segunda-feira, 30 de setembro de 2013
domingo, 29 de setembro de 2013
Carlos Maria Antunes: Ir por dentro de si mesmo, na busca do infinito
O
português Carlos Maria Antunes, do Mosteiro do Sobrado (Galiza), fez a sua
profissão solene de monge cisterciense no passado dia 21 de Setembro. Uma
pequena descrição dos principais gestos da cerimónia, bem como uma reportagem
fotográfica (de onde também se reproduz a foto, com Carlos Antunes à direita) podem ser vistas aqui.
A
profissão inclui a afirmação dos três votos cistercienses: obediência ao prior,
estabilidade no mosteiro e na comunidade em que se é acolhido, e aspiração a
uma transformação interior que se plasme no exterior.
“O
nosso lugar é o caminho. Tão depressa como comecemos a desfazer as malas para
nos instalarmos, assim a nossa solidão e inquietude nos fazem voltar e desejar
o caminho. Estamos feitos para um amor e uma unidade infinitos”, escreve Carlos
Maria Antunes em Atravessar a Própria Solidão (ed. Paulinas).
Um
dos gestos da cerimónia é o de o monge que faz os votos se ajoelhar diante de
cada um dos outros monges que, por sua vez, o ajuda a levantar-se. “É um gesto
que contém um significado poderoso”, lê-se na descrição. “A comunidade acolhe e
eleva. Pois o monge, como diz o conhecido apotegma [aforismo], é aquele que cai
e se levanta, cai e se levanta...”
No
mesmo livro, escreve Carlos Antunes: “Temos de aceitar que esta inquietude é
uma parte incurável do ser humano. Não aceitar esta condição conduzir-nos-á a
viver fora de nós. Para canalizar criativamente esta inquietude, cada um de nós
terá de ir por dentro de si mesmo, na busca desse infinito, na busca do rosto
de Deus (...) A nossa sede mais profunda, quando aceite coloca-nos a caminho,
em atitude de procura; gera em nós disponibilidade para o novo, gera em nós
abertura.”
Um
dos outros gestos da profissão solene é a prostração do monge, que não é
encarada como humilhação ou submissão, mas como humilde aceitação da vontade de
Deus em si mesmo. E que deve traduzir o verdadeiro rosto de Deus.
Em
Só o Pobre se faz Pão (ed. Paulinas), outro
livro publicado por frei Carlos Maria Antunes (sobre o qual se pode ler aqui uma entrevista ao autor) escreve o monge do Sobrado: “O
pobre não me pede só o pão, pede-me a vida. E o que seria de mim sem os que me
pedem a vida? Somos todos pobres – na diversidade das expressões da pobreza – e
não vivemos das sobras uns dos outros, vivemos da vida uns dos outros, com as
suas misérias e com as suas grandezas. A compaixão não é possível a partir de
um olhar desnivelado. É sempre a minha dor que acolhe a dor do outro, é sempre a
minha fome que acolhe a fome do outro.”
quarta-feira, 25 de setembro de 2013
Músicas que falam com Deus (21) - para o tempo de Natal#7 - O Menino Jesus, de João de Deus e Alfredo Teixeira, vence o Prémio Lopes Graça
A peça “O Menino Jesus numa estória aos
quadradinhos”, composta por Alfredo Teixeira, com base no poema “Hino de Amor”,
de João de Deus (1830-1896),
acabou de vencer o III Prémio Internacional de Composição Fernando Lopes Graça.
“O poema
de João de Deus transcreve o maravilhoso cristão numa cena bucólica do
quotidiano do Deus Menino”, escreve o compositor.
O trabalho
musical de Alfredo Teixeira tem sido objecto de vários reconhecimentos públicos
– dos quais este prémio é mais um. O seu trajecto original na música portuguesa
contemporânea procura, entre outras coisas, ir ao encontro das raízes populares
do imaginário cultural e religioso português, num profícuo diálogo criativo.
“À
frugalidade descritiva da infância de Jesus nos Evangelhos canónicos cristãos,
respondeu o imaginário popular com a efabulação miniatural da história sagrada.
João de Deus recolhe, neste poema, toda essa plasticidade”, acrescenta Alfredo
Teixeira, num texto que pode ser lido na íntegra no blogue do Grupo Vocal Discantus, que é
dirigido pelo compositor.
Alfredo
Teixeira diz que leu o poema de João de Deus como se se tratasse de uma banda
desenhada, à qual associou “a memória fílmica das animações clássicas de Walt
Disney”.
O prémio
será entregue dia 17 de Dezembro, em lugar ainda a indicar. Na mesma ocasião, a
peça “O Menino Jesus...” poderá também ser ouvida pela primeira vez.
Algumas
composições de Alfredo Teixeira podem ser escutadas aqui.
Uma outra
peça, neste caso um canto de Natal executado pelo Discantus, pode ser ouvida aqui.
In Memoriam. Alfredo Dinis, um padre entre a fé e a ciência
Valorizava a
relação entre a fé e a ciência e dizia mesmo que a teologia não pode prescindir
da ciência. O padre jesuíta Alfredo Dinis morreu domingo passado, em Braga,
onde residia, depois de meses a lutar contra uma leucemia.
Num texto que escreveu para a obra colectiva “Porque a Ciência se tenho Deus?” (ed.
Fronteira do Caos), reproduzido no site da Livraria Fundamentos, escrevia ele:
“O debate que, por vezes, parece
assumir a forma de conflito entre ciência e religião, encontra da parte dos
Cristãos em geral, incluindo os professores e investigadores em Teologia, com
poucas excepções, uma enorme indiferença (…) E, no entanto, podemos considerar
que a Teologia necessita da ciência pelo menos por três razões:
1) para encontrar um interlocutor
qualificado na sua tarefa de compreender o mundo e a vida;
2) para colaborar com a ciência na
tarefa comum de promover a civilização e a cultura, e de permitir à humanidade
tornar-se cada vez mais humana;
3) para introduzir modificações no
interior do próprio discurso teológico.”
Além
da notícia da sua morte, que pode ser lida aqui, vale
a pena ler também a evocação que dele é feita no site da Fundamentos (de onde também é reproduzida a foto).
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Vento em Roma, calmaria em Portugal
Crónicas
São várias as crónicas publicadas nestes dias
e que vale a pena fazer referir e (re)ler. Desde logo, hoje no Página Um/RR, Manuel Pinto fala sobre o “Vento em Roma,
calmaria em Portugal”:
“O entrave maior [à acção do Papa Francisco] poderá
vir, porém, dos resistentes silenciosos, que preferem seguir ‘o espetáculo’ lá
em Roma a acolher o apelo do Papa a romper com a auto-referencialidade.
Observando os sinais, dir-se-ia que,
eclesialmente, em Portugal está tudo calmo, em contraste com os ventos que
sopram do Vaticano. E, no entanto, cada vez há mais gente a ser empurrada para
as margens, por um sistema que suga os mais fracos e engorda os que mais têm.”
Sábado passado, no DN, Anselmo Borges
dissecou o que o Papa pensa sobre a política, uma semana depois de ter feito idêntico
exercício acerca do dinheiro.
No Público de Domingo, frei Bento Domingues
fala dos “Católicos não cristãos”; e escreve: “São cristãos os que não se
servem da Igreja para ter poder. É curioso notar que foram as mulheres, que
nada pediram a Jesus – e que, durante o seu processo de condenação, nunca o
abandonaram –, que ele encarregou de evangelizar os discípulos, isto é, de o
seguirem só pela mística do serviço.
O texto completo pode ser lido aqui.
Vítor Gonçalves escreveu, na Voz da
Verdade, sobre “O verdadeiro bem”:
"Jesus fala do “verdadeiro bem”
contrapondo-o ao “vil dinheiro”! De que se trata? Que riqueza é esse bem maior,
capaz de nos unir a Deus e aos outros, numa alegria feita generosidade e
gratuidade, “tesouro que a traça não rói e os ladrões não roubam”? O que é que
na nossa vida não tem ainda a ver com esse “verdadeiro bem”?"
Na semana anterior, a crónica era
sobre “Acreditar no futuro”:
“O escândalo maior que Jesus faz é revelar um
Deus em movimento, que procura incansavelmente uma ovelha ou uma moeda
perdidas, que corre para abraçar o filho mais novo e sai de casa para ouvir e
falar ao coração do filho mais velho. O Pai de Jesus Cristo rejeita a
imobilidade, o trono alto, e a distância como atributos de poder. Perdoar e
amar é acreditar no futuro.”
Uma entrevista inovadora
Análise
A entrevista do Papa às revistas jesuítas tem sido muito comentada, desde a sua divulgação, quinta-feira passada. Nos media, destacaram-se sobretudo os temas de sempre – aborto, homossexualidade, contracepção... Mas a entrevista é verdadeiramente inovadora (e vale a pena ser lida na íntegra, o que é possível fazer já em linha aqui, no sítio da Brotéria e, dentro de poucos dias, na edição da revista em papel; a foto, do Papa com o jesuíta Antonio Spadaro, que o entrevistou, foi também reproduzida do sítio da Brotéria).
Este
documento é inovador não tanto pelo tom utilizado pelo Papa, e que já começamos
a reconhecer, mas pela leitura e pelas propostas concretas que ele faz para a
acção da Igreja. Por exemplo, em relação ao papel das mulheres na Igreja (onde
o Papa diz muito mais do que parece à primeira vista) ou sobre o processo
ecuménico e o diálogo com protestantes e ortodoxos acerca do ministério do bispo
de Roma.
Nesse
sentido, é uma entrevista que procura retomar a plenitude do espírito conciliar,
precisamente na forma e nas questões em que o Concílio Vaticano II (1962-65) ficara
bloqueado: a colegialidade, a missão da Igreja no serviço ao mundo, a essência
do cristianismo.
Uma
grande novidade: o papel da mulher
Antes
disso, importa reter aquilo que me parece uma profunda novidade, quando o Papa
se refere ao lugar da mulher (das mulheres) na Igreja. Diz ele na entrevista
(fica a citação completa, que vale a pena):
Papa Francisco: "Onde não há trabalho falta a dignidade"
(texto do improviso; o texto preparado, mas não lido, pode encontrar-se AQUI, por ora apenas em italiano).
Esta visita começa precisamente convosco, o mundo do trabalho.
Quero expressar a minha proximidade, especialmente perante a situação de sofrimento de tantos jovens sem trabalho...Meu pai, ainda jovem, foi para a Argentina, cheio de entusiasmo para fazer as Américas. Surgiu a terrível crise e perdeu tudo. Senti na minha infância falar sobre esse tempo em minha casa, ouvi falar sobre esse sofrimento, que conheço bem.Peço-vos coragem. E que esta não seja uma bonita palavra de circunstância. Não seja apenas o sorriso de um simpático funcionário da Igreja, que vem e vos pede coragem. Não, não é isso que eu quero.
Esta é a segunda cidade que visito na Itália : as duas são ilhas. Na primeira, vi o sofrimento de tantas pessoas que, arriscando a vida , buscam dignidade , pão e saúde. São os refugiados.E eu vi a resposta daquela cidade que, sendo ilha, não quis isolar-se e recebe os refugiados, fa-los seus e dá um exemplo de acolhimento.Aqui, encontro também sofrimento, que vos debilita e acaba por vos roubar a esperança. Sofrimento, a falta de trabalho, que leva (e desculpai-me se sou um pouco forte, mas é verdade) a sentir-se sem dignidade. Onde não há trabalho falta a dignidade.
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
Um liberal no seu labirinto
Livro
Porque Devemos Chamar-nos Cristãos, de Marcello Pera, é o primeiro título da
editora Frente e Verso, novo projecto editorial ligado aos jesuítas, cujo
aparecimento se deve saudar. Neste livro, Pera defende a ideia de que os liberais
e a Europa devem entender-se como cristãos.
A
nova marca editorial pretende ter uma presença significativa quer nos debates
culturais da sociedade portuguesa e europeia, através da perspectiva cristã,
entendendo esta como diversa; quer na formação teológica dos cristãos e de
outros interessados em reflectir e debater os “grandes temas do património
cristão”; e ainda no diálogo que faça a ponte entre “as várias expressões
culturais e a fé cristã”.
Uma
editora com estes objectivos deve saudar-se vivamente. Uma das graves
deficiências do catolicismo português é o seu baixíssimo nível cultural. Por
isso, a intenção de favorecer “a inteligência da fé cristã” é desafiadora.
Filósofo,
político italiano, senador desde 1996 e presidente do Senado italiano entre
2001 e 2006, Marcello Pera esteve no PS italiano com Bettino Craxi, foi depois
crítico dos partidos e apoiante dos juízes das “Mãos Limpas”, passou a condenar
os juízes e ligou-se à Forza Italia, de Berlusconi. Foi enquanto senador desse
partido que presidiu ao Senado, como recordou Marcelo Rebelo de Sousa na
apresentação do livro, feita terça-feira passada, dia 11, em Lisboa.
Inicialmente agnóstico, Pera converteu-se ao catolicismo, influenciado pelo
pensamento de Bento XVI, com quem o pensador tinha já publicado o livro Senza Radici (Sem raízes), dedicado à
questão das raízes cristãs da Europa.
quarta-feira, 11 de setembro de 2013
E do início, pode vir alguma coisa de bom?
Se
olharmos para as comunidades cristãs dos primeiros séculos, o que vemos? “A
prática caritativa não foi apenas uma novidade” em termos da sociedade e da
cultura do tempo, como também “influenciou decisivamente a evangelização”, como
afirmou Santiago Guijarro Oporto, biblista e professor na Universidade
Pontifícia de Salamanca, numa intervenção, esta manhã, no XXVIII Encontro da
Pastoral Social, que decorre em Fátima. A iniciativa termina esta quinta-feira,
com uma conferencia do cardeal Seán O’Malley, arcebispo de Boston.
Na
sua intervenção, Santiago Guijarro disse que “dar sem esperar nada em troca foi
uma originalidade do cristianismo”. No mundo antigo, a solidariedade funcionava
apenas para os membros da família ou do clã. “As diversas formas de ajuda
social não eram dirigidas preferentemente aos pobres; tinham, antes, por
objectivo enaltecer o prestígio do doador”, disse Santiago Guijarro.
Acrescentou
o biblista espanhol: “Só nas comunidades judaicas se tinham desenvolvido formas
de caridade que tinham em conta o pobre. Estas acções estavam inspiradas por
uma visão de Deus interessado pelos desvalidos.”
Os
primeiros cristãos e as casas de famílias onde se reuniam rompem com essa
lógica da solidariedade restrita ao clã e acolhem todos, independentemente da
sua origem. As próprias cartas de São Paulo são disso um testemunho,
acrescentou o biblista. No capítulo 12 da Carta aos Romanos, exemplificou, dos
serviços e funções descritos para a comunidade cristã, quatro deles referem-se
à caridade: o consolo, a distribuição dos bens materiais, o serviço e a prática
da misericórdia.
terça-feira, 10 de setembro de 2013
Capela prodigiosa
Exposição
O
frontal de altar é esmagador, na sua beleza e na sua magnificência. A
paramentaria é um acervo excepcional, pela quantidade e qualidade superlativa
das espécies; as custódias, algumas das quais nunca vistas antes em contexto de
museu e exposição, são um conjunto extraordinário de brilho e minúcia. Essas
peças são exemplos de uma encomenda prodigiosa, que foi completamente executada
em Roma e transportada para Lisboa em três naus: a Capela de São João Baptista,
encomendada a Luigi Vanvitelli e Nicola Salvi (o mesmo da Fonte de Trevi, em
Roma) e a vários outros artistas da cúria papal.
A
Capela formava, com a Patriarcal de Lisboa, um conjunto edificado sob a
direcção de João Frederico Ludovice, arquitecto e ourives do rei D. João V. Um
dos comentários da época, citados por António Filipe Pimentel na apresentação
do catálogo, dizia que a Capela de São João Baptista era “talvez a capela mais
rica jamais construída”. Tendo sobrevivido milagrosamente ao grande terramoto
de 1755, nela se incluía, além do altar e da iconografia, o tesouro das alfaias
de culto a ela adstrito, bem como de paramentos e ourivesaria. Foi, aliás, para
guardar esse tesouro que se construiu, em 1905, o Museu de São Roque.
É
o resultado e várias das peças dessa encomenda – que pretendia também mostrar
às potências europeias o poder do Portugal das descobertas – que podemos ver,
até final de Setembro, no Museu de São Roque. Num segundo polo da exposição, no
Museu Nacional de Arte Antiga, evoca-se a riqueza histórica e artística da
Patriarcal, que não sobreviveu ao terramoto de 1755. Uma exposição prodigiosa,
a não perder.
A Encomenda Prodigiosa
até 29 de Setembro
(texto publicado na revista Mensageiro de Santo António, Setembro de 2013)
O Papa, o aborto e o despojamento
Crónicas
Nas crónicas do último fim-de-semana, Anselmo Borges falou no DN das posições do Papa Francisco sobre alguns temas em debate. Como, por exemplo, sobre o celibato eclesiástico:
Nas crónicas do último fim-de-semana, Anselmo Borges falou no DN das posições do Papa Francisco sobre alguns temas em debate. Como, por exemplo, sobre o celibato eclesiástico:
Sobre
o celibato sabe por experiência própria. Quando era seminarista, ficou
deslumbrado por uma rapariga. "Surpreendeu-me a sua beleza, a sua luz
intelectual... e, bom, andei baralhado durante algum tempo, a dar voltas à
cabeça." Ainda era livre, porque era seminarista. Teve de repensar a sua
escolha.
"Voltei
a escolher o caminho religioso – ou a deixar que ele me escolhesse. Seria
estranho que não se passasse este tipo de coisas." Quando aparece um padre
a dizer que engravidou uma mulher, "ouço-o, procuro transmitir-lhe paz e
aos poucos faço-o perceber que o direito natural é anterior ao seu direito como
padre". No catolicismo ocidental (no Oriente, os padres podem casar-se),
"o tema está a ser discutido", mas "por enquanto mantém-se firme
a disciplina do celibato". "Trata-se de uma questão de disciplina,
não de fé. É possível mudar."
O
texto integral pode ser lido aqui e
complementado com a notícia de que o Papa telefonou a uma mulher, mãe solteira,
que se propunha abortar. Depois de ter escrito ao Papa apenas como desabafo,
Anna Romano ficou surpreendida com um telefonema do próprio Francisco, que lhe
pôs mesmo a hipótese de ser padrinho da criança, caso ela não encontre ninguém
disponível, como se pode ler aqui.
Na
Voz da Verdade, Vítor Gonçalves fala
daquilo que, no inesperado dos dias e dos acontecimentos, nos pode ensinar o
despojamento. E de como isso se relaciona com o evangelho da liturgia de
domingo passado, onde Jesus dizia:
As
palavras de Jesus no evangelho apontam escolhas difíceis. Há um mundo novo de
justiça e fraternidade que muitas “heranças” familiares impedem que se
realizem. Há ânsias de poder e guerras que se travam que não são próprias dos
seus discípulos. Querer seguir Jesus no conforto de um bem-estar irreal, sem
uma consciência ética de transformação do que é injusto e desumano, não é
possível. Que bens são estes a que nos é pedido renunciar? Que credibilidade
ganhariam as palavras dos cristãos e dos discursos da Igreja com esse
despojamento?
O texto completo pode ser lido aqui.
segunda-feira, 9 de setembro de 2013
A guerra que nos querem vender
Crónica
Na sua
edição de final de Agosto, a revista The Economist publicava na capa uma imagem
de Bashar Al-Assad a preto e branco semi-fundida com imagens de corpos de
alegadas vítimas de gás sarin, sobre a qual surgia este título: “Hit him hard”
(dêem-lhe com força). Muitos outros meios de comunicação seguiram caminhos
idênticos, antes mesmo de haver inspecções aos locais onde centenas de pessoas,
incluindo crianças, foram gaseadas de forma hedionda e inaceitável.
Apesar do
clamor das opiniões públicas de tantos países, incluindo nos Estados Unidos;
apesar da mobilizadora vigília organizada em Roma e um pouco por todo o mundo
pelo Papa Francisco; apesar de advertências como a do secretário-geral das
Nações Unidas, Obama avançará para a intervenção militar na Síria, salvo
surpresa de última hora. Fá-lo-á num quadro em que as consequências de tal
acção se mostram imprevisíveis e de que se pode suspeitar com boas razões que
quem acabará por sofrer mais serão os já martirizados civis sírios.
Barack Obama
e os Estados Unidos não conseguiram convencer o mundo de que não são os
interesses militares, económicos e geopolíticos que verdadeiramente motivam
mais esta intervenção à margem das leis internacionais. A maquinaria da guerra
já foi posta em movimento e, quando assim é, os grandes media costumam adotar
uma lógica de atuação que os torna funcionais à própria guerra. Nesse simulacro
de cobertura, começa-se por abandonar as grandes questões éticas e morais, em
favor de uma abordagem asseptizada: entram em cena especialistas militares;
imagens e gráficos de equipamentos; munições e posicionamentos no terreno;
antevisões e comentários às movimentações e falas dos intervenientes. A
tecnologia, a estratégia e as operações são aquilo que enche os ecrãs. As
pessoas eclipsam-se desse tipo de cobertura e só aparecem quando porventura se
consegue alguma imagem dos ‘efeitos colaterais’ dos mísseis.
Não há informação mais controlada do que aquela que nos chega em tempo de guerra. E controlo, neste cenário, significa frequentemente manipulação. É por isso que importa accionar todos os recursos, toda a capacidade crítica e toda a prudência para não embarcar à primeira naquilo que nos vão vender. Os grandes media, de uma forma ou de outra, não se limitam a cobrir a guerra. Fazem, ainda que involuntariamente, parte da própria guerra.
Não há informação mais controlada do que aquela que nos chega em tempo de guerra. E controlo, neste cenário, significa frequentemente manipulação. É por isso que importa accionar todos os recursos, toda a capacidade crítica e toda a prudência para não embarcar à primeira naquilo que nos vão vender. Os grandes media, de uma forma ou de outra, não se limitam a cobrir a guerra. Fazem, ainda que involuntariamente, parte da própria guerra.
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