelas tropas israelitas).
Pergunta: supondo que também nós nos dispomos a meter pés ao caminho, como ver a estrela que nos pode levar a Belém, sem nos confrontarmos com a noite?
(Crónica de hoje na RUM e amanhã no DM).

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