domingo, 10 de maio de 2009

Maria, a católica que jejuou no Ramadão, e Hosam, o muçulmano que vai a Nazaré ver o Papa

São possíveis trocas assim? Maria Gorgora, de 15 anos, é católica mas já tentou jejuar durante o mês islâmico de Ramadão. "Foi difícil. Tentei fazer jejum. É tão duro..." Hosam Yasin, de 14 anos, é muçulmano, mas irá quinta-feira a Nazaré, na Galileia (Norte de Israel), para ver o Papa Bento XVI.
Maria e Hosam são alunos da Mar Elias (Mar significa santo), em Ibillin, uma pequena aldeia árabe a uns 20 quilómetros de Haifa, no Norte de Israel. O vice-director da escola, Elias Abu-Ghanima, de 42 anos, olha embevecido para o que os alunos dizem e afirma: "Pessoas como eles dão-me esperança num futuro melhor. E eles não são terroristas".
O olhar de Abu-Ghanima mudará pouco depois quando mostra o único átrio de recreio dos alunos. Um descampado alcatroado e irregular, apenas com a sombra de três ou quatro pequenas árvores nos cantos. "Queríamos cobrir o átrio, mas não temos dinheiro. Porque é que eles não podem ter o mesmo que os outros? Eles vão a escolas judaicas, vêem as condições que ali há e perguntam porque não podem ter igual. E nós queremos dar-lhes o melhor."

Quando se chega a Ibillin, percebe-se uma aldeia espalhada por várias colinas. Para alcançar a escola, temos que descer e voltar a subir. Ladeiras íngremes. São sete os edifícios que compõem a escola - mais a Igreja das Bem-Aventuranças, construída nos últimos anos. Há miúdos a correr, outros à conversa, outros a rir ou a jogar, o ambiente de uma escola - que mais poderia ser? Os alunos vestem uma t-shirt azul, com o emblema da Mar Eias. "Ela unifica. Temos estudantes ricos e pobres, assim somos todos iguais", explica Abu-Ghanima.
O projecto cresceu a partir da iniciativa de Elias Chacour (na foto), que hoje é o arcebispo católico melquita de Israel. Mas era um jovem padre quando, em 1965, começou a aven-tura da escola de Ibillin com um pequeno grupo de 20 crianças. "Foi um projecto vital", diz o bispo ao PÚBLICO. Os miúdos não tinham acesso às escolas israelitas por falta de dinheiro para transporte ou livros.


Chacour quis dar-lhes um futuro. Hoje, a escola inclui 4500 alunos, até ao nível universitário. Desde há oito anos, os estudos superiores são uma extensão da universidade norte-americana de Indianapolis. O pedido para a criação formal da universidade em Ibillin - a primeira árabe em Israel - esperou cinco anos por autorização do Governo israelita, que chegou há mês e meio. O bispo Chacour diz que precisa de um milhão de dólares para pôr o primeiro ano da universidade a funcionar. "Se tivermos o dinheiro, daqui a quatro ou cinco anos teremos mais de quatro mil estudantes."
Para já, os alunos contentam-se com os projectos pessoais. Hosam Yasin, corpo franzino e olhar intenso, responde prontamente que quer ser "arquitecto, como o pai". O que o fascina na profissão é "poder ir de um país a outro e ver a arquitectura" de cada povo. "A mais interessante é a arquitectura islâmica. Gosto muito de uma mesquita no Egipto, é uma peça de arte muito gira, com muitas cores, corta-nos a respiração. Um dia gostava de construir uma mesquita assim", diz.

Yara Haidar, de 14 anos, olhos doces e voz tímida, quer trabalhar em ciência de computadores e usa uma "chave da vida" ao pescoço. Parece uma cruz, mas é arredondada em cima e simboliza a esperança, explica. Quem não souber, julga que é mesmo o símbolo cristão. Yara está atenta à visita do Papa: "Tenho que conhecer mais sobre as outras pessoas e não apenas sobre a minha cultura." Como se sente numa escola católica? "Somos todos seres humanos, aqui não há discriminação."
Adonis Azam, de 14 anos bem crescidos, é cristão e hesita entre computadores, como Yara, futebol ou guitarra. Irá a Nazaré com amigos muçulmanos. "Eles dizem que o Papa é uma personalidade importante, querem conhecê-lo."Maria Gorgora quer ser pediatra e promete tratar todas as crianças por igual. "O importante é que somos todos irmãos e irmãs", diz.

(Reportagem publicada no Público de 9 de Maio)

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