O filósofo e teólogo Jean-Yves Calvez faleceu ontem de manhã. Tinha 82 anos. Em 2005, António Marujo entrevistou-o para o Público:
O Capitalismo tem como grande defeito matar a criatividade
Esteve com frequência no Brasil, onde aprendeu Português. Com 77 anos, o padre jesuíta francês Jean-Yves Calvez tem uma vasta obra no campo da filosofia política e da doutrina social católica. Esteve esta semana em Lisboa, onde participou nas jornadas sobre o emprego, promovidas pela Fundação Ajuda à Igreja Que Sofre.
"Tocado" pelo entusiasmo da mudança de milénio, diz que, com o 11 de Setembro, "o mundo mudou". "Talvez não por razões reais, mas pela interpretação dada por Bush, criou-se uma atmosfera de receio, de inquietude", afirma, recordando que estava em Washington a 11 de Setembro. "A 'guerra ao terrorismo' é uma guerra a fantasmas. É um pouco assustadora."
PÚBLICO - Propõe, como alternativa ao abono universal e à redução do tempo de trabalho, a busca de novas formas de trabalho, de serviço "pessoa a pessoa". Quer explicar?
JEAN-YVES CALVEZ - As necessidades deslocam-se na direcção de serviços mais pessoais, de todo o género: cultural, médico, etc. [Esta verificação] será mesmo a resposta a quem diz que já não há trabalho - uma hipótese insensata, pois seria dizer que não há mais rendimentos de trabalho e que não haveria pessoas para ir comprar nos supermercados, uma impossibilidade.
Todos os processos puramente materiais são fáceis de automatizar, quando há meios mecânicos ou informáticos. Como dispomos cada vez mais desses meios, é evidente que o vamos fazer. Devemos esperar que muitas coisas passem a estar automatizadas. E não creio que haja marcha-atrás, nunca se regressa, neste tipo de coisas, ao que existia.
P. - O que alguns lamentam...
R. - Haverá gente que dirá: que pena que já não seja como era... Não o lamento de todo. Cada vez mais, à medida que as necessidades materiais forem sendo satisfeitas, as pessoas têm outras necessidades e são capazes de as manifestar.
No início, terão a impressão de que não há respostas. É o que dizem alguns velhos com necessidades reais de serviços que não encontram ou estão mal organizados... Isso quer dizer que é preciso organizar esses serviços, que as pessoas se encontrem para isso, que queiram trabalhar criando organizações, cooperativas, empresas.
P. - Isso só depende dos indivíduos?
R. - Há alguma iniciativa privada, mas será necessário haver também iniciativa pública, porque muitas destas questões dependem de decisões do poder político.
P. - Por exemplo?
R. - Ao nível da educação: preparar as pessoas para estas novas tarefas supõe que a educação pública compreenda isso, [o que acontecerá] apenas quando as autoridades o forcem.
P. - Significa que acredita numa sociedade de pleno emprego?
R. - Sim. O tempo de trabalho - que já diminuiu muito desde há um século - continuará a reduzir-se. Mas o facto de diminuir não quer dizer que não haja trabalho para toda a gente.
P. - É preciso partilhá-lo?
R. - Claro. Se o trabalho for correctamente remunerado, as pessoas não terão muito interesse em trabalhar 60 horas por semana. Simplesmente, há situações em que, por má organização, as pessoas trabalham demasiado tempo.
P. - Esse é um caminho possível?...
R. - Creio que sim. A população actual não tem o desejo de trabalhar muito tempo e, se não conseguirmos encontrar um sistema que partilhe suficientemente o trabalho, não se adaptará. A condição é que as pessoas sejam formadas nesse sentido.
P. - Foi um dos primeiros teólogos a debruçar-se sobre Karl Marx. O pensamento de Marx ainda é actual?
R. - É actual de muitas maneiras. Não se poderia compreender nada do século XIX e XX sem conhecer o pensamento de Karl Marx. É verdade que a ideia messiânica em Marx foi muito abandonada - com razão. Mas há uma grande diferença entre a sua visão messiânica da história, muito débil, e as análises [que Marx faz] da economia e a crítica do capitalismo, [que] permanecem fundamentalmente válidas. A situação a que se referenciava Marx é bem diferente da de hoje, mas as grandes linhas dessa crítica são fundadas ainda hoje.
P. - Foi nessa perspectiva crítica que escreveu o seu último livro, "Mudar o Capitalismo"?
R. - Sim, mesmo se não me ocupo muito de Marx, mas da realidade contemporânea. É possível encontrar meios de tornar o capitalismo mais igual, menos divisor da sociedade. É evidente que há uma preocupação semelhante à de Marx, na sua época, mas há uma grande diferença: Marx tinha a impressão de que o capitalismo era de todo incapaz de fazer sair as pessoas da miséria. Eu penso que, hoje, ele é capaz.
O capitalismo actual tem como grande defeito matar a iniciativa, a criatividade, de engendrar a passividade, porque tudo está determinado a partir do capital, da finança. E as pessoas - incluindo os chefes das empresas - são esmagadas por este poder demasiado anónimo. Esse é o grande defeito.
Há Resistências Políticas à Mensagem Social da Igreja
A mensagem social católica chega às pessoas, mas há resistências a ela, também ao nível político, afirma o padre Calvez. E o que o Papa diz no campo da moral individual não é muito seguido...
PÚBLICO - Tem um livro intitulado "Os Silêncios da Doutrina Social Católica"...
JEAN-YVES CALVEZ - Sim, silêncio é uma palavra muito forte. Não são silêncios voluntários...
P. - Nele diz que a Igreja deveria fazer propostas concretas sobre o emprego, por exemplo. Não há o risco de confundir essas propostas com as dos partidos políticos?
R. - Não creio. Se as coisas forem apresentadas de modo discreto, sem vontade de impor, mas de sugerir e encorajar as pessoas a procurar, penso que isso não trará dificuldades... Sei que cada vez que fazemos proposições em público, confrontamo-nos sempre com os partidos - e porque não?
P. - O Papa, a Igreja, falam do perdão da dívida externa, condenam a corrida aos armamentos, defendem a reforma agrária. Mas este discurso não chega às pessoas. Há um problema de transmissão da mensagem social?
R. - Ela chega às pessoas mas encontra, evidentemente, resistências...
P. - Ao nível político?
R. - Também ao nível político. Citou a reforma agrária: o Vaticano produziu um documento sobre o tema, muito firme. Mas tardou em publicar esse documento, que estava em preparação há muito tempo. Sabia-se que a publicação poderia provocar reacções de governos importantes para a Igreja - por exemplo, o Brasil. Só se publicou o documento após a última viagem que o Papa fez ao Brasil, no tempo do Presidente [Fernando Henrique] Cardoso. Ali, o Papa falou, de viva voz, muito firmemente. E depois publicou-se o documento.
Isto quer dizer que as autoridades da Igreja estão dependentes das relações com governos. É inevitável. O momento em que as coisas podiam ser ditas não era qualquer um. Se se tivesse apresentado de longe, a partir de Roma, "aí está um documento", poderia esperar-se uma reacção negativa das autoridades brasileiras. A que serve isso? Criaria uma espécie de conflito, que não serviria para nada.
P. - Sobre questões de moral individual, como o aborto, se o Papa diz alguma coisa, toda a gente fala...
R. - Sim, mas ao mesmo tempo, sobre esse tema, ele não será facilmente seguido. Esse é um domínio em que as declarações do Vaticano, nos últimos anos, não tiveram muito em conta as obrigações dos homens de Estado. Mesmo se eles estão em harmonia com as posições da Igreja, são obrigados a ter em conta a opinião real num país. Por consequência, não podem fazer qualquer lei.
A Igreja admitiu sempre que não há identidade entre a moral e o legal. As pessoas que fazem leis estão obrigadas a ter em conta muitos factores e opiniões importantes para o bem comum, do qual elas são responsáveis. Infelizmente, nos últimos anos, o Vaticano não foi muito sensível a este aspecto do bem comum.
P. - Não há também um paradoxo entre ser contra o aborto, por exemplo, e não defender com o mesmo vigor as condições de vida e de trabalho dignas para as pessoas?
R. - Não, penso que há o mesmo vigor...
P. - É então um problema mediático?
R. - Talvez. Porque no plano mediático, é verdade que se dá uma importância extrema a todas as declarações que se referem a questões morais, de ética da vida, etc. Isso deforma o equilíbrio das declarações, porque as autoridades da Igreja são muito sensíveis ao problema do emprego. Mesmo se não indicam soluções, são muito sensíveis.
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Boff versus Lefèvbre
Se Boff é apóstata da origem divina da hierarquia da igreja e da sua ordem apostólica, Lefèvbre peca por regeitar os " conciliabos",como lhes chama; Se Boff confunde sincretismo religioso,com sincretismo cultural, Lefèvbre apoia-se no tradicionalismo histórico-cultural, para justificar o ritual liturgico e sua continuidade; Se Boff confunde o socialismo cristão de Leão XIII,com um socialismo de Estado[Radical/Comunista],apoiando-se na violência preconizada pelas guerrilhas sul-americanas ateistas de ideologia, Lefèvbre irá criticar a abertura às Maçonarias como forma de combate ao Comunismo, embora podendo perferir o fascismo,bem poderia ser um corroborador do proto-conceito de Coimbra da Democracia-Cristã. O Catolicismo resultará portanto, também de fenómenos de sincretismo e miscigenação cultural e não fenómenos de sincretismo religioso, podendo-se assim afirmar numa pluridiversidade de base cultural,dentro da catolicidade, mantendo contudo a sua hegemonia. Veja-se "os que comugam" a mesma hegemonia, de Taizé, aos Carismáticos,dos Franciscanos aos Salesianos,dos Jesuítas ao Opus Dei...Se Boff representa a extrema-esquerda dita católica ( por vezes fora da comunhão apostólica - apóstasia e heresia ) Lefèvbre perconiza o extremar da direita católica, pelo seu conservadorismo tradicionalista em matéria de ritos,não se apoiando contudo em nova tese teológica. Lefèvbre veio críticar algum coorporativismo e os choques ideológicos a que o Concílio Vaticano II abriu portas. S.S.Bento XVI decidiu tomar a preocupação de evitar que o cisma de monsenhor Lefèvbre se torne definitivo, impondo,“certa complacência nos ritos da liturgia até ao levantar da excomunhão”.
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