Os católicos na luta contra a ditadura (15)
A 22 de Agosto de 2015, publiquei no Expresso/Revista
E, um texto reconstituindo a rede dos
Terceiros Sábados, que existiu em Portugal antes do 25 de Abril de 1974 e foi
dinamizada por Nuno Teotónio Pereira e pela sua mulher, Natália Duarte Silva.
No dia do funeral do arquitecto (esta sexta, às 13h30, da Igreja do Sagrado
Coração de Jesus, que ele desenhou, com Nuno Portas, para o cemitério do
Lumiar, em Lisboa), reproduzo aqui esse texto:
Eram
dezenas de católicos que reuniam numa casa de freiras, em Lisboa, para celebrar
a fé e se apoiar mutuamente na luta contra o fascismo e a guerra colonial. Aqui
se recordam contornos inéditos e nomes da rede dos Terceiros Sábados, uma
história referida em muitas memórias mas nunca antes reconstituída de modo
sistemático.
Foi já
depois de 25 de Abril de 1974 e os dias eram de liberdade e entusiasmo. Mas
aquele baptizado de cinco crianças foi em conjunto, porque aqueles cinco casais
tinham cimentado laços, em conjunto, na luta pela liberdade, contra a ditadura
e a guerra colonial, antes da revolução: nos terceiros sábados de cada mês, na
casa das irmãs Franciscanas Missionárias de Maria (FMM), ao Campo Pequeno, em Lisboa,
dezenas de pessoas encontravam-se para reflectir, trocar informação clandestina
sobre a luta contra o regime e a guerra colonial, debaterem a fé e celebrar a
eucaristia. Era a forma de se apoiarem mutuamente.
O
baptizado, a 13 de Julho de 1974 – dois meses e meio depois da revolução – foi
presidido pelo padre Joaquim Teles de Sampaio, que regressara no início de 1973
do Macúti (Moçambique), por denunciar massacres das tropas portuguesas na
guerra colonial e já não se sentir em segurança. Isabel Pinto Correia e José
Pereira Neto recordam que o seu filho, Pedro Neto, foi baptizado com, pelo
menos, mais três crianças, enquanto a filha de Vitória e Joaquim Pinto de
Andrade teve o rito de apresentação prévio ao baptismo.
A rede dos
Terceiros Sábados reuniu durante perto de três anos, entre o final de 1970 ou
início de 1971, até 1973. No Verão e Outono deste ano, uma vaga de prisões de
pessoas ligadas ao BAC (Boletim Anti-Colonial) – Nuno Teotónio Pereira, Luís
Moita, Maria da Conceição Moita, Luiza Sarsfield Cabral, entre outros – terá
tornado arriscada a continuação da iniciativa.
Nos
Terceiros Sábados, cruzavam-se percursos, objectivos e estratégias diferentes.
Cada participante aparecia por convite ou por um empenhamento concreto. Mas o
carácter de rede informal, em que o objectivo era a celebração da eucaristia, a
reflexão sobre a fé e a partilha de informação, só permite reconstruir a
experiência a partir de memórias, nem sempre coincidentes e necessariamente
fragmentadas
É como um
puzzle onde algumas peças já não encaixam bem umas nas outras, pelo desgaste do
tempo ou pelas diferentes origens. E faz-se, na impossibilidade de reconstituir
todo o grupo, através de memórias de pessoas, que, em alguns casos, dizem que
tiveram uma participação residual, mas que aquele espaço as marcou para a vida.
É isso
mesmo que diz Luiza Sarsfield Cabral, professora de português já na época,
presa por causa do seu apoio ao grupo do BAC: os Terceiros Sábados foram uma
experiência fundamental no fortalecimento do apoio mútuo entre católicos e da
amizade entre pessoas.
A ideia:
um suporte de fé para a luta contra o regime
Terá sido
a insistência de Natália e uma conversa dela e do marido, o arquitecto Nuno
Teotónio Pereira, com o padre Adriano Botelho, que levou à criação dos
encontros. O padre Botelho estivera exilado na Argentina e era, então, capelão
no Hospital da Parede. Adriano Botelho, que morreu em 1980, tinha sido pároco
de Alcântara entre 1940 e 1960, criando várias iniciativas de apoio aos mais
necessitados, numa zona de Lisboa onde predominavam operários e famílias
pobres. As suas homilias e, em 1960, o facto de ter testemunhado em favor de
dois envolvidos na “revolta da Sé”, forçaram-no ao exílio na Patagónia, durante
cerca de três anos.