sexta-feira, 6 de abril de 2018

“A religião é como uma mochila que trazemos às costas”

Texto de Joaquim Franco


Os participantes no debate; da esquerda para a direita: Bernardino Soares (PCP, presidente da CM de Loures); Joaquim Franco (moderador); Idália Serrão (PS); José Manuel Pureza (BE); Ana Rita Bessa (CDS); e Luís Albuquerque (PSD e presidente da Câmara Municipal de Ourém). Foto CMA.  

Duas deputadas, um deputado e dois autarcas debateram esta quarta-feira, na Biblioteca Fernando Piteira Santos, na Amadora, o tema Religião e Política: Entre a convivência, a tensão e a indiferença. Com todos eles, representando as principais sensibilidades políticas presentes no Parlamento, a coincidir na importância do fenómeno religioso e na necessária articulação entre religião e política, como duas faces inseparáveis da mesma realidade. “A religião está sempre presente na sociedade, é como uma mochila que trazemos às costas”, afirmou, a propósito, o comunista Bernardino Soares, presidente da Câmara Municipal de Loures.
A religião aparece como produtora de ideias e de uma ética de convivência para o bem comum, ferramentas imprescindíveis da acção política. Esta, por seu lado, é o exercício de uma reflexão pragmática sobre o bem comum. Assim, é nesse terreno comum que se jogam sintonias e desentendimentos, tornando impossível a negação mútua.
Para José Manuel Pureza, o desafio das religiões também é político, pois “é o desafio da desigualdade e da discriminação”. O professor universitário e deputado do Bloco de Esquerda defendeu a criação de “pontes e diálogo entre estruturas políticas e estruturas religiosas”, para valorizar a “centralidade do empenhamento político” e olhar a política “como espaço virtuoso de intervenção”.
Assumindo-se como católico “desalinhado”, Pureza admitiu ter um “encontro e desencontro diário entre política e fé” e levou ao debate uma pergunta que ouvia do sociólogo Alfredo Bruto da Costa, antigo governante e presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, da Igreja, que morreu em 2016: “Como é possível um país católico chegar ao século XXI ainda com dois milhões e meio de pobres?”.
Também Ana Rita Bessa falou da “condição de política e crente”, reconhecendo ser uma relação “umas vezes com ânimo e outras vezes com dúvidas”. A deputada do CDS disse ser católica e “estar na política”, mas “fiel a uma ética de construção do bem comum, mais do que a uma moral”. Até porque, entende, a “política é o sítio mais extraordinário para cumprir o bem comum”.

Não é possível separar o sentimento religioso da ação política, acrescentou Bernardino Soares. O problema, afirmou o presidente da Câmara Municipal de Loures e membro do Partido Comunista, é quando de forma lesiva “há contaminação” de uma dimensão sobre a outra, embora hoje a sociedade tenha “maturidade” para prevenir essas situações e separar as águas.
“A religião está sempre presente na sociedade, é como uma mochila que trazemos às costas”, e isso “pode dar para o bem ou pode dar para o mal”, disse Bernardino Soares, lembrando “não é a religião que vai resolver os problemas da humanidade, mas a política”.
Confessando-se católica, a deputada socialista Idália Serrão esclareceu não ter “uma boa relação com a Igreja, embora o balanço seja positivo”. E explicou: “Oiço representantes políticos e religiosos numa tentativa de mostrarem que são o que não são, porque depois os comportamentos não correspondem às ideias”.
As mediações políticas para a intervenção dos crentes são variadas e estão por todo o espectro partidário, defende Pureza, para quem “não há um entendimento cristão sobre a sexualidade, ou a forma de assegurar a saúde pública ou o ensino”. Há sim, defendeu, uma via de pluralidade, sublinhando o deputado os apelos do Papa à participação dos cristãos na política, mas advertindo que “a pior das coisas é o sindicato dos crentes, o partido dos crentes ou a política dos crentes”.
A laicidade foi referida por Ana Rita Bessa como um bem a defender se comparada a “uma tela branca” que pode ser o “ponto de encontro” de várias visões da política e da religião. “Vivo bem com esta laicidade, vivo mal com o extremo de uma religião que quer impor-se e com políticos que querem «apagar» o sentimento religioso”, afirmou a deputada centrista. Já a socialista Idália Serrão acrescentou que religião e política não podem ser ”tolerantes com o ódio e o fundamentalismo”.
O fenómeno de Fátima foi também levado ao debate, através do social-democrata e presidente da Câmara Municipal de Ourém. Luís Albuquerque garantiu que as relações entre a autarquia e o santuário “estão bem, mas há uma história de tensões” ocasionais. Deu o exemplo de um recente diferendo entre a autarquia e o santuário por causa de um terreno. A autarquia perdeu o caso nos tribunais e tem de pagar agora os respetivos custos, “na ordem dos 200 mil euros”.
O espaço de ação dos poderes públicos locais está preservado, assegurou, e o santuário tem atuado no âmbito da sua legitimidade.
Fátima, que em 2017 teve nove milhões de visitantes, é um “espaço de diversidade e liberdade, nos antípodas do radicalismo e da intolerância”, representando assim uma oportunidade politicamente rica para promover “a paz e a tranquilidade com espírito aberto ao diálogo”, defendeu o autarca. “Há lugar para todos”, disse, revelando que o turismo local está a desenvolver estratégias de promoção da «marca» Fátima também em países e mercados turísticos de cultura religiosa não-católica, sobretudo na Ásia e América do Sul.  
Se em Ourém a diversidade religiosa se limita institucionalmente a uma reduzida presença evangélica, em Loures houve a necessidade de criar um gabinete autárquico para Assuntos Religiosos. O concelho tem mais de 120 nacionalidades e uma das maiores, senão a maior, diversidade étnica e religiosa em Portugal.
O edil Bernardino Soares falou da religião como importante “instrumento da política”, sendo as organizações religiosas parceiras “preciosas” para auxiliar a ação, por exemplo, nas políticas sociais.
Alguns representantes de confissões religiosas presentes na assistência questionaram os políticos sobre a Liberdade Religiosa e a utilização de textos sagrados na narrativa política. Os oradores defenderam que os textos sagrados, por princípio, são também cultura e por isso “não são interditos” ao discurso político, desde que essa utilização não represente uma tentativa de influência no exercício do poder, podendo manipular a opinião dos crentes.
Já quanto à Liberdade Religiosa, foram unânimes em considerar que ela não pode ser dada como adquirida e que a Assembleia da República – que recentemente recusou uma petição que pedia a ilegalização das Testemunhas de Jeová – deveria porventura reforçar a atenção ao tema.
Num comentário conclusivo, Paulo Mendes Pinto reafirmou a “importância vital “ das religiões no espaço da cidadania. O coordenador da Área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona lamentou que a Assembleia da República não seja o reflexo, na sua composição, “da diversidade religiosa e étnica da sociedade portuguesa”.

Este foi o terceiro de um ciclo de debates a realizar na Amadora, no âmbito do projeto O Mundo na Amadora – Religiões e Culturas em Diálogo, numa parceria entre a autarquia e a Área de Ciência das Religiões da Lusófona. Depois do papel das religiões na sociedade, da reflexão religiosa sobre a igualdade de género, da relação entre religião e política, segue-se o binómio religião/educação, com um debate, a 9 de Maio, numa das escolas da cidade.

Sem comentários: