domingo, 14 de outubro de 2012
Patriarca: um tiro no pé .. ou nos dois
Aparentemente, para D. José Policarpo, "o poder está na rua". Algo que parece apavorá-lo, mas que, para já, pelo menos, só existe na sua cabeça.
Talvez o facto de ter começado a ver e ouvir canções e palavras de ordem de 1974 o levem a concluir que estamos nas vésperas de um novo período revolucionário. Não será ver de mais?, perguntei-me ao ouvi-lo. Não existem órgãos de soberania a funcionar (ainda que com debilidades)?
E desde quando é que manifestar descontentamento e indignação com medidas de governo constitui motivo de repreensão moral, sobretudo quando, reconhecidamente, várias dessas medidas se caraterizam pela injustiça e pela iniquidade? Não é dever dos cidadãos dar conta desse sentimento e pressionar, de forma pacífica, no sentido de levar os governantes a arrepiar caminho enquanto é tempo?
Mas as palavras do Patriarca suscitam-me um problema bem mais sério e inquietante: desde quando é que um bispo - ainda por cima presidente da Conferência Episcopal - deve dar indicações sobre como devem os católicos e os cidadãos em geral atuar na vida social e política? Acaso não será tal indicação uma forma de intromissão na esfera da legítima liberdade e no campo dos direitos fundamentais reconhecidos na Constituição da República?
Por fim, é triste ver D. José Policarpo criticar os que vão para a rua protestar e calar-se perante uma política sem esperança, que já deu provas de estar a lançar para o abismo se não o país pelo menos largas franjas da população. Com que fundamentos defende a bondade das medidas de choque e nos quer mudos e quedos? Não será essa uma visão tão partidária como as que se lhe opõem?
Salvo melhor opinião, o Patriarca de Lisboa, que nos foi habituando a uma intervenção clarividente na leitura dos sinais dos tempos, assume aqui posições que não são do seu foro e silencia a miséria económica e moral que contraria o que o Evangelho e a doutrina social da Igreja defendem.
Porque entendeu fazê-lo é para mim um mistério. Porque o fez exatamente na véspera da manifestação das gentes da cultura em 20 cidades do país e do final da marcha pelo desemprego é outro. Não será certamente uma forma de pré-inaugurar o 'diálogo' do Pátio dos Gentios e de investir na "nova evangelização".
Complemento: Cardeal Patriarca considera que "não se resolve nada contestando"
(Crédito da foto: Lusa)
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6 comentários:
Apenas algumas questões.
Tem ou não o Sr. Patriarca, enquanto cidadão Português de pleno direito, de dar a sua opinião acerca de qualquer tema, seja ele qual for? Ou o facto de ser Bispo lhe retira, de alguma forma, o direito à liberdade de expressão e opinião característico que qualquer país que se considera democrático?
É a liberdade de expressão para todos os portugueses ou só para alguns?
É que a mim não me preocupa que o Sr. Patriarca de as suas opiniões, segue-as quem quer no exercício da sua liberdade. Preocupa-me que o senhor considere que ele não tem o direito de as dar, é que isso é característico de ditaduras e não de democracias.
Caro Leonel Santiago, agradeço o comentário e ponto de vista. Como é óbvio, não está em causa o direito nem do Sr. Patriarca nem de ninguém de ter e de publicitar a sua opinião. Acontece que D. José Policarpo deu a conferência de imprensa não na sua qualidade de cidadão mas de responsável da Igreja. E, nesse caso, deveria ter, pelo menos, a gentileza (digamos assim) de reconhecer que, no seio da Igreja esta é uma matéria de natural diversidade de pontos de vista e posições. Ao defender a correção das medidas governamentais e ao apelar indiretamente a que as pessoas não se manifestem está a entrar num terreno partidário, que não me parece o mais adequado. Não é, pois, o que ele defende que está em causa. É, sim, quem o defende e a partir do estatuto em que o defende. Eu, e creio que muitos outros cristãos, não me reconheço nessa tomada de posição. E esta divergência deve ser vista como normal, no seu da Igreja e não retira nada da consideração que tenho por D. José Policarpo.
Sr. Manuel Pinto, obrigado pela resposta. E não leva a mal, mas vou continuar o "debate".
Acho, e é a minha opinião pessoal, que em Portugal, e na Europa pelo que vou vendo, temos uma visão estreita do que é a democracia e o direito à participação democrática, especialmente das pessoas ligadas à Igreja.
Primeiro, do ponto de vista enquanto cristão: é óbvio que o Sr. Patriarca não está a falar de questões de fé e nem o que disse é dogma, e cai obviamente no exercício livre de opinião, que pelo facto de ser padre, bispo ou cardeal não deixa de o ter. Por isso, mesmo enquanto cristão católico que sou, sou livre de concordar ou não com ele.
Segundo, acho interessante que ninguém se insurge quanto ao direito de o Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados, enquanto representante dessa classe opine politicamente da forma que o faz, antes é-lhe reconhecido todo o direito de o fazer, o mesmo poderia dizer acerca do bastonário da ordem dos médicos, enfermeiros... os artistas... e tantos representantes de tantos sectores da sociedade. Que estas pessoas dêem a sua opinião política é uma questão de exercício dos seus direitos, e por isso não pode ser beliscado.
Questiono-me então: porque é que "os religiosos" não hão-de poder fazê-lo? Em que é que isso belisca a democracia e a tão desejada participação democrática das pessoas? É essa parte que eu não entendo. Será que um padre, bispo, cardeal ou até o Papa, pelo facto de o ser, deixa de ser político, no senso de que todos o somos? Essa é a questão de fundo que me questiono já há algum tempo e que o seu comentário às declarações do Sr. Patriarca me fez novamente pensar: em que é que um padre, bispo ou cardeal,ao dar a sua opinião politica belisca a democracia? Como pode esta sair ferida disso? Não ganha a democracia com a livre opinião e "input" de todos? Seja de quem for? Será que não precisamos de crescer na democracia para perceber que a opinião política é bem vinda, venha ela de que lado vier? Isto não quer dizer que agora venhamos a ter os padres como presidentes de câmara ou deputados... mas a sua opinião, dentro daquilo que não trai o exercício do seu ministério ordenado, será que não deve ser bem vinda e aplaudida, pelo menos para dizer que discordo dela? Eu não estou a dizer que o senhor não tem o direito de dizer que discordar do Sr. Patriarca, se calhar até eu discordo, e não é essa parte do seu artigo que me "atrapalha". Mas gostaria de o ver a defender o direito inalienável à participação política de todos, independentemente de cor, raça, profissão ou religião, e mesmo daqueles que exercem "cargos religiosos" (não só padres e bispos, mas ímãs e rabinos...), e que isso ficasse explícito sem sombra de dúvidas. Acho que a democracia teria muito a ganhar com isso. É que nem as pessoas são a-políticas nem é a-religiosas. E por isso, acho que numa democracia adulta e madura, o facto de um cardeal dar a sua opinião política não deveria atrapalhar ou suscitar "um problema bem mais sério e inquietante" (para usar a sua expressão) a ninguém.
São apenas alguns pensamentos. Espero que não leve a mal a insistência, mas é um assunto que, como disse, volta e meia me deparo a reflectir, e por isso a sua opinião pode-me com certeza também ajudar.
Agradeço as suas reflexões e, para as levar em consideração, como elas mereceriam, precisava de um bem escasso - o tempo. Direi apenas que, em matéria de ação política, há, por exemplo, a prática de os responsáveis da Igreja não darem indicação de voto, em períodos eleitorais. O que não quer dizer que lhes esteja vedado expressar princípios fundamentais e critérios de ação política que possam inspirar os católicos e outros cidadãos a definir o seu voto de forma consciente. E isto, julgo,em nome da unidade da comunidade cristã e do desejável pluralismo de opções, numa sociedade democrática.
Nas circunstâncias presentes, parecer-me-ia bem mais necessário ajudar as pessoas a situar-se, numa situação social e política em que, para além das medidas de austeridade, estão a ser minadas as relações de confiança entre pessoas e instituições, que me parece um terreno de enorme sensibilidade e mesmo perigosidade. A solidariedade às vítimas da austeridade e aos velhos e novos pobres tem de ser uma resposta em que a Igreja se empenha. Mas seria grave ficar por aqui, como se bastasse socorrer os pobres e os marginalizados, sem combater as políticas que fabricam em quantidades cada vez maiores. Já nem na medicina se aceita esta abordagem curativa, que descuida a preventiva.
Ora, neste contexto, o que nós temos visto da parte de grande parte dos nossos bispos é um cuidado forte em apelar à solidariedade social, mas um cuidado talvez ainda maior em não 'aborrecer' quem toma as medidas que obrigam à tal solidariedade. Porquê?
No caso da intervenção de D. José, vai-se ainda mais longe: pede-se que se aguente, porque as medidas tomadas vão demorar a produzir os seus efeitos.
Repare: o mesmo que escrevi quanto à posição do Cardeal Patriarca diria se a posição fosse a contrária, apoiando, por exemplo, os partidos de esquerda.
Tenho para mim que a maioria dos cristãos e dos portugueses anda perplexa com o que vê e com o que estas políticas estão a produzir. No meio desta noite de nevoeiro, D. José vem e diz-lhes: tenham paciência, aguentem e sejam solidários. Será a palavra? Há entre os cristãos, quem fale em "assalto fiscal" e em "napalm sobre os portugueses". Não é, também aqui, o direito à vida com dignidade que está em jogo?
Parece-me que concordamos no princípio de que o direito de opinião assiste a todos e também ao Sr. Patriarca. Concordo consigo no princípio de que, na normalidade da vida democrática, a Igreja se deve abster de dar indicações de voto no partido A ou B. É um princípio saudável.
Quanto às declarações do Sr. Patriarca propriamente ditas.
Primeiro, procurei e não consegui encontrar as declarações na íntegra, apenas encontrei excertos espartilhados por vários serviços noticiosos, pelo que não consigo fazer uma análise daquilo que realmente o Sr. Patriarca disse. Inclusivamente alguns excertos variam: encontro a mesma expressão atribuída ao Sr. Patriarca, nuns lados como afirmativa e noutros como interrogativa. Por isso mesmo, a leitura que possa fazer é parcial, e através daquilo que os órgãos de comunicação social quiseram transmitir e realçar, pelo que pode estar totalmente ao "lado". Mesmo assim, aventuro-me num comentário.
O Sr. Patriarca chama a atenção para vários problemas de fundo e não apenas superficiais.
Primeiro, ele parece-me defender a legitimidade democrática das instituições da República Portuguesa, e que é no âmbito dessas instituições que as soluções devem ser encontradas e que a governação deve acontecer. E aqui parece-me ser uma chamada de atenção tanto ao "povo", como àqueles que foram eleitos para cargos governativos - é a eles que compete, em primeiro lugar, encontrar as soluções para a crise e governar para o bem de todos, pois foi para isso mesmo que foram eleitos.
Segundo, parece-me, que ele chama a atenção para o esvaziar dessas instituições do seu papel, sendo este exercido a partir da rua, com todos os perigos que isso trás. Será que realmente queremos o país a ser governado ao sabor da última manifestação que aconteceu? Não será a democracia algo mais?
Terceiro, parece-me que ele vem lembrar que este problema foi criado no contexto global em que Portugal se insere, nomeadamente a União Europeia, e que esta crise é fruto, não de uma coisa do momento, mas de anos e anos de "más políticas". Por isso, a solução para a crise passa forçosamente pela U. E. e só será resolvida com tempo, pois as mudanças que têm de ser feitas são estruturais. E isso leva tempo. E por isso, ele afirma que as manifestações a pedir a demissão do governo, só por si, não resolvem nada, pois qualquer governo que venha a seguir, fica com um Portugal nas mãos que está inserido na U. E., numa economia global...
Por fim, parece-me que ele quis deixar de alguma forma uma réstia de esperança, pois as instâncias internacionais acreditam que as medidas tomadas irão dar resultado. E é aqui que eu acho, das declarações, que encontrei, que o Sr. Patriarca pode ser mais criticado. A verdade é que, por aquilo que vou lendo, ninguém se entende relativamente à "receita" para a crise (basta ver os avanços e recuos de Christine Lagarde). E a verdade é que aquilo que tem sido aplicado em Portugal o que tem gerado, a consequência prática, é mais pobreza, mais desemprego, mais injustiça... Com consequências graves para a vida das pessoas, e que as tem levado ao desespero.
Deixo aqui um link para um entendimento acerca da natureza do Bispo (opinião de José Maria Castillo, Granada, Espanha). Não pretende responder ao debate suscitado pelo ‘post’ de Manuel Pinto. Aliás, com a resposta de MP do dia 18 Out., a questão inicial foi substituída por uma outra e, assim, se inflectiu o rumo daquilo que me parecia poder ser uma muito rica reflexão (concretamente: «podem os clérigos participar em organizações político-partidárias? Se sim, sob que condições?», «pode a hierarquia emitir pareceres políticos públicos à margem do formato “DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA” sem correr o risco de vir a ser admoestada por Roma?», «podem as comunidades cristãs emitir publicamente pareceres sobre a situação política do país?», etc etc etc). O conteúdo central das duas entradas de Leonel Santiago do dia 16 Out. merece ser tido em conta. Eu, lamento não ter capacidade (bagagem teórica) para lhe responder como o tema merece (ainda que penso que estamos diante de “duas questões em uma só” – no mínimo, duas). É nestes momentos que a maturidade dum Movimento Cristão ou duma Igreja se deve «ver». Fica o desafio (as perguntas) aos nossos teólogos para que continuem esta conversa, sob a tónica: ‘relações entre ministérios eclesiais e política partidária’.
Aos dois bloguistas, as minhas saudações.
Fica o link:
http://asaladecima.blogspot.pt/2012/10/bispo-o-que-e-castillo.html
Paulo Bateira.
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