sábado, 25 de julho de 2015

Aqui, uma Igreja outra

Crónicas

No comentário aos textos bíblicos da liturgia católica deste domingo, Vítor Gonçalves fala de uma viagem pelos lugares por onde andou Jesus; na Voz da Verdade, sob o título Aqui, escreve:

Na multiplicação dos pães e dos peixes, Jesus indica-nos como não ficar na simples contemplação de um milagre do passado. Primeiro que tudo, a atenção à realidade: o aqui e agora das pessoas, o espaço e o tempo em que estão (...), as necessidades mais urgentes (a fome, pois “não adianta pregar a estômagos vazios”!). Em seguida, a interpelação aos discípulos para participarem na resolução do problema: (...) Depois, recolher o que existe: (...) De facto, o grande impedimento a que os milagres aconteçam é sempre o mesmo: o egoísmo humano, misturado com a ganância e a sede de poder e domínio! Num quarto momento deste processo de transformação, Jesus compromete os discípulos na distribuição dos dons, a todos (...). Por fim, nada pode ser desperdiçado: o que sobra pode ser útil a outros, noutras necessidades, e saciar muitas outras fomes! Parece simples e ao alcance de todos, não é? Então porque o fazemos tão pouco?


Na crónica de hoje, sábado, no DN, Anselmo Borges regressa à viagem do Papa à América do Sul. Sob o título Francisco: uma Igreja outra, diz:

Pede-se compreensão para a integração plena na vida da Igreja, incluindo a comunhão sacramental, dos recasados e dos homossexuais.
Impõe-se repensar a lei do celibato obrigatório. Aqui, pergunto eu: pode a Igreja impor como lei o que Jesus entregou à liberdade? O celibato enquanto lei não será contra a natureza humana? Já se pensou suficientemente na miséria humana, afectiva e moral, a que esta lei pode levar? Não poderá Francisco permitir a ordenação de homens casados "provados" e reintegrar padres que tiveram de abandonar o exercício do sacerdócio para se casar?
Os leigos têm de ver reconhecidos os seus direitos na Igreja. Aqui, também sou eu que digo: ao nível institucional, a Igreja tem pela frente duas tarefas urgentes: a da democracia e a do reconhecimento da igualdade das mulheres.


No CM de sexta-feira, Fernando Calado Rodrigues parte também da recente viagem do Papa. Sob o título A Igreja e o ter, escreve:

O que o Papa tem criticado é o sistema económico em que “o capital se torna um ídolo” e em que “a avidez do dinheiro domina todo o sistema socioecónomico”, como disse na Bolívia. Tem apelado a dizer não “a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir”. Mas daí não se pode concluir que defenda um sistema, que, como a história demonstrou, para além de não garantir o acesso à propriedade privada, acaba por aniquilar as liberdades individuais.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

A carta inesperada – Um ecologista lê a Laudato Si’



Jorge Leandro Rosa, ensaísta e tradutor, membro da direcção da associação ecologista Campo Aberto, publicou um texto sobre a encíclica Laudato Si’ que merece ser lido. A encíclica do Papa Francisco foi objecto de um texto publicado aqui, no qual se remete para vários comentários relevantes surgidos nos primeiros dias após a sua publicação. Infelizmente, em Portugal, a maior parte das opiniões que têm aparecido tem-se limitado aos elogios do texto, sem dele retirar grandes consequências – quando uma das virtualidades da encíclica é justamente a de apontar caminhos e consequências das escolhas que se fazem.
É precisamente pela relevância do texto deste responsável da Campo Aberto (associação ecologista sediada no Porto, dedicada às questões globais e aos problemas ambientais da cidade e da região) que o texto é aqui referido. Com o título A carta inesperada – Um ecologista lê a Laudato Si’, o artigo começa por falar da encíclica como uma carta portadora de notícias surpreendentes e dirigida a todos os seres humanos. Aborda depois a questão do chamado “crescimento verde”, sublinha a crítica do Papa à “actual tendência para naturalizar o capitalismo” e fala das dívidas ecológica e para com os pobres. Quase a concluir, aborda ainda a questão teológica do significado do domínio sobre a terra. E diz, a concluir: “teremos, finalmente, uma igreja profética, que se reconhece, não só filha de Deus, mas também filha da terra que a sustenta? Teremos finalmente um apelo decisivo para que a comunidade humana seja compatível com todas as formas de vida? Parece que há uma resposta que vai nesse sentido quando lemos que «a conversão ecológica, que se requer para criar um dinamismo de mudança duradoura, é também uma conversão comunitária» (§219). Aguardam-se os próximos sinais.”
O texto pode ser lido na íntegra aqui.


Nota: o texto anterior do blogue, Irmão Roger e Taizé: com quase nada, foi actualizado e acrescentado, no final, com três novas ligações.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Irmão Roger e Taizé: com quase nada




Oração na Igreja da Reconciliação em Taizé; 
foto de Sabine Leutenegger, reproduzida daqui)

No site do Departamento Nacional de Pastoral Juvenil publiquei um texto sobre a figura do irmão Roger, fundador da comunidade de Taizé. Com o título Irmão Roger: com quase nada, o texto começa assim:

De quase nada, o irmão Roger criou uma aventura que prossegue ainda e que, ao longo de 75 anos – que se assinalam no próximo dia 20 de Agosto – tem tocado gerações e gerações de pessoas.
O próprio irmão Roger, de Taizé, escrevia: “Com quase nada, antes de tudo pelo dom da nossa vida, Cristo, o Ressuscitado, espera que em nós se tornem perceptíveis o fogo e o Espírito.”
Esse quase nada esteve presente logo no início de Taizé: apenas saídos da II Guerra Mundial, as necessidades eram imensas. E os necessitados ainda mais. O próprio irmão Roger fazia sopa, com poucas coisas, para os prisioneiros de guerra a quem os irmãos da comunidade ajudaram. “Ele tinha o sentido da vida rural, da festa, das crianças...  isso permite a vida criativa de uma comunidade onde cada um dá a sua pedra para o edifício criativo e tudo isso forma um todo”, dizia-me, no Verão de 2014, numa entrevista, o irmão Daniel, um dos primeiros três que se juntou a Roger Schutz para criar a comunidade.
(o texto pode continuar a ser lido aqui)


Nas próximas semanas, várias iniciativas assinalam as datas redondas que este ano se comemoram: entre 9 e 16 de Agosto, o Encontro por uma nova solidariedade será o ponto culminante das celebrações deste ano – que marcam os 75 anos da chegada do irmão Roger a Taizé, dos 100 anos do seu nascimento e dos 10 anos da sua morte. Essa semana será também o auge de três anos dedicados à procura de uma “nova solidariedade”.

Duas semanas mais tarde, entre 30 de Agosto e 6 de Setembro, um colóquio internacional procurará responder à pergunta sobre se o irmão Roger tinha uma teologia. “Ele não participou em debates de teologia universitária. Mas teve sempre amigos teólogos. E desenvolveu um pensamento original, perceptível tanto nos seus escritos como na vida da Comunidade e nos encontros de jovens”, explica-se no site de Taizé, na apresentação desta iniciativa, que conta com teólogos protestantes, ortodoxos e católicos de vários países e com menos de 40 anos. 
O programa e mais informações podem ser lidos aqui.

Mais para o final do ano, será a vez de Valência, na costa mediterrânica da Península Ibérica, acolher os jovens que irão participar no encontro europeu dinamizado pela comunidade. O cardeal Antonio Cañizares, actual bispo da diocese, afirmou a propósito o anúncio: “Será um encontro de Igreja, um encontro de unidade e de oração pela unidade de todos os cristãos e será, também, um encontro que pressupõe uma revolução dentro da nossa Igreja valenciana, para vivermos de perto o que, a partir de Taizé, nos chega a todos. (...) Somos uma Igreja que crê em Jesus Cristo, uma Igreja unida, uma Igreja que cumpre o desejo do Senhor de que todos sejamos um para que o mundo creia, porque é em crer que está realmente a esperança.”
Mais informações sobre o encontro de Valência aqui.

Este ano houve uma outra novidade em Taizé: a Deutsche Grammophon editou um disco com cantos de Taizé, que mostram a história e a espiritualidade presentes naqueles cantos; sobre esse disco, escrevi na edição de Maio da Além-Mar um texto onde falo sobre o sentido da obra: 
Não é nenhum “best of” de Taizé. Antes, através dos cantos escolhidos, podemos cantar a história musical de Taizé (com peças de Jacques Berthier e Joseph Gelineau, os dois compositores da primeira fase dos “cantos de Taizé”, e algumas mais recentes, compostas já por vários irmãos da comunidade). Mas cantamos também o sentido do que ali se reza.
(texto aqui na íntegra; mais informações sobre o disco podem ser encontradas aqui)


No site do Departamento Nacional da Pastoral Juvenil, foram publicados nos últimos dias outros textos sobre Taizé e o irmão Roger, que merecem ser lidos: os seus autores são o padre Tony NevesJaime Bacharel e o irmão David, de Taizé, o único português que integra a comunidade de monges.


terça-feira, 21 de julho de 2015

Karen Armstrong em entrevista: “Não há nada no islão que seja mais violento do que no cristianismo”


Karen Armstrong, autora de Uma História de Deus
ed. port. Círculo de Leitores (foto reproduzida daqui)

O final do mês islâmico sagrado do Ramadão coincidiu mais uma vez de forma trágica, no último fim-de-semana, com um novo atentado terrorista, em Bagdad (Iraque), que provocou quase 100 mortos.
Numa entrevista dada, em Fevereiro, a Lizette Thooft e publicada no site do Khutbah Bank após os atentados de Paris contra o Charlie Hebdo, Karen Armstrong comentava o seu mais recente livro com o título Fields of Blood. Religion and the History of Violence (Campos de Sangue. Religião e História da Violência). E afirmava: “O terrorismo não tem nada a ver com Muhammad [Maomé], tal como as Cruzadas não tinham nada a ver com Jesus. Não há nada no islão que seja mais violento do que no cristianismo.”
Fica aqui a versão portuguesa da entrevista, na tradução de M. Yiossuf Adamgy, director da revista de estudos islâmicos Al Furqán.


Os ataques terroristas em Paris originaram o seu novo livro Campos de Sangue. Religião e História da Violência repentina e tragicamente muito urgente. Em mais de quinhentas páginas, Karen Armstrong, que já foi freira e é autora de best-sellers respeitados como Uma História de Deus e O Processo de Deus, responde à questão de saber se a religião é a principal causa da violência. Uma conversa sobre o Islão e os terroristas, a responsabilidade ocidental e o mundo em que vivemos.

Não é um livro alegre, o mais recente de Karen Armstrong: o sangue flui livremente sobre as páginas, metaforicamente falando. Em detalhe, ela descreve a violência que tem sido sempre indissoluvelmente associada com o desenvolvimento de Estados-nações e culturas. Mas é um livro necessário, uma espécie de verificação da realidade. Pois é tempo de perceber o quanto cada civilização tem as suas raízes na submissão e exploração, incluindo a nossa. Importante altura de ouvir essa voz.
Karen Armstrong entra no hall do hotel, com um ritmo firme – uma mulher pequena e elegante, com uma madeixa loira de cabelo que continua caindo na frente de seus olhos. E um riso pronto, apesar do assunto sombrio. Vamos começar com a pergunta de um milhão de dólares.

Pergunta – Existe alguma diferença entre Jesus [Issa a.s.] e Maomé [Muhammad s.a.w.] em termos de violência ou, em outras palavras, como explica que a maior parte do terrorismo agora seja inspirado no Islão?
KAREN ARMSTRONG – O terrorismo não tem nada a ver com Muhammad, tal como as Cruzadas não tinham nada a ver com Jesus. Não há nada no Islão que seja mais violento do que no Cristianismo. Todas as religiões têm sido violentas, incluindo o Cristianismo. Não havia nada no mundo muçulmano como o antissemitismo, que é uma importação do período moderno. Eles tomaram de nós. Os missionários trouxeram-no. E então veio o estado de Israel. O judaísmo tornou-se violento no mundo moderno, graças ao Estado-nação.

P. – Mas, então, qual é a causa do terrorismo muçulmano? No seu livro escreve que os muçulmanos foram introduzidos na modernidade de uma forma mais abrupta...