quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Uma exposição missionária itinerante, porque “parar é retroceder”

Exposição
Texto de António Marujo
Vídeos de Maria Wilton 


Altar budista proveniente do Tibete

Um altar budista do Tibete; uma barquinha em chifres, que veio de Angola; um calendário eterno dos aztecas, do México; cinco crucifixos do Sudão do Sul, Eritreia, Índia, Portugal ou Etiópia; uma cuia (taça para beber) da Amazónia; uma mamã africana, de Moçambique, de onde também vem uma Sagrada Família em fuga para o Egipto, recordando os refugiados; uma placa com um excerto do Alcorão; e um nilavilakkuindiano, espécie de candelabro de mesa que representa Brahma, Vishnu e Shiva.
Estas são algumas das peças que podem ser vistas até sábado, dia 13 de Outubro, Escola Francisco de Holanda, em Guimarães. A partir desse dia, a mostra fica em Cabeceiras de Basto até dia 27, quando vai para Barcelos, continuando depois a circular por outras localidades do país. Trata-se da exposição itinerante Pelos Caminhos do Mundo, organizada pelos institutos missionários católicos ad gentes(algo como “enviados aos povos”). 
“Itinerante porque, como Igreja, temos de ser um povo itinerante”, diz ao RELIGIONLINE o padre Adelino Ascenso, presidente da rede dos IMAG (Institutos Missionários Ad Gentes). “A missão tem de fazer-se caminhando. Não podemos estagnar. Parar é retroceder.”




A ideia da mostra nasceu na última assembleia do IMAG, há dois anos. Depois de uma iniciativa semelhante organizada em Fátima, em 2012, e da publicação da exortação Evangelii Gaudium (“A Alegria do Evangelho”), do Papa Francisco, os 27 institutos missionários do IMAG (oito masculinos e 19 femininos) decidiram organizar uma nova mostra, desta vez com o objectivo de percorrer todo o país que reavivasse a reflexão sobre a evangelização e desafiasse a “uma abertura ao diálogo de culturas e religiões”, como refere o padre Ascenso, no texto de abertura do catálogo da mostra. 
O presidente do IMAG acrescenta outras três coincidências: 2018 marca o centenário do nascimento do bispo missionário D. António Barroso, que esteve em África e foi bispo de São Tomé de Meliapor, antes de ser bispo do Porto; a Conferência Episcopal Portuguesa sugeriu a celebração de um “ano missionário” entre Outubro deste ano e Outubro de 2019, que será o “mês missionário extraordinário” proclamado pelo Papa Francisco. 
Nos cartazes, títulos com substantivos e verbos, uma marca de pés e cores simbolizando cada um dos continentes aludem ao fundamento e tessitura da missão e à “missão em saída”, explica o padre António Leite, um dos responsáveis pela preparação da mostra. Trata-se de “apostar na imagem”, que para isso foi entregue a profissionais – a arquitecta Ana Kudelska e à designer Ana Rocha Catarino –, como forma de falar das propostas e atitudes dos missionários católicos: comunhão, escuta, disponibilidade, confiar, sair... “Comunicar significa partilhar; e a partilha exige a escuta, o acolhimento”, diz uma das frases, citando o Papa Francisco, a propósito da escuta. No final, um jogo pretende colocar os mais novos a percorrer a “aventura de correr os caminhos do mundo e da missão”. 


Mamã africana (Moçambique); taça para beber mate (Argentina); e cruz processional etíope


As peças são provenientes do património ou de pequenos museus de congregações religiosas. E podem ser mais explicitamente de inspiração cristã – como os crucifixos artesanais –, falar de outras matrizes religiosas ou traduzir culturas diversas. “O missionário tem de fazer esforço para se inculturar”, diz o presidente do IMAG. 

“Está aqui para converter?”

O padre Adelino Ascenso sabe bem do que fala. Membro da Sociedade Missionária da Boa Nova, esteve doze anos no Japão (duas vezes, seis anos de cada vez). “Fui procurando escutar e aprender, a finalidade era caminhar com as pessoas, estando com elas.” 
Uma vez, num debate inter-religioso, um monge budista questionou-o: “Como padre católico, está aqui para converter?” Adelino Ascenso respondeu que não. “Disse que, se ele se tornasse melhor budista e eu melhor cristão, isso seria uma forma de cumprir o diálogo. E que, se alguém se quisesse converter, logo veríamos, pois não fazíamos proselitismo.”
O monge ainda insistiu, perguntando ao padre Ascenso o que pensava da religião japonesa. Muitos especialistas escreveram que há uma religião própria do Japão, outros que os japoneses são a-religiosos. “Têm uma religião, mas não a entendem como nós. A palavra para dizer religião foi traduzida no século XIX e é sempre conotada com a religião europeia.”


Kannon, representação feminina do Buda da compaixão (Japão); 
calendário azteca eterno (México); e moinho de orações do budismo tibetano (Tibete)


Adelino Ascenso explica a “tripla insensibilidade” religiosa japonesa: “Não são monoteístas, não têm a noção de um Deus que nos transcende e não têm a noção de pecado como o corte com o Deus transcendente.” Para eles, as divindades caminham e vivem com as pessoas e a morte é um “sono profundo”. São um povo “espiritual, sim”, segundo o conceito ocidental, mas não “espiritualista”, como se revela, por exemplo, nas cerimónias do taoísmo.

Não por acaso, enquanto esteve no Japão, Adelino Ascenso fez a sua tese de doutoramento sobre o escritor Shūsaku Endō, autor de Silêncio, o livro que deu origem ao filme com o mesmo título, do realizador Martin Scorsese. Católico, Endōescreveu também umaVida de Jesus, para falar aos seus conterrâneos da figura de Jesus, com uma linguagem que eles entendessem. (Silêncio – Shūsaku Endō e a Inculturação da Fé no Japão, de Adelino Ascenso, onde se resumem alguns dos aspectos da tese, está publicado pela Letras e Coisas; vários livros de Endō estão disponíveis em português.)

Para evidenciar que é possível o cristianismo inculturar-se na cultura japonesa, o padre Ascenso lembra o caso do samurai Takayama Ukon: senhor feudal e militar, Ukon estaria, à partida, “muito longe do que são os valores cristãos”. Mas, pressionado a apostatar (a mesma história dos cristãos do Silêncio), Takayama Ukon decidiu “não trair o seu senhor” como é suposto um samurai fazer – só que, para este homem, o seu senhor já era Cristo. Foi beatificado em Fevereiro de 2017. 
A peça do samurai japonês, uma das trinta que se pode ver na exposição, seria precisamente a escolhida por Adelino Ascenso: 


Há já outras localidades previstas para o itinerário da mostra: Porto, Paredes, São João da Madeira, Bragança, Aveiro, Lamego e Guarda. Entre Julho a Setembro, a exposição deverá estar em Fátima, passando depois a Lisboa, onde encerrará a sua digressão, coincidindo com o final do Ano Missionário e o Dia Mundial das Missões de 2019. 

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