Manuel Vilas Boas escreve hoje no DN e JN sobre o dia de ontem do Papa em Jerusalém:
Estarreci diante da figura de Bento XVI defronte do muro de todos os segredos. Também ele ali deixou, numa das frestas do ícone judaico, os seus desejos de paz para Jerusalém, os mesmos, afinal, do rei David e do profeta Jeremias.
Nem as palavras duras que ouviu na Esplanada das Mesquitas, ditas pelo grande mufti de Jerusalém, a repetir, ainda que modo cortês, as invectivas contra os crimes do Estado de Israel, proferidas na segunda-feira pelo repetente juiz do tribunal muçulmano no assalto a microfones de encontros inter-religiosas, nem estas contendas a merecerem explicações do porta-voz do Vaticano e do embaixador de Israel na Santa Sé, perturbaram a figura vestida de branco a carregar com serenidade triste um dos mais esperados momentos desta visita.
Depois da passagem pelos lugares do islão e do judaísmo, o Papa subiu ao pequeno Cenáculo, onde o Nazareno tomou a última ceia com os discípulos. O edifício foi envolvido por um convento de franciscanos, construído no século XIV. Eles ainda ali estão, de hábito castanho, a projectar o sonho de Assis. Bento XVI deixou-lhes palavras de estímulo para que continuem a ser construtores da concórdia.
Numa liturgia eucarística aberta no Monte das Oliveiras, memória da traição e do sofrimento temido por quem se chamava filho de Deus, o Papa evocou a vocação universal de Jerusalém “como um facto indiscutível que judeus, cristãos e muçulmanos consideram pátria espiritual”. Lugar – disse o Papa – que ensina a universalidade, o respeito pelos outros, a compreensão mútua, é tantaz vezes no interior dos seus muros expressão de violência, estreiteza de espírito, opressão e vingança. Sem nunca o ter feito de modo tão explícito e dirigindo-se às autoridades civis de Israel, Bento XVI disse que na Terra Santa há lugar para todos, inclusive para os cristãos. É a defesa do pai pelos filhos que perdem a eira e a beira...
A antecipar a problemática estada do Papa em Belém, desloquei-me ao campo de refugiados de Aida, agredidos pelo muro de cimento armado a mexer-lhes nas entranhas. Que lhes vai dizer o chefe da Igreja Católica que, em Telavive, à chegada, disse que a Palestina não merece essas formas de divisão não homologadas pela comunidade internacional?
Estas serão as brasas mais acesas na rota do Papa alemão na terra que, segundo a tradição, viu nascer o Filho de Deus.
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