"Quem quiser entre vós ser o primeiro, será escravo de todos.” (Evangelho segundo São Marcos, 10, 43)
Domingo XXIX do tempo comum - ano B
A teoria sabemo-la todos: cristianismo rima com serviço, louvor rima com compromisso, amor a Deus com amor ao próximo. Por isso o “saber mais” em questão de fé implica “viver melhor” o próprio conteúdo da fé, que não se trata de belíssimas definições ou elaborados discursos, mas um conteúdo que se fez carne, Jesus Cristo. Por isso, perante comunidades que são “super-organizações” e organigramas de estruturas eclesiais de fazer inveja a muitas empresas, pergunto-me muitas vezes que espírito por ali vive e que humanidade ali cresce. Não se trata de elogiar a desorganização ou a anarquia mas as estruturas eclesiais poderiam aprender a ser mais como o nosso corpo: adaptáveis, reconvertíveis após acidentes ou fracturas, curáveis, sempre aprendendo com os erros, necessitadas de abraços e de amor, e também mortais. Há estruturas que são como as pirâmides: quase eternas, mas verdadeiros sepulcros!
De humildade e coragem foram as palavras de D. António Couto, Bispo de Lamego, esta semana no Sínodo dos Bispos. Dizer que a Igreja “deverá ter a dinâmica das primeiras comunidades cristãs”, como um “átrio permanente da fraternidade aberta ao mundo”, poderá ter algum sabor a teoria. Mas apontar que deve ser “uma Igreja anunciadora, completamente vinculada ao seu Senhor, não seduzida pelas novidades da última moda”, vivendo um “estilo de vida pobre, humilde, despojado, feliz, apaixonado, audaz, próximo e dedicado”, aí já mexe com os nossos hábitos e tradições de sermos igreja. O ritualismo, o fácil julgamento, a ânsia dissimulada pelo poder e pelo controle, podem ser o contexto para a pergunta que nos deixa: “porque é que os santos lutaram tanto, e com tanta alegria, para serem pobres e humildes, mas nós esforçamo-nos tanto para ser ricos e importantes?”.
“Dei-vos o exemplo” é uma palavra que Jesus diz após o lava-pés aos discípulos. Esse gesto, que se faz pleno cruz revela o “vir para servir e dar a vida” que escutamos no evangelho de hoje. Séneca, pensador romano contemporâneo de Jesus dizia: “O homem acredita mais com os olhos do que com os ouvidos. Por isso longo é o caminho através de regras e normas, curto e eficaz através do exemplo.” Em tudo, na educação e no trabalho, na família e na sociedade, o exemplo é sempre a melhor escola. E muita da indignação e escândalo que sentimos, nos muitos campos em que a nossa vida circula, provém da ausência de exemplo ou do acumular de maus exemplos. Jesus põe-se a si como exemplo e não ensina a buscar triunfo ou poder mas a servir quem mais precisa. E onde isso acontece, com maior ou menor organização, experimentamos a presença de Deus. Consequentemente, o exemplo não é só para os mais responsáveis: é para todos. Seria fácil dizer que só os mais responsáveis o deveriam dar, pois somos especialistas em bem culpar outros! O certo é que, lugares à direita e à esquerda de Jesus não existem, porque Ele nunca está quieto!
P. Vitor Gonçalves
(in Jornal Voz da Verdade 21.10.2012)
2 comentários:
Esta reflexão e este tema do testemunho fez-me recordar duas outras referências.
1) J.H. Newman lembrava que ninguém pode ser convencido da Verdade apenas com argumentação racional. No sermão "O contágio pessoal da verdade" escreveu que a verdade "permaneceu a salvo não pela virtude de um sistema, não graças a livros ou argumentações, não por mérito do poder temporal, mas graças à influência pessoal de homens... que são - ao mesmo tempo - maestros e modelos" [Sermões à Univerdidade de Oxford, V, 26].
2) E o mesmo volta a ser enfatizado por Paulo VI: "é conveniente realçar isto; para a Igreja, o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização. "O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas".(67) São Pedro exprimia isto mesmo muito bem, quando evocava o espetáculo de uma vida pura e respeitável, "para que, se alguns não obedecem à Palavra, venham a ser conquistados sem palavras, pelo procedimento".(68) Será pois, pelo seu comportamento, pela sua vida, que a Igreja há de, antes de mais nada, evangelizar este mundo; ou seja, pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao Senhor Jesus, testemunho de pobreza, de desapego e de liberdade frente aos poderes deste mundo; numa palavra, testemunho de santidade [Evangelii Nuntiandi, Paulo VI, 1975, no ponto 41].
Assim, a Nova Evangelização, curiosamente, parece apontar mais aos evangelizadores que aos evangelizados: a pergunta não é 'como posso converter?' mas 'como posso ser convertido?'.
"a pergunta não é 'como posso converter?' mas 'como posso ser convertido?"
completamente de acordo. Não sei se é esta a questão central da Igreja. Na praxis não é. Os que precisam ser convertidos são sempre os outros.
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