Na sua coluna deste domingo no Público, frei Bento Domingues escreve a propósito da alegada "crise de vocações" e dos modos de a resolver:
1.Qualquer padre católico ou bispo subscreve este título. São os meios de comunicação social que tendem a tomar a parte pelo todo. A Igreja Católica não pode falar sempre a uma só voz porque é uma unidade plural. Poder-se-á, no entanto, perguntar, a que propósito vem este título?
Reuniu-se, em Fátima (6-7/02/2009), o X Colóquio Nacional de Paróquias com o tema: “Porquê transmitir a fé – seduzidos por Deus – fascinados pelo Evangelho?” Desta interrogação não transitou muito para a opinião pública. A atenção fixou-se em números: a Igreja Católica tem, em Portugal, 4 400 paróquias. Destas, 1 100 não têm pároco residente. Segundo as previsões mais coerentes – se não houver mudanças radicais de orientação –, estes números só podem piorar.
É evidente que a deslocação dos padres para acudir às paróquias está mais facilitada. Mas o carro, o telemóvel e o correio electrónico não resolvem tudo. A questão de fundo pode ser formulada da seguinte maneira: a hierarquia católica dá grande importância à celebração dominical da Eucaristia e à qual os fiéis têm direito. Não toma, porém, as medidas necessárias para dispor de pessoas habilitadas a presidir à assembleia eucarística com tudo o que esta supõe e implica. Ao não permitir a ordenação de homens casados nem de mulheres – sejam elas solteiras ou casadas –, o futuro é preocupante.
2. Segundo o Direito Canónico, a paróquia é uma certa comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular, cuja cura pastoral, sob a autoridade do bispo diocesano, está confiada ao pároco, como a seu pastor próprio (Cân. 515 § 1º). A paróquia, em regra geral, seja territorial e englobe todos os fiéis de um território certo; onde porém for conveniente, constituam-se paróquias pessoais, determinadas por razão do rito, da língua, da nação dos fiéis de algum território, ou até por outra razão (Cân. 518). No magistério de João Paulo II, a comunhão eclesial, embora possua sempre uma dimensão universal, encontra a sua expressão mais imediata e visível na paróquia: esta é a última localização da Igreja; é, em certo sentido, a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas (Christifideles Laici, 26).
Não são as normas do Direito Canónico que podem, só por si, responder à pergunta do citado colóquio. O padre João Castelhano, um dos seus impulsionadores e pároco de S. José, em Coimbra, insiste em não privilegiar o “como” da transmissão da fé, embora destaque as potencialidades do bom uso dos novos meios de comunicação. A presença das paróquias portuguesas na Internet mostra que os responsáveis estão abertos e atentos a novas formas de evangelização. Mas a pergunta fundamental é outra: porquê evangelizar? Que pode isso significar e exigir, hoje?
A sociedade portuguesa mudou e a população já não está organizada em torno do campanário. O que antigamente era uma diocese cabe, agora, em metade de uma paróquia urbana. No entanto, é sempre uma aventura arriscada mexer nos serviços médicos, jurídicos ou religiosos. A eliminação ou criação de paróquias exige uma reestruturação que nem sempre é pacífica. Por outro lado, como sublinhou o pároco de Santa Cruz, importa respeitar a liberdade de os católicos escolherem o local onde cultivam a fé e onde melhor se sentem, seja na sua área de residência, num movimento ou na sua paróquia afectiva. As preocupações com o papel da paróquia levam certos párocos e serviços paroquiais a proceder como se fossem donos da prática religiosa dos católicos.
3. Para sossegar a consciência, destaca-se que a falta crescente de padres pode ser uma boa oportunidade para vencer o clericalismo e promover o papel dos leigos no apostolado e nos serviços paroquiais: muito daquilo que ocupa os padres pode e deve ser realizado por leigos. Que Deus possa escrever direito por linhas tortas é uma sabedoria portuguesa que Bernanos descobriu no Brasil. Não devemos, no entanto, exigir ao Espírito Santo esforços suplementares para aquilo que compete aos seres humanos.
Repete-se que há falta de vocações. Não acredito. Se a vocação é dom de Deus, não se esgota facilmente. Deveríamos olhar mais para o tabu que impede caminhos de solução. Por que não reintegrar aqueles padres que tiveram de abandonar o ministério presbiteral e que estão em condições de prestarem serviços relevantes para os quais foram preparados? Por que razão não chamar, ao presbiterado, homens casados que manifestam grande capacidade de serviço na Igreja? E as mulheres? Será que, por serem mulheres, Cristo não as quer ver a presidir à Eucaristia? Precisamente Ele que, segundo os Evangelhos, lhes deu com amizade o papel de comunicar, aos apóstolos, o Evangelho da Ressurreição? Se Deus criou o ser humano à Sua imagem, homem e mulher, seria ridículo atribuir a Deus uma mentalidade patriarcal. Criar um deus à imagem do masculino é criar um ídolo. O sujeito masculino não tem mais aptidão para ser chamado à presidência da Eucaristia do que o sujeito feminino.
Ninguém, na Igreja, homem ou mulher, tem direito a ser padre ou bispo. Uma pessoa baptizada pode ser chamada a servir a comunidade através do ministério ordenado.
1 comentário:
Gostaria de chamar a atenção para o trabalho que o Bispo D. Manuel Clemente vem fazendo no Porto em prol das vocações: além do novo Seminário, tem um conjunto de leigos em formação para o Diaconado.
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