segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O poder das lágrimas; a paternidade e maternidade responsáveis - comentários à viagem do Papa

Crónicas

No comentário aos textos bíblicos da liturgia católica de domingo passado, Vítor Gonçalves comenta, na Voz da Verdade, um dos momentos da viagem do Papa às Filipinas. Com o título O poder das lágrimas, escreve:

o que encanta é que Jesus começou por escolher homens habituados à incerteza das pescarias e ao perigo das ondas, fortes e ousados mas também frágeis e dependentes. Capazes de “chorar” pelos erros ou por compaixão, e de tudo arriscar por amor. Capazes de entender que o milagre de “pescar a humanidade” só é possível com a compaixão de Jesus, com as lágrimas que lavam o olhar, para ver melhor os outros e fazer algo: por eles e com eles!
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Na crónica de sábado, no DN, Anselmo Borges toma as declarações do Papa sobre a paternidade e maternidade responsáveis, no voo entre o Sri Lanka e as Filipinas, para perguntar: Reproduzir-se como coelhos?

Neste sentido, a Igreja precisa de uma nova atitude face à sexualidade, nomeadamente neste domínio. Era isso que pedia outro grande jesuíta, recentemente falecido, o cardeal Carlo Martini, que confessou que a encíclica “Humanae Vitae”, em 1968, com a proibição da “pílula anticonceptiva”, “é co-responsável pelo facto de muitos já não tomarem a sério a Igreja como parceira de diálogo e mestra”, estando convencido de que “a direcção da Igreja pode mostrar um caminho melhor do que o da encíclica”.
Feita a exigência da paternidade e maternidade responsáveis, Francisco foi mais longe, pedindo generosidade: (...) É claro que ninguém pode ser obrigado a ter filhos. Mas o que é facto é que o que está a acontecer concretamente na Europa – aqui, Portugal vai à frente – é um tsunami demográfico, que nos levará ao suicídio colectivo. Ter filhos é o maior sinal de confiança e esperança na vida. Afinal, o que falta hoje é essa confiança e esperança na vida e no futuro.
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Também no CM de sexta-feira, Fernando Calado Rodrigues toma as mesmas declarações como ponto de partida para o texto Os “coelhos” do Papa:

Nestes como noutros assuntos, a Igreja tem vindo a abandonar um discurso fundamentalista e a concentrar-se naquela que deve ser a sua preocupação: anunciar valores e denunciar o seu atropelo. Mais importante do que dizer se se pode ou não usar o preservativo, a Igreja deve, antes, apelar à responsabilidade dos pais para colocarem no mundo os filhos que devem. E isto poderá implicar, para alguns, não procriarem mais e, para outros, serem mais generosos e não cederem à tentação de se ficarem pelo filho único.
(texto integral aqui)


No Público de domingo, frei Bento Domingues também começa por referir tais declarações sobre a procriação. Com o título Acredite no que quiser, mas não seja idiota, escreve:

Para não invocar o nome de Deus em vão, ou contra o ser humano, importa ter cuidados com a linguagem teológica. Como princípio geral, deveremos considerar como falsa toda a afirmação acerca de Deus que despreze a liberdade humana, a sua responsabilidade e a sua alegria. Não é o ser humano para a religião, mas a religião para o ser humano. Esta sentença é atribuída ao próprio Cristo, mas esquecida ao longo dos séculos [5]. 
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domingo, 25 de janeiro de 2015

“Detrás da onda azul, sobre o horizonte azul...”

No dia em que os gregos dizem que é possível os povos reafirmarem o valor da democracia contra a ditadura dos mercados financeiros, vale a pena revisitar a música de um dos mais importantes compositores gregos. A propósito das suas canções, Mikis Theodorakis escreve: “Não há nada mais efectivo como como um anti-corpo contra as ditaduras do que a música. A música torna as pessoas mais bonitas e humanas.” As músicas de Theodorakis, pelo menos, são assim: trazem-nos a nostalgia e a alegria, o ritmo e as cores dançantes da água do Mediterrâneo, esse grande lago comum a tantos povos e onde se cruzam tantos sons — talvez por isso, as canções de Theodorakis têm sido tão bem interpretadas pela cantora maiorquina Maria del Mar Bonet. Neste vídeo, pode ver-se e ouvir-se a força do bailado Zorba, num concerto gravado em Munique (Alemanha), há precisamente 20 anos, com a Orquestra Estatal de Atenas. A força, que é como quem diz, a beleza. Como nos poemas: “Detrás da onda azul, sobre o horizonte azul,/ espera uma mãe que não vi durante anos/ porque me recusei submeter à lei.”

(O livro de Nikos Kazantzakis Zorba, o Grego, conta a história de um intelectual em crise de identidade, que tenta refazer a sua vida com a ajuda de um misterioso Alexis Zorba. A parte mais conhecida da composição musical pode ouvir-se, neste vídeo, após os 51’30”; depois, a peça é repetida com um bailado.)


(O texto adapta um artigo sobre um disco de Theodorakis publicado na revista Além-Mar, em Outubro 2001)



quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Charlie, a bárbarie e a questão do outro; o Papa, a Igreja e o tempo da falta de tempo

Crónicas

Apesar do atraso, vale a pena reter as crónicas habituais das últimas duas semanas. Os atentados de Paris foram o tema que Vítor Gonçalves tomou, no seu comentário às leituras bíblicas de domingo passado, na Voz da Verdade. Com o título Ser “Charlie”, escreveu:
Ser “Charlie” é descobrirmo-nos tão próximos apesar das distâncias, tão ricos pelas diferenças, tão irmãos como Jesus nos quer ensinar a ser. É preciso mesmo ver para acreditar, como aqueles primeiros discípulos, que depois tiveram de ir contar a outros. E possamos sempre sorrir, na liberdade de exprimir ideias e diferenças, salvaguardando a vida de todos, e com a certeza de que Deus ama cada um, e gosta tanto de rir connosco!
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Domingo, no Público, também frei Bento Domingues escreveu sobre o tema, com o título Suster e prevenir a barbárie:
Foi muito importante ver aqueles Chefes de Estado de vários continentes, unidos contra a barbárie e pela liberdade de todos. Mas, diante das suas responsabilidades históricas e actuais, que estão a fazer para evitar tragédias semelhantes? Desfilar não pode ser o único objectivo daquela grande convocatória. O que importa é tocar a reunir para encontrarem, nas zonas de conflito, onde reina e se desenvolve a barbárie, os meios adequados para a suster e prevenir.
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Sábado, no DN, Anselmo Borges, reflectia sobre a questão do outro, sob o título O sal e a religião:
Estamos confrontados com a questão do outro. Somos, por natureza, sociais: fazemo-nos uns aos outros, a nossa identidade é sempre atravessada pela alteridade. Mas o outro enquanto diferença é ao mesmo tempo espaço de fascínio — quem não gosta de viajar para conhecer outros povos, outras culturas? — e de perigo — o outro é o desconhecido perante o qual é preciso prevenir-se.
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No Correio da Manhã da última sexta-feira, Fernando Calado Rodrigues intitulou a sua crónica como O crente não odeia:
Um crente só consegue conviver e dialogar com pessoas com opções diferentes das suas despindo-se de todo o fundamentalismo e de toda a intolerância. A Igreja Católica demorou séculos para o fazer e conseguir conviver com as outras religiões. Só a partir do Concílio Vaticano II passou a olhar com respeito para as outras crenças. Alguns sectores no seu interior e noutras confissões religiosas ainda precisam de completar esse caminho para que não mais se volte a fazer a guerra em nome de uma falsa imagem de Deus, ou de uma fé que se diz religiosa.
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Já na semana anterior falara do tema, sob o título O fundamentalismo:
Contudo, e apesar do que está escrito, também se matou e continua a matar em nome de um errónea conceção da fé cristã. Continua a matar-se porque, para Jesus, matar não é só tirar a vida, mas irar-se contra o outro (Mt. 5, 22). Basta percorrer as redes sociais para se constatar tanto ódio que é destilado por católicos fundamentalistas para com os que põem em questão o que eles consideram a doutrina ortodoxa e imutável.
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No Público de 11 de Janeiro, frei Bento Domingues escrevia sobre o Papa Francisco e o seu programa de Desadaptar a Igreja:
Pode parecer estranho, mas já deu muitos sinais de que é isso mesmo que pretende. Importa saber em que sentido. Parece-me algo diferente da “revolução” temida pelos conservadores e desejada pelos progressistas. É algo de mais radical.
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No comentário aos textos da liturgia católica da festa do baptismo de Jesus, Vítor Gonçalves escrevia sobre a “Genica” de Deus:
gostava que os sacramentos fossem muito mais “despertadores” do que “adormecedores” da nossa vida cristã; mais capazes de nos lançar para a luta e para a tensão do que “analgésicos” e “tranquilizantes” de uma vida “assim-assim”. 
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No DN de 10 de Janeiro, Anselmo Borges reflectia sobre O tempo da falta de tempo:
Mais uma vez, o sociólogo e filósofo Hartmut Rosa: "A questão não é que velocidade atingimos, mas em que medida ela é boa para uma vida boa." Afinal, quando vivemos de verdade?
(Texto completo aqui)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Escutar a Cidade: uma proposta no caminho do sínodo de Lisboa

O tema Identidades, comportamentos e modos de vida é o mote para o primeiro encontro da iniciativa Escutar a Cidade, que pretende ser um contributo para a reflexão do Sínodo de Lisboa, convocado em 2014 pelo patriarca. Essa primeira sessão decorre nesta quinta-feira, dia 15, entre as 19h e as 21h, no Fórum Lisboa (Av. Roma, antigo cinema Roma). Contará com a participação do crítico António Guerreiro, da psicóloga social Maria Benedicta Monteiro e do sociólogo José Machado Pais. A entrada é livre e mais informação pode ser encontrada na página da iniciativa na internet.


É o seguinte o texto de apresentação da iniciativa:
Escutar a Cidade é um convite a que os católicos da diocese de Lisboa se deixem interrogar por pessoas que, vivendo no mesmo tecido social, mas não partilhando a condição de pertença eclesial, enunciem uma reflexão pertinente sobre aspetos decisivos da sociedade, da economia, da cultura e dos modos de vida que marcam o território da diocese.
Escutar a Cidade propõe que desta vez seja a sociedade a tomar a palavra para exprimir as suas inquietações e a sugerir o que espera das comunidades crentes que habitam a diocese. Neste processo cabe aos católicos ouvirem, acolherem e meditarem no que lhes é comunicado, na esperança de que, ao longo do trajeto sinodal, tenham presente os desafios apresentados e se sintam motivados a ir ao seu encontro, formulando respostas para tais reptos.
Escutar a Cidade quer sublinhar a importância incontornável da vida, das preocupações, alegrias e esperanças de todos quantos habitam o território da diocese como lugares inescapáveis a partir dos quais Deus chama à conversão e à ação. Convocados para um Sínodo cuja última etapa terá lugar em novembro de 2016, cabe aos cristãos sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias. Sair do templo e perder-se na cidade, não é, para os crentes, uma moda ou uma opção. É o modo próprio de viver a sua fé, no acolhimento, no conhecimento e no serviço a quantas e quantos habitam a cidade, numa dinâmica de cidadania partilhada e escuta recíproca.
Escutar a Cidade é uma iniciativa pública de comunidades, movimentos, organizações e grupos católicos envolvidos no Sínodo da Diocese de Lisboa, aberta à participação de todos e que se desenvolve durante o primeiro semestre de 2015. De janeiro a junho, ao fim da tarde de uma quinta-feira, uma vez por mês, convidamos três a quatro pessoas a partilharem a sua reflexão connosco. Os temas a abordar serão, entre outros: território, quotidiano e modos de vida; política, participação e democracia; pobreza, emprego e crise financeira; linguagens, espiritualidades, sexualidades e convicções. As sínteses de cada encontro serão entregues ao secretariado do Sínodo e poderão ser pontos de partida para reflexões posteriores de grupos e comunidades que assim o pretendam.

Os movimentos e instituições católicas promotores da iniciativa são os seguintes:

Acção Católica Rural, Associação dos Farmacêuticos Católicos, Associação Fraternitas, Centro de Reflexão Cristã, Comunidade Emanuel, Comunidade de Santo Egídio Portugal, Comunidade Shalom, Comunidades de Vida Cristã – CVX sul, Comunidade Vida e Paz, Comissão Nacional Justiça e Paz, Família Missionária Verbum Dei de Lisboa, Fundação João XXIII - Casa do Oeste, Graal, Instituição Teresiana, Ir. Lúcia Soares – Provincial das Irmãs Doroteias, Jovens sem Fronteiras, Leigos para o Desenvolvimento, Maria da Conceição Araújo Maia  – Movimento Famílias Novas (Focolares), Metanoia – Movimento Católico de Profissionais, Missionários Espiritanos, Movimento Católico de Estudantes, Movimento de Encontros de Jovens Shalom, Nós Somos Igreja, Paróquia de Santo António de Campolide, Paróquias da unidade interparoquial de Óbidos, Pax Christi Portugal

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Je suis Charlie


Doze mortos, até agora. Não dá para acreditar.
Não se sabe ainda quem são os criminosos, nem quais os seus motivos, mas já começou a feira de acusações. 
Para além do choque, neste momento temos de marcar presença junto dos muçulmanos, não permitir que sejam vítimas de discursos ou acções de ódio e retaliação. E debater: o que vai mudar na Europa a partir de hoje? Será que uma espécie de Patriot Act europeu se vai instalar de armas e bagagens? Vamos estar mais predispostos a aceitar que o Estado nos entre pelos computadores e pelos telefones adentro?
Ou amamos a nossa liberdade mais que a própria vida?
Quatro cartoonistas do Charlie Hebdo pagaram com a vida a liberdade de expressão que amavam e faziam questão de usar. Seria uma curiosa ironia se a vida deles fosse vingada com ataques à liberdade na nossa sociedade. Ou que começássemos a praticar a auto-censura por medo.
A única maneira de homenagear estes que hoje foram assassinados é permanecer firmes na defesa dos valores democráticos que lhes eram tão queridos.
(Nunca gostei do tipo de humor do Charlie Hebdo, e condenei as caricaturas de Maomé por as considerar uma falta de respeito desnecessária e contraproducente em termos de diálogo intercultural. Mas um dos elementos que torna a nossa sociedade especial e digna de se lutar por ela é justamente essa capacidade de aceitar as diferenças de opinião.)

(texto de Helena Araújo, reproduzido daqui)