O caso, ocorrido no final de 2009, na cidade Phoenix, nos Estados Unidos da América, é este:
uma mulher jovem, já com três filhos, está grávida do quarto, e encontra-se afectada por uma doença grave, medicamente comprovada, que com elevado grau de probabilidade, a levará à morte juntamente com o bebé. Se for feito um aborto, poder-se-á salvar a mãe.
No hospital em que a grávida se encontra internada, reúne-se o comité de ética, ouve-se a paciente, a sua família e outros prestadores de cuidados. Todos consideram que deve ser adoptada a via que preserva a vida da mãe, na impossibilidade de salvar ambas. Esse caminho é seguido, o aborto é praticado e a mulher salva-se.
O bom senso prevaleceu. Em nome do direito à vida, se não se pode salvar duas vidas, mas apenas uma, essa vida deve ser salva. Um mal menor, certamente. Mas salva-se uma vida.
Um mal menor?
Nem pensar. Não há mal menor. Há simplesmente mal. E matar uma vida é intrinsecamente um mal, independentemente das circunstâncias, pelo que o hospital em causa nunca deveria ter praticado o aborto que salvou a mãe.
Quem assim pensa e em consonância actua é o bispo da diocese, porque o hospital, sendo católico, deve agir de acordo com a interpretação que o bispo faz da doutrina da Igreja. E a Igreja - diz ele, socorrendo-se da doutrina do Magistério e das normas éticas da Conferência dos Bispos dos EUA - não aceita que tal possa acontecer.
Para começar, fez saber que a religiosa que presidia ao Comité de Ética e que era simultaneamente vice-presidente do hospital,se deveria considerar automaticamente excomungada. E, na sequência de contactos com os responsáveis da instituição hospitalar, durante os quais não conseguiu demovê-los da posição que tinham assumido em consciência, o bispo acaba de anunciar, em conferência de imprensa,que o hospital já não pode mais considerar-se católico.
Um caso destes é muito triste e, diria mesmo, revoltante. Posso compreender que existam outros factos que tenham pesado também na decisão do bispo. Mas no caso que desencadeia a sua intervenção drástica, não parece haver lugar para grandes dúvidas,salvo melhor opinião: se medicamente é comprovado (de acordo com os conhecimentos e a experiência existentes) que há real risco de morte para mãe e filho e que é possível, com uma intervenção (que redunda em aborto), salvar uma das vidas, deve-se deixar o processo correr, sacrificando as duas? Em nome de que ética? Se o hospital, esgotando todas as possibilidades, agindo com todas as precauções (e não se provou que o não tivesse feito), chega à conclusão de que pode salvar uma vida, essa atitude não é mil vezes preferível à do bispo que, em nome de um princípio cegamente aplicado, pretende obrigar à adopção de uma prática que sacrifica as duas?
Que o bispo deseje que ninguém seja sacrificado e que defenda que ninguém deve ser morto, aceita-se e aplaude-se. Mas isso também os médicos e o comité de ética - e, antes de mais ninguém, a mãe da bebé - certamente desejavam. Mas a decisão ética está precisamente aí - em ponderar valores e, em último caso, em salvar o que pode ser salvo.
Não creio que o bispo de Phoenix tenha prestado um bom serviço à causa da defesa da vida e este fundamentalismo no modo de actuar não desacredita apenas esses movimentos, desacredita a própria Igreja. E deixa-a, com o tempo, a falar sozinha. É isso que dói e é isso que faz do dia de hoje um dia triste.
É assim, pelo menos, que, em consciência, acho.
2 comentários:
Esse bispo de Phoenix pode bem ser um neoateísta infiltrado. Pelo menos, serve zelosamente essa causa.
Como Católico praticante, concordo consigo ! Já conhecia a história de excomungar a Irmã que dirigia a Comissão de ètica...só faltava retirar o nome de católico...
Este Bispo estaria junto dos sacerdotes do templo que concordavam, em apredejar a mulher impura, conforme relata o evangelho...Mas nem todos os Bispos são quadrados!
Henrique Dias
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