A Igreja Católica da Bélgica encontra-se numa crise profunda, agravada de forma exponencial este ano, pelos casos de pedofilia entre membros do clero. Mas quando se esperaria que quem dirige a instituição mostrasse bom senso e equilíbrio, eis que o que sucede é exactamente o contrário: o seu responsável máximo parece apostado em atirar gasolina para o incêndio.
Tendo sucedido em Janeiro último ao cardeal Daneels, outrora um prestigiado membro da hierarquia da Igreja, mas que esteve nos últimos meses sob a acusação de ter dado cobertura a pelo menos um caso de abusos sexuais continuados, o do bispo de Bruges, o seu sucessor, o arcebispo-primaz André-Joseph Léonard, não se tem cansado de provocar a polémica. Primeiro, foi acusado de considerar a SIDA uma "justiça imanente", espécie de castigo para pessoas que abusaram do corpo. Noutra ocasião, referiu-se à homossexualidade em termos que suscitaram a associação a uma doença semelhante à anorexia. Mais recentemente, perante uma sociedade chocada com a Igreja por causa da pedofilia, foi ao ponto de sugerir que os padres acusados desse crime não deveriam ser punidos pelo poder eclesiástico, mas antes deveriam poder viver tranquilos os anos que lhes restam de vida.
A tudo isto o visado responde (extenso comunicado difundido ontem) considerando que se trata, em boa medida, de interpretações abusivas dos media e dos comentadores e de frases eventualmente retiradas do respectivo contexto. Sobre a doença de SIDA observa que se trata de umas afirmações feitas há cinco anos, num quadro de evolução da doença diverso do actual, e que ganham agora pertinência, com a tradução do livro de 2005 para flamengo. Relativamente à homossexualidade, recorda que se limitou, num debate televisivo, a comparar "a atitude que se adopta com as pessoas anoréxic e a que devemos ter para com as pessoas homossexuais", o que não autoriza a dizer-se tratar-se nos dois casos de pessoas "anormais" ou "doentes". Finalmente, acerca de padres pedófilos, observou que se referia a casos concretos de padres de idade avançada, alguns internados em lares, relativamente aos quais os crimes prescreveram e cujas vítimas se satisfizeram com o facto de os vitimizadores reconhecerem os abusos e pedirem perdão pelo que fizeram.
Pelo menos boa parte da opinião pública belga considera estar-se perante um hierarca desbocado. A verdade é que o mal-estar na Igreja daquele país tem-se vindo a acentuar nos últimos meses e há bispos, como de Namur, que fazem questão de se distanciar dos seus posicionamentos. Há dias, Léonard fez saber que se calaria até ao Natal, uma medida apoiada pelos responsáveis de duas revistas católicas do país, mas a promessa durou poucas horas e quem não aguentou mais foi o seu porta-voz, um jovem e prestigiado teólogo leigo que anunciou ontem, em comunicado, a demissão do cargo, salientando que "o copo transbordou". E comparou mesmo o arcebispo a um condutor em contramão, convencido de que todos os outros condutores é que estão errados. Declarações que configuram "algo nunca visto na história da Igreja da Bélgica", nas palavras do chefe de redacção da revista católica daquele país "Kerk & Leven".
O que é facto é que, como dizia recentemente um dirigente católico belga, a Igreja daquele país é uma "zona sinistrada" e os factos mais recentes não são de molde a reconstruir o que tem estado a desabar.
1 comentário:
De facto... Parece que a Igreja Católica é a única instituição que acha dispensáveis os hábitos de avaliação externa. A Igreja Católica (que é a que melhor conheço) e... as ditaduras políticas - sinistra similitude! Aparentemente, as coisas começam a mudar. Desejo que comecem a mudar PRIMEIRO, não de cima para baixo, mas de baixo para cima - é mais lento, eu sei, para dá mais garantias...
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