A Comissão Nacional
Justiça e Paz (CNJP) promove neste sábado uma conferência anual sobre o tema
“Portugal: o país que queremos ser”.
“Estamos perante desafios
importantes da nossa cultura e identidade; num tempo de crise, que também é de
oportunidades para repensar modelos de vida e de felicidade individuais e
coletivos, e rever instituições, com vista a torná-las mais justas e mais
humanas”, justifica a Comissão, organismo da Igreja Católica para intervir em
questões sociais.
Esta tarefa, acrescenta a
CNJP na apresentação da iniciativa, “deve ser participada”. Impõe-se, por isso,
“de forma clara que cada um se reconheça artífice da construção coletiva.”
A Comissão tomou
recentemente uma posição muito dura contra as políticas do Governo. Numa nota
com o título “Os números e as pessoas", a CNJP considerou que a orientação
económica e financeira do Executivo evidencia falhanços em vários níveis,
nomeadamente na equidade e na correcção das desigualdades.
Na conferência deste sábado, que decorre a partir das 9h30 no Auditório 2 da
Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, Francisco Seixas da Costa tratará da
questão da reforma do sistema financeiro.
A partir da nota do
Conselho Pontifício Justiça e Paz, onde se pedem “formas de controlo monetário
global”, Seixas da Costa falará sobre a perspectiva de uma autoridade
financeira de competência universal. A nota do Conselho Pontifício diz que o
Fundo Monetário Internacional (FMI) perdeu “a sua capacidade de garantir a
estabilidade das finanças mundiais”. O FMI é uma das instituições envolvidas no
memorando de entendimento com Portugal, garantindo empréstimos para pagar a
dívida pública portuguesa.
Na conferência, cujo
programa pode ser consultado na página da CNJP na internet, intervêm ainda o
general Ramalho Eanes (sobre “A sociedade civil nas sociedades democráticas
contemporâneas”) e o constitucionalista José Gomes Canotilho (que tratará o
tema “O papel do Estado na realização do bem comum”).
O presidente da
Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Policarpo, e o presidente da CNJP,
Alfredo Bruto da Costa, encerram a sessão.
Ontem mesmo, o bispo do Porto apelou a que o Estado deve
garantir o apoio aos cidadãos, de forma a que ninguém fique desamparado.
Comentário – As duas Igrejas
A conferência da CNJP
traduzirá, mais uma vez, a existência de duas Igrejas Católicas que nunca se encontram
– à semelhança de duas linhas paralelas; digo duas, como caricatura, porque há
mais. Mas, no que diz respeito à intervenção social, há pelo menos esses dois
tipos de intervenção: a de organismos como a CNJP ou a Cáritas, normalmente
preocupadas com as consequências das decisões políticas e económicas na vida
quotidiana dos cidadãos; e a de outros grupos ou movimentos católicos (que
estão sobretudo alinhados com a direita do espectro político) que se limitam a
enunciar princípios genéricos da doutrina social católica, mas sem indicar
consequências nas decisões políticas.
O que se passa
actualmente com a crise financeira europeia é disto exemplo. O documento do
Vaticano antes citado fala da necessidade de refundar o sistema financeiro
internacional – na linha, aliás, de várias tomadas de posição dos papas João
Paulo II e Bento XVI. Essa afirmação é feita na consideração de que o actual
sistema financeiro não respeita alguns princípios fundadores do pensamento
social católico: nomeadamente, a centralidade da pessoa e a supremacia do bem
comum em relação ao uso privado dos bens.
Por isso, também, quando
tanta gente por toda a Europa se manifesta – nos meios de comunicação, nas
redes sociais, nas ruas – para exigir uma outra atitude dos governos, seria importante
que os responsáveis da Igreja Católica entendessem esse clamor. Ainda esta
quinta-feira, o patriarca de Lisboa insistia na TSF na
ideia de que a democracia não se decide na rua. Mas não é isso que está
em causa: se os cidadãos que tomam posição (desde altos dirigentes partidários
e ex-governantes) não querem que a democracia se decida na rua, também estão a
afirmar que não querem que a democracia lhes seja roubada por um poder
financeiro obscuro, e que ninguém escolheu – logo, que não é de todo
democrático.
Seriam questões
interessantes para ver debatidas na conferência da CNJP – e para ver debatidas
entre católicos de diferentes perspectivas, que nunca se encontram...
1 comentário:
muito bom, o comentário. gostei da definição das "duas igrejas que nunca se encontram).
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