segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

A terceira Igreja, o Papa e as mulheres

Crónicas

Nas duas últimas sextas-feiras, Fernando Calado Rodrigues escreveu, primeiro, sobre as mulheres na Igreja Católica:

Pensemos por exemplo no Colégio de Consultores, que todas as dioceses são obrigadas a ter e que o bispo é obrigado a consultar em determinadas decisões e, nas mais importantes, a obter o seu consentimento. Teremos no futuro nessa e noutras estruturas, agora clericais, a inclusão de leigos e o contributo da perspetiva feminina?
Corresponder ao desafio do Papa implicará necessariamente uma conversão profunda das mentalidades. E, sobretudo, uma mudança na forma atual de governar a Igreja.

(texto completo aquina data de 9 de Dezembro)

e, depois, sobre “Um Papa global”:

Apesar de já ter dito que não se sente confortável nos palcos mediáticos, tem demonstrado uma facilidade de comunicação e um à vontade extraordinário. Contudo, essa eficácia não se deve tanto a uma estratégia delineada, nem é fruto de qualquer “media training” para a presença pública, a que se submetem tantos líderes mundiais: a sua eficácia comunicativa advém da sua autenticidade e coerência. Diz o que pensa e age em conformidade. Um grande exemplo, a ser seguido por outras lideranças eclesiásticas e até políticas.

No domingo, no Público, frei Bento Domingues escreveu sobre “O advento da terceira Igreja”. Aqui fica a crónica:

1. Nasci numa época em que muito do clero português cultivava mais o medo do pecado do que o amor da virtude. A sua pregação – sobretudo a dos padres da vinagreira – estava centrada na ameaça do inferno e a confissão oscilava entre um precário alívio, a tortura e o escrúpulo.
As insólitas atitudes do Papa Francisco, a forma e o fundo da sua Exortação Apostólica recusam fazer da fé cristã uma tristeza. Estão a irritar não só a alta finança, mas também os movimentos que tentam recuperar esse tipo de práticas religiosas – contra o Vaticano II –, com o auxílio de eclesiásticos vestidos e calçados a preceito.
Estamos no Domingo da Alegria, como se todos os Domingos não fossem para celebrar a Páscoa, a vitória sobre a morte. Não foi por acaso que o Papa sentiu necessidade de recordar o que esquecemos e está escrito para sempre, em S. João: isto vos escrevemos para que a vossa alegria seja completa (1) – Evangelii Gaudium.

Estamos a precisar de uma Igreja que seja uma alegria para o mundo actual. O padre Bill Grimm sustenta que está a chegar a 3ª Igreja (2). Para ele, a primeira foi o movimento das discípulas e discípulos de Jesus Cristo, das gerações que se seguiram e das incursões missionárias, fora do universo judaico. Estava centrada, essencialmente, no Mediterrâneo. Foi ela que nos legou o Novo Testamento, os elementos fundamentais do culto cristão e os primeiros exemplos de diálogo com as religiões, as culturas e as filosofias desse mundo. A segunda centrou-se na Europa. Foi a Igreja da cristandade, pouco ou nada tolerante para o que lhe era exterior. O outro era o inimigo ou o objecto de proselitismo. Aí vivemos, mas estamos a caminho de uma 3ª Igreja, sem centro geográfico e sem fronteiras de raças, nações e culturas, mundial.

2. As estatísticas estão a contar a história. Em 1910, 80% dos cristãos do mundo viviam na Europa e na América do Norte. Hoje, um século mais tarde, a maioria vive na África, na Ásia e na América Latina. Em apenas cinco anos, entre 2004 e 2009, o número de católicos na Ásia aumentou 11%.
Os cristãos ocidentais quase não se aperceberam de como o seu cristianismo foi moldado por tradições religiosas e culturas anteriores à pregação do Evangelho na Europa. Hoje, são as Igrejas de África, Ásia, América Latina e Pacífico que estão a ser moldadas por religiões e culturas que os mensageiros do Evangelho aí encontraram. Isso significa que as ideias de Deus, de adoração, de santidade, de ministério e comunidade – de tudo o que faz a Igreja – estão, de forma gradual, a tornar-se diferentes do que tem sido “normal” durante mais de um milénio e meio.
O Advento da 3ª Igreja processa-se, no meio de crenças ou descrenças variadas, com pouco ou sem poder político, social e cultural. Este movimento está a levar a novos estilos de liturgia, de teologia, de comunidade, de evangelização.
Como os cristãos da 3ª Igreja, em especial na Ásia, são muitas vezes uma minoria impotente e perseguida, tendem a ver o papel da Igreja e as suas formas institucionais a partir de uma perspectiva diferente do Ocidente, onde a Igreja só há pouco começou a perder o poder político, moral e intelectual.

3. Perante este fenómeno, são diversas as reacções das pessoas nas Igrejas do Ocidente. Umas alegram-se por ver o Espírito Santo trabalhar em novas formas, em novos lugares. Outras, com medo do desconhecido, recusam-se a aceitar novas experiências, como se o Ocidente fosse feito só de bons exemplos a imitar. Grande parte da história católica, desde o Vaticano II, pode ser interpretada como uma série de tentativas para perpetuar o que B. Grimm chamou a 2ª Igreja e evitar as mudanças que se anunciam com o Advento de uma nova Igreja. Goste-se ou não, está a nascer outra realidade. Vai levar tempo, mas por fim o cristianismo será diferente em todo o mundo.
A tentação conservadora consiste em tornar definitivo o provisório: foi sempre assim e assim há-de continuar. Como seria bom mudar se tudo ficasse na mesma.

No entanto, os começos do cristianismo anunciavam uma subversão sem limites culturais, religiosos, geográficos, sociais e históricos. Paulo fez a declaração fundadora: Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus (Ga.3, 28). Isto está atrasado. Houve muitos ziguezagues. Temos a alegria de que a Igreja, na qual o Papa Francisco está a trabalhar, tem futuro, se não o deixarmos sozinho.

1) Jo 15, 11; 16, 22-24; 1Jo 1, 1-4; 2Jo 12
2) Cf. revista Além-Mar 12.2013, pg 11

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