quarta-feira, 8 de julho de 2009

Agumas notas à margem de uma encíclica

No Público está hoje um primeiro (e possível) resumo da nova encíclica do Papa Bento XVI, Caritas in Veritate. O documento põe claramente em causa os alicerces do sistema económico, tal qual ele tem funcionado, bem como uma arquitectura política comandada pelos grupos dos países dominantes. A democracia não estará completa sem uma mais eficaz e democrática Organização das Nações Unidas e sem novos modos de gerir o sistema financeiro.

Algumas notas à margem:

- É lastimável a crescente ignorância mediática em Portugal: a generalidade dos jornais, rádios e televisões quase ignorou a publicação da encíclica, não percebendo a importância do documento; nada de estranhar: na véspera, dia da assinatura do tratado de não-proliferação nuclear e dia dos graves confrontos na China, as televisões brindaram-nos, nos principais serviços noticiosos, com 30 minutos de uma indigente apresentação de um jogador de futebol...

- A encíclica pede criatividade e empenhamento aos cristãos. Mas esse é um dos problemas: quer nas lideranças políticas, quer nas empresariais e económicas, tem havido cristãos. E alguns deles são grandes responsáveis por vários factores da crise em que estamos mergulhados.

- Outro problema: o pensamento social católico, que pode ser caracterizado de "esquerda" (usando uma expressão redutora, mas que se entende), é olimpicamente ignorado por muitos crentes com responsabilidades políticas, económicas, empresariais - que preferem destacar os "valores" familiares e individuais que a Igreja Católica defende.

- A quadratura do círculo: é difícil ver católicos que politicamente defendem o liberalismo desregulado a adoptar os critérios propostos pelo pensamento social católico das últimas décadas e que pouco têm a ver com a desregulamentação laboral ou com a centralidade da pessoa e do trabalho humano...

- Voltar à escola? Sábado passado, no seminário da Comissão Justiça e Paz, o sindicalista Ulisses Garrido pôs em causa o que se ensina nas áreas de Economia e Gestão da Universidade Católica. Talvez não seja má ideia a Igreja Católica começar por afrontar questões desse género.

- Ao propor a revisão da arquitectura política e financeira mundial, o Papa repete o que já João XXIII e João Paulo II tinham defendido. Mas, em certa medida, as coisas pioraram, com a criação dos directórios mundiais: G-8, G-20, troika europeia, grupo de Davos, mais os clubes mais ou menos selectos... São esses directórios que também estão em causa. O mundo não pode continuar a fazer de conta que negoceia e dialoga, para depois alguns países boicotarem, alterarem, esquecerem ou ignorarem o que se vai discutindo em fóruns internacionais. Se as coisas não são só assim, há muito a rever neste modo de funcionar.

2 comentários:

MC disse...

"Sábado passado, no seminário da Comissão Justiça e Paz, o sindicalista Ulisses Garrido pôs em causa o que se ensina nas áreas de Economia e Gestão da Universidade Católica."

Haverá alguma forma de aceder a esta informação mais detalhadamente?

Obg

António Marujo disse...

A informação foi-me prestada com mais pormenores por uma pessoa que esteve no seminário (por exemplo, houve outros participantes que depois corroboraram a mesma ideia). Mas não tenho mais elementos; para saber mais, imagino que só mesmo falando ao próprio (penso que se pode encontrar na CGTP); ou contactando a Comissão Justiça e Paz: Quinta do Cabeço, Porta D - 1885-076 Moscavide; de 2ª a 6ª das 14h00-17h00; tel. 218 855 480; comissaonjp@gmail.com. O endereço do site da Comissão é http://cnjp.ecclesia.pt/







Secretário: Fernando Santos José