sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Credibilidade não se recupera com fluxogramas, diz o Papa em carta sobre abusos, aos bispos dos EUA

Texto de Maria Wilton


O Papa Francisco com os responsáveis da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, 
em Setembro, no Vaticano (foto CNS, reproduzida daqui)

“A credibilidade da Igreja tem sido seriamente enfraquecida e diminuída por esses pecados e crimes, mas ainda mais pelos esforços feitos para negar ou ocultar os mesmos”, escreve o Papa Francisco numa carta dirigida aos bispos da Conferência Episcopal dos Estados Unidos, que estão em retiro no seminário de Mundelein, em Chicago.
No texto de oito páginas, Francisco faz uma forte crítica à realidade vivida na Igreja Católica daquele país. Antes de propor uma solução para a crise atual, começa por diagnosticar o problema da perda da credibilidade da instituição católica, algo que levou a “um sentido de incerteza, desconfiança e vulnerabilidade nos fiéis”.
Os bispos estadunidenses encontram-se reunidos desde esta quarta-feira, 2 de janeiro, para refletir sobre a resposta à crise que tem assolado a Igreja Católica do país, relacionada com os abusos sexuais. Na carta, o Papa argentino escreve que a credibilidade “não pode ser recuperada com decretos severos ou a criação de novos comités ou fluxogramas, como se estivéssemos num departamento de recursos humanos”. Segundo Francisco, isso reduziria o papel dos bispos e da Igreja a funções administrativas ou organizacionais no “negócio de evangelização”.
Em vez disso, o Papa pede que o foco esteja no que é verdadeiramente importante: “Têm sido tempos de turbulência nas vidas de todas as vítimas que sofreram na pele o abuso de poder e consciência e o abuso sexual da parte de ministros, religiosos e leigos. (…) Sabemos que, dada a seriedade da situação, nenhuma resposta ou abordagem parece adequada.”
Mesmo assim, Francisco sugere uma solução, que se baseia numa “nova presença” no mundo com “uma forma concreta de serviço aos homens e mulheres" dos dias de hoje: “Os pastores têm que estar dispostos a ouvir e a aprender com os seus erros, não agindo defensivamente.”
Estes são passos fundamentais, considera o Papa, para a reconciliação não só com os fiéis católicos, mas também entre os diversos responsáveis da Igreja, já que “momentos de dificuldade e provação também ameaçam a comunhão fraterna”. Francisco pede o abandono do modus operandi dedescrédito, de vitimização e de reprovação no modo de relacionar, já que estas atitudes desfiguram e dificultam a missão da Igreja. 

A carta, apresentada aos bispos na quarta-feira, em inglês e espanhol, para reflexão durante o retiro, conclui com um pedido: “Rezemos pelos sobreviventes dos abusos sexuais, a fim de que os seus sofrimentos possam servir para reforçar-nos a todos na difícil tarefa de extirpar um mal terrível da nossa Igreja e da nossa sociedade, de modo a que tal sofrimento jamais volte a repetir-se.”
Esta não é a primeira vez que Francisco apresenta uma carta desta natureza a uma conferência episcopal. No passado mês de abril de 2018, Francisco enviou uma missiva semelhante aos bispos do Chile, após fortes críticas pela maneira como estes tinham lidado com a crise de abusos sexuais.
A mensagem aos bispos estadunidenses é enviada mês e meio antes do encontro convocado para o Vaticano, entre 21 e 24 de fevereiro, e que reunirá os presidentes de todas as Conferências Episcopais do mundo, com o objetivo de abordar a questão da prevenção de abusos sobre menores e adultos vulneráveis.

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