No seu texto de hoje no Público, frei Bento Domingues fala do Catecismo da Igreja Católica. Excertos:
1.Foi publicada, em 1997, a edição típica latina do Catecismo da Igreja Católica (...). Perante o resultado, o Papa Wojtyla manifestou o seu agrado porque "a Igreja dispõe agora desta nova exposição, de grande autoridade, da sua única e perene fé apostólica, que servirá de instrumento válido e legítimo ao serviço da comunhão eclesial e de norma segura para o ensino da fé, bem como de um texto seguro e autêntico para a elaboração dos catecismos locais". Em qualquer domínio, todos gostariam de dispor de um livro de recurso com garantia ilimitada. Só os grandes clássicos gozam, em parte, de uma perenidade não programada. É a sua qualidade que os torna inesgotáveis. Um catecismo, por natureza, nunca será uma obra definitiva, mesmo que pretenda ser eterna. Será sempre um inventário provisório e inadequado daquilo que se deve crer, esperar e fazer. No reino da alegria de Deus, nossa alegria, ninguém precisará de catequese!
2.Quando este surgiu, foi recebido, como é normal, de modo contrastado. Para uns, o dito Catecismo não abria para uma inteligência nova da essência do cristianismo nem para a forma que esta deveria assumir no catolicismo pós-Vaticano II. Não era um instrumento que perspectivasse a intervenção dos católicos na sociedade, na relação com as outras igrejas cristãs e outras religiões. O mundo não parou com a clausura do concílio, em 1965.Dir-se-á que, apesar disso, a riqueza dos seus documentos é tal que vai ser preciso muito tempo para ser assimilada, mas essa assimilação só pode ser feita em movimento. O Catecismo, para ser útil, devia ser o instrumento, periodicamente renovado, para que, atento aos novos sinais dos tempos, pudesse fazer sínteses provisórias da inteligência das mudanças. O "depósito da fé" é a entrega inovadora ao movimento do Espírito de Cristo, a não confundir com o que há de residual na história do cristianismo. A fidelidade não é a repetição do mesmo, mas a evolução e a inovação dos começos em permanente actualização e que não pode deixar de contar com os desafios de cada época. O Espírito de Cristo actua na história humana e não apenas na história das comunidades cristãs. Na interpretação medieval, tudo o que é justo, bom e verdadeiro, é fruto do Espírito Santo, venha de onde vier. Se, para uns, o Catecismo não obedecia às exigências de mudança, para os conservadores e, sobretudo, para os lefebvristas, consolidava as "erróneas" inovações do Vaticano II.
3.Um conjunto de experiências, nos últimos anos, tem-me mostrado que o Catecismo - com todas as adaptações locais permitidas - pode ser um bom arquivo das convicções oficiais, mas sem capacidade para influenciar e orientar os católicos no mundo plural de projectos e valores, a nível social, político e religioso. A Igreja católica, em Portugal, continua a ser uma das instituições mais prestigiadas, mas o número dos católicos não praticantes não cessa de aumentar. Porquê? Porque as referências doutrinais e as normas morais da Igreja não dão para viver. Com o tempo, até os ritos de passagem - baptismo, casamento e funeral - serão para uma minoria. Para quem vive desligado das paróquias e dos movimentos, esses ritos serão, cada vez mais, apenas uma memória residual, não a marcação do ritmo da vida. Os símbolos e os ritos deixarão de dar que pensar, deixarão de provocar a vida dos mais velhos e dos mais novos. Serão metáforas mortas.
(...) Para já, importa que a Igreja institucional consinta na conversão evangélica que faria dela a Casa Grande de todos os que procuram um sentido e uma alma para a vida: "Na casa de meu Pai há muitas moradas"; "vinde a mim todos os que andais cansados e oprimidos, pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" e "ai dos que impõem fardos insuportáveis!". Em vez de catecismos, são indispensáveis roteiros culturais e espirituais para caminhar com esperança no seio da família, na escola, na profissão, na política, no lazer e para formar comunidades de vida. No cristianismo, o divino e o humano só podem andar juntos.A busca de orientação e de sentido é tão antiga como a vida humana. Dela nasceram religiões e filosofias. A razão, porém, não é tudo nem a única instância. Também acreditamos em Deus por motivos afectivos, estéticos, vivenciais.
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