sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Jovens portugueses no encontro de Taizé em Madrid: cuidar da espera, cuidar da terra, cuidar da linguagem

Texto de António Marujo


Um dos momentos de oração durante o encontro europeu de jovens, em Madrid 
(foto reproduzida daqui)


O problema é cuidar da espera e do desespero dos refugiados, diz Nicolau Osório, 24 anos, do Porto. A linguagem eclesiástica é um problema para os jovens, afirma Mónica Ribau, 26 anos, de Aveiro. O problema é o cuidado que devemos ter com os direitos do planeta, acrescenta Catarina Sá Couto, 29 anos, do Porto. 
Nicolau, Mónica e Catarina são três dos mais de 600 portugueses que estiveram em Madrid, entre 28 de Dezembro e 1 de Janeiro, a participar no 41º encontro europeu de jovens, promovido pela comunidade monástica ecuménica de Taizé, no âmbito da peregrinação de confiança sobre a terra
Na última tarde do ano, numa igreja da periferia de Madrid, juntam-se para partilhar experiências e ver o que podem fazer, em Portugal, para continuar o que viveram nestes últimos dias do ano na capital espanhola. 
Atenas (Grécia) foi o destino de Nicolau durante seis meses (com uma incursão de dez dias à ilha de Lesbos), num trabalho voluntário com a Plataforma de Apoio aos Refugiados. “O problema é cuidar da espera e do desespero dos refugiados”, conta o jovem licenciado em Engenharia de Minas, mas que quer procurar um trabalho na área da educação sexual.  
“São pessoas que não podem sair da Grécia. E o que me ficou não são as histórias trágicas que ouvi de tantos deles, mas os laços pessoais que se criaram. Para mim, os refugiados passaram de um rótulo a rostos e pessoas concretas”, acrescenta, aos compatriotas que o escutam. Com o seu trabalho, Nicolau também quis dizer aos refugiados que “ainda há uma Europa que quer acolher”. Por vezes, “temos medo, mas devemos acolher”. 

Direitos humanos e direitos do planeta

Catarina, que se apresenta como cristã anglicana, tem estado envolvida no movimento pela Carta da Terra – Valores e Princípios para um Futuro Sustentável, integrando também a organização Green Anglicans. E chama a atenção para a forma como todos consumimos: “Esquecemos muitas vezes que os direitos humanos e os direitos do planeta dependem uns dos outros.” E aponta: “Este banco vem de uma árvore, esta luz vem da água de uma barragem, do vento, de uma energia renovável ou da queima de carvão.” 

Se ser cristão é estar atento ao próximo, alerta ainda, também implica estar atento ao planeta, à forma como cada pessoa consome: “O que tiramos ao planeta? Como consumimos os bens naturais de que dispomos? Reciclar não é a solução, porque a indústria da reciclagem continua a ser uma indústria e a consumir recursos...” Na Cidade do Cabo (África do Sul), exemplifica, a falta de água já obrigou a racionar este bem essencial a 50 litros por dia e por pessoa. 
Perante o bispo do Porto, Manuel Linda, que entretanto chegara para participar no encontro, Mónica Ribau, a fazer um doutoramento em Alterações Climáticas, prefere falar do problema que a linguagem eclesiástica constitui para tantos jovens: “Os jovens querem uma linguagem diferente, que ajude a enfrentar as dificuldades da sociedade hoje em dia.”
O irmão David, o único português da comunidade de Taizé, conta também uma experiência no início de Dezembro, em que acompanhou ao Irão um afegão, refugiado e a trabalhar em França desde há três anos. A sua família foi toda morta por grupos talibãs e este ano soube que tinha um primo ainda vivo, mas a quem acontecera o mesmo: ficara sozinho no mundo, depois de lhe assassinarem toda a família. Muitos dos afegãos que vivem no Irão estão quase todos ilegais, fugidos da guerra no seu país. Apesar disso “e das condições de pobreza em que vivem”, mostravam “a alegria que tinham em acolher” os visitantes e que “tinham muito para dar”, dizia o irmão David. 

Mulheres, vítimas e protagonistas

Angela, uma espanhola que integra o Proyecto Esperanza, organização de apoio a mulheres vítimas de tráfico, chama a atenção para a dignidade de seres humanos que essas mulheres merecem e que muitas vezes lhes é retirada. “Muitas vezes, elas estão aqui ao nosso lado, aqui mesmo no nosso bairro e nós não vemos”, alerta. 
Numa outra conversa do encontro, dedicada ao papel das mulheres na construção da paz entre religiões e culturas diferentes, intervêm uma muçulmana, uma judia e uma cristã. Num mundo em que existe tanta desconfiança, “é preciso começar por não olhar o outro como inimigo”, dizem. Amanda, a muçulmana, conta como por vezes ouve perguntas que são “formas de ataque”. E acrescenta que, sentindo-se confortável na sua pela de muçulmana, não se sente confortável com muitos usos instrumentais do islão, sejam políticos ou violentos. “É muito doloroso, também para mim como muçulmana, saber que há pessoas que fazem ataques terroristas em nome do islão e que abusam da religião que professo.”
Samantha, a judia, diz que “quando o primeiro mandamento é ‘não matarás’, é absurdo que nos matemos em nome de Deus”. Por isso, seria importante a escola – e a escola pública – ensinar a diferença religiosa e o facto religioso, defende. E as três religiões abraâmicas devem insistir na mensagem de misericórdia e de amor que está presente nos textos”. 
Maria, a cristã, admite que em todas as histórias religiosas há “páginas negras” e que a primeira tentação é a espada e a violência, aconselhadas pelo medo”. E sublinha que é necessário acrescentar direitos à Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completou 70 anos em Dezembro de 2018Dois deles, diz, são o direito à felicidade ou o direito a não se estar só quando não se quer. 

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