“Por um mundo mais justo e fraterno é o lema da campanha ‘Presentes Solidários’, que a Fundação Evangelização e Culturas promove pelo quarto ano consecutivo”, noticia a edição de hoje do Página 1.
Conta este jornal digital da Rádio Renascença que “nesta campanha, com o mesmo presente pode fazer sorrir um amigo e contribuir para melhorar a vida de alguém em Angola, na Guiné ou em Timor. São presentes diferentes, que não se encontram nas lojas, mas podem melhorar a vida dos mais desfavorecidos nos países de língua portuguesa. Há um ‘presente solidário’ por cada país, escolhido de acordo com as necessidades locais, segundo explica Emanuel Oliveira, acrescentando que ‘os parceiros no terreno, com os quais trabalhamos, identificam algumas dificuldades das comunidades locais e fazem-lhes chegar estes presentes solidários.’
Os presentes deste ano estão num catálogo que pode consultar na Internet devendo fazer também aí a sua encomenda. ‘Vai receber, depois, um postal comprovativo da compra e que pode oferecer a um amigo ou familiar por isso esta campanha se designa dar a duplicar’. Por exemplo, compro leite para uma criança na Guiné, recebe-se em troca um postal, que posso dar a um amigo ou a um familiar, para indicar que esse presente foi dado em seu nome’, diz Emanuel Oliveira”.
A campanha, recorda o Página 1, prolonga-se até ao Dia de Reis e a Fundação Evangelização e Culturas espera ultrapassar este ano os cerca de quatro mil presentes de 2008, ajudando pessoas, famílias ou comunidades desfavorecidas nos países de língua portuguesa.
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
“Natal de outro modo”
O grupo cristão ecuménico, constituído por 24 movimentos, que, desde há cinco anos, em França, anima as campanhas “Natal de outro modo” escolheu como tema deste ano o aquecimento do planeta.
Pedindo que “Não confundamos a Terra com um peru” e que, “No Natal, aqueçamos os corações”, a campanha, conta o semanário La Vie, quer propor a cada pessoa uma reflexão sobre a sua própria responsabilidade em, simultaneamente, salvaguardar o planeta e agir solidariamente. Os movimentos signatários da campanha aproveitam o tempo de Natal para promover uma reflexão sobre o significado profundo desta quadra. “O essencial desta festa está no consumo forçado ou na solidariedade e na responsabilidade?” Cada um é, portanto, convidado a colocar em causa os comportamentos que concorrem para o aquecimento climático (desperdício de energia, excesso de prendas e de comida…) e a privilegiar os laços que unem os habitantes do planeta. O site da campanha tem interessantes pistas de reflexão e inúmeros conselhos para agir. Em França ou em Portugal.
Pedindo que “Não confundamos a Terra com um peru” e que, “No Natal, aqueçamos os corações”, a campanha, conta o semanário La Vie, quer propor a cada pessoa uma reflexão sobre a sua própria responsabilidade em, simultaneamente, salvaguardar o planeta e agir solidariamente. Os movimentos signatários da campanha aproveitam o tempo de Natal para promover uma reflexão sobre o significado profundo desta quadra. “O essencial desta festa está no consumo forçado ou na solidariedade e na responsabilidade?” Cada um é, portanto, convidado a colocar em causa os comportamentos que concorrem para o aquecimento climático (desperdício de energia, excesso de prendas e de comida…) e a privilegiar os laços que unem os habitantes do planeta. O site da campanha tem interessantes pistas de reflexão e inúmeros conselhos para agir. Em França ou em Portugal.
terça-feira, 24 de novembro de 2009
A arte precisa de espiritualidade, o espiritual precisa da arte
Sábado passado, o Papa encontrou-se com 260 artistas de todo o mundo (predominância para os italianos). De Portugal, foi convidado o poeta José Tolentino Mendonça. O encontro decorreu na Capela Sistina (a foto é do tecto), com a envolvênca dos frescos de Miguel Ângelo. No sítio da Pastoral da Cultura pode agora ser lida uma tradução oficiosa do discurso de Bento XVI.
Uma proposta para este fim de tarde
Hoje, a partir das 18h30, a Fundação Mário Soares (Rua São Bento, em Lisboa), será o local de apresentação do livro "Dança dos Demónios - Intolerância em Portugal". Esta obra, coordenada pelo historiador José Eduardo Franco e por mim, inclui dez textos de grande qualidade sobre a oposição violenta a determinados grupos (seja essa violência física, dutrinal ou psicológica).
A lista de temas, pela ordem dos nomes que aparecem no convite ao lado, é a seguinte: Antifeminismo, Antiliberalismo, Anti-semitismo, Anti-islamismo, Antiprotestantismo, Antijesuitismo, Antclericalismo, Anticomunismo, Antimaçonismo e Antiamericanismo.
Para que se possa ter uma ideia do conteúdo do livro, fica aqui um texto adaptado da introdução do mesmo:
"O inferno são os outros"? Organizado em dez temas, este livro pretende mostrar que há movimentos e atitudes culturais que constroem uma história de que não se fala e permanecem como atavismos que só a consciência democrática e culturalmente fundada poderá vencer.
Os temas aqui reunidos falam de mitos de complô, estruturam-se na suspeita e na diabolização, no medo e na fobia, conduzem ora ao desejo de exclusão, ora à tentativa de absorção e apagamento da cultura do outro, ou ainda ao desenvolvimento de mecanismos sociais e culturais de limitação de direitos e liberdades.
Há uma forma mentis maniqueísta e intolerante, comum a todos estes fenómenos, que vê o Outro como inimigo a abater, como uma negação extrema do Nós. Seja qual for o grupo de que se fala – judeus ou muçulmanos, feministas, jesuítas, liberais ou maçons – ele é sempre tomado como secreto. Por vezes, as vítimas de uma determinada época histórica passam a carrascos no momento seguinte. E vice-versa. Outras vezes, o inimigo muda de rosto ou vários inimigos passam a alvo do mesmo preconceito.
Em todos os casos, esta demonização do outro ignora que a humanidade se construiu e continuará a construir precisamente na base de intersecções sucessivas. Contando com a colaboração de dez investigadores reconhecidos, cada texto perscruta a génese e evolução do fenómeno em causa, apresenta a sua doutrina ou traços ideológicos e estuda a sua recepção cultural, literária ou mental.
Este projecto constitui, assim, um contributo para a análise e compreensão histórica, cultural e ideológica das imagens construídas, em forma de abominação, em torno das diferentes mundividências, modos de estar, pensar e agir que se afirmaram em Portugal.
A lista de temas, pela ordem dos nomes que aparecem no convite ao lado, é a seguinte: Antifeminismo, Antiliberalismo, Anti-semitismo, Anti-islamismo, Antiprotestantismo, Antijesuitismo, Antclericalismo, Anticomunismo, Antimaçonismo e Antiamericanismo.
Para que se possa ter uma ideia do conteúdo do livro, fica aqui um texto adaptado da introdução do mesmo:
"O inferno são os outros"? Organizado em dez temas, este livro pretende mostrar que há movimentos e atitudes culturais que constroem uma história de que não se fala e permanecem como atavismos que só a consciência democrática e culturalmente fundada poderá vencer.
Os temas aqui reunidos falam de mitos de complô, estruturam-se na suspeita e na diabolização, no medo e na fobia, conduzem ora ao desejo de exclusão, ora à tentativa de absorção e apagamento da cultura do outro, ou ainda ao desenvolvimento de mecanismos sociais e culturais de limitação de direitos e liberdades.
Há uma forma mentis maniqueísta e intolerante, comum a todos estes fenómenos, que vê o Outro como inimigo a abater, como uma negação extrema do Nós. Seja qual for o grupo de que se fala – judeus ou muçulmanos, feministas, jesuítas, liberais ou maçons – ele é sempre tomado como secreto. Por vezes, as vítimas de uma determinada época histórica passam a carrascos no momento seguinte. E vice-versa. Outras vezes, o inimigo muda de rosto ou vários inimigos passam a alvo do mesmo preconceito.
Em todos os casos, esta demonização do outro ignora que a humanidade se construiu e continuará a construir precisamente na base de intersecções sucessivas. Contando com a colaboração de dez investigadores reconhecidos, cada texto perscruta a génese e evolução do fenómeno em causa, apresenta a sua doutrina ou traços ideológicos e estuda a sua recepção cultural, literária ou mental.
Este projecto constitui, assim, um contributo para a análise e compreensão histórica, cultural e ideológica das imagens construídas, em forma de abominação, em torno das diferentes mundividências, modos de estar, pensar e agir que se afirmaram em Portugal.
domingo, 22 de novembro de 2009
"Festa de Cristo Rei" - porquê e que sentido?
Comentário de Jean-Luc Ragonneau, redactor de Croire Aujourd'hui.
sábado, 21 de novembro de 2009
Qual choque de civilizações?
Não são as religiões a causa principal dos males da humanidade. É nos seus intérpretes que encontramos, absolutismos, lutas de poder, bipolarização entre bem e mal, "verdades" e "pecados", dominantes e dominados.
Onde Jesus vive, as pessoas de grande coração congregam.
Somos uma porta que nunca se tranca
Se sofres de qualquer tipo de dor,
Fica perto desta porta. Abre-a.
Foi num contexto parecido que o Profeta Muhammad [Maomé] se cruzou e conversou com os cristãos excluídos que escolheram outros caminhos de amor e fé, fugindo de alguma ortodoxia cristã. Com eles organizou tertúlias, procurou a fé, a razão, a saída da ignorância. Os ensinamentos de Jesus transmitidos por estes cristãos arabizados moldaram o pensamento e a espiritualidade árabe e muçulmana de formas profundas e desconhecidas.
Mawlana Rumi (séc XIII), por exemplo, um poeta sufi mundialmente conhecido, escreveu vários poemas sobre Jesus. Dizem que numa igreja cristã em Shiraz, no Irão, um verso de Rumi cravado em pedra, sobre a porta de entrada, diz o seguinte:
Onde Jesus vive, as pessoas de grande coração congregam.
Somos uma porta que nunca se tranca
Se sofres de qualquer tipo de dor,
Fica perto desta porta. Abre-a.
(Faranaz Keshavjee, em Crónicas de Uma Muçulmana
- excerto de um texto que pode ser lido na íntegra aqui.)
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Peça de Gil Vicente e conferências sobre Deus
O Teatro Nacional São João (TNSJ - Porto) apresenta, a partir de hoje, a peça de Gil Vicente “Breve Sumário da História de Deus”. No Porto, pode ser vista até 20 de Dezembro, de terça a sábado às 21h30 e ao domingo às 16h. De 8 a 31 de Janeiro de 2010, estará no Teatro Nacional D. Maria II (Lisboa).
Em paralelo com o espectáculo, acontece o ciclo de conferências “O que resta de Deus”. A primeira é no dia 26 de Novembro, às 18h30, no Salão Nobre do TNSJ, com José Tolentino Mendonça e Armando Silva Carvalho. Moderação de Jacinto Lucas Pires.
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
Interrogar a beleza
Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar, interroga a beleza do ar amplo e difuso;
interroga a beleza do céu, interroga a ordem das estrelas;
interroga o sol, que com o seu esplendor ilumina o dia;
interroga a lua, que com sua claridade modera as trevas da noite;
interroga as feras que se movem na água, que caminham sobre a terra, que voam no ar: almas que se escondem, corpos que se mostram; visível que se deixa guiar, invisível que guia. Interroga-os!
Todos te responderão: Vê-nos: somos belos! Sua própria beleza se dá a conhecer. Esta beleza imutável, quem a criou, senão a Beleza imutável?”
Santo Agostinho, Sermão CCXLI, 2: PL 38, 1134, texto evocado ontem, em Roma, por Bento XVI, numa catequese sobre a beleza das catedrais românicas e góticas.
interroga a beleza do céu, interroga a ordem das estrelas;
interroga o sol, que com o seu esplendor ilumina o dia;
interroga a lua, que com sua claridade modera as trevas da noite;
interroga as feras que se movem na água, que caminham sobre a terra, que voam no ar: almas que se escondem, corpos que se mostram; visível que se deixa guiar, invisível que guia. Interroga-os!
Todos te responderão: Vê-nos: somos belos! Sua própria beleza se dá a conhecer. Esta beleza imutável, quem a criou, senão a Beleza imutável?”
Santo Agostinho, Sermão CCXLI, 2: PL 38, 1134, texto evocado ontem, em Roma, por Bento XVI, numa catequese sobre a beleza das catedrais românicas e góticas.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Isto é uma igreja?
Há uma nova igreja cuja construção foi iniciada na zona do Restelo (Lisboa). Feia, a avaliar pela maquete, que se pode ver aqui. Com uma linguagem arquitectónica fora de tempo, no que a este tipo de construção diz respeito. Mesmo admitindo que, depois da discreção a que os templos católicos se remeteram na década de 60, as igrejas devem ter uma arquitectura que as diferencie do tecido urbano, esta é uma linguagem de imposição e não de diálogo, como diz o arquitecto Diogo Lino Pimentel na mesma notícia. Também a conjugação dos diversos corpos não funciona: um minarete de mesquita, um barco cortado a meio, um edifício de serviços a surgir do corte... Não vale tudo, mesmo quando um projecto é oferecido. Não há por aí outro arquitecto que ofereça outro projecto?
Já agora: usar o argumento de que a Igreja de São Vicente de Fora está fechada e precisa de obras (como se dizia aqui, citando o Fórum Cidadania Lisboa, pelo qual tenho grande respeito), é despropositado... As igrejas que precisam de obras devem ser recuperadas. Mas uma coisa tem que impedir outra, ainda por cima em locais diferentes da cidade? O projecto e a linguagem são outra discussão - e é essa que vale a pena.
Já agora: usar o argumento de que a Igreja de São Vicente de Fora está fechada e precisa de obras (como se dizia aqui, citando o Fórum Cidadania Lisboa, pelo qual tenho grande respeito), é despropositado... As igrejas que precisam de obras devem ser recuperadas. Mas uma coisa tem que impedir outra, ainda por cima em locais diferentes da cidade? O projecto e a linguagem são outra discussão - e é essa que vale a pena.
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Papa condena especulação no preço dos alimentos na abertura da cimeira da FAO
O Papa Bento XVI esteve esta manhã na cimeira da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), manifestando-se vigorosamente contra a "especulação" na produção de alimentos. Quando o pão quotidiano ainda é uma miragem para tantos milhões de pessoas, o Papa alertou para o risco de que a fome se torne "como algo estrutural, parte integrante da realidade sócio-política dos países mais débeis, objecto de resignada amargura, senão de indiferença".
A intervenção do Papa está resumida aqui e aqui. O texto integral do discurso de Bento XVI pode ser lido aqui (em espanhol; a alternativa é o italiano, também no sítio do Vaticano).
[Foto: © Maria Duarte Marujo]
A intervenção do Papa está resumida aqui e aqui. O texto integral do discurso de Bento XVI pode ser lido aqui (em espanhol; a alternativa é o italiano, também no sítio do Vaticano).
[Foto: © Maria Duarte Marujo]
Os «Vencidos do Catolicismo» - Militância e atitudes críticas (1958-1974)
Os «Vencidos do Catolicismo» - Militância e atitudes críticas (1958-1974) é o título de um livro de Jorge Revez que o Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa acaba de editar. Aborda "uma linha de pensamento e acção que conduziu um conjunto de pessoas à desilusão e não poucas vezes à ruptura com a própria Igreja".
O ponto de partida - que, de resto, contém o título do livro - é um poema de Ruy Belo que começa assim:
Nós os vencidos do catolicismo
que não sabemos já donde a luz mana
haurimos o perdido misticismo
nos acordes dos carmina burana
"Partindo deste poema e do seu contexto - escreve o autor - procurámos compreender as atitudes críticas de um conjunto de católicos, face à instituição eclesial, desde a década de 50, quando o projecto de recristianização da sociedade portuguesa conheceu um período de abrandamento que culminaria com a campanha para a Presidência da República do General Humberto Delgado, em 1958, até ao 25 de Abril de 1974, data da Revolução dos Cravos, que poria fim ao Estado Novo, iniciando um processo de transição no qual os católicos participam activamente".
Um excerto da introdução pode ser lido no site do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.
O ponto de partida - que, de resto, contém o título do livro - é um poema de Ruy Belo que começa assim:
Nós os vencidos do catolicismo
que não sabemos já donde a luz mana
haurimos o perdido misticismo
nos acordes dos carmina burana
"Partindo deste poema e do seu contexto - escreve o autor - procurámos compreender as atitudes críticas de um conjunto de católicos, face à instituição eclesial, desde a década de 50, quando o projecto de recristianização da sociedade portuguesa conheceu um período de abrandamento que culminaria com a campanha para a Presidência da República do General Humberto Delgado, em 1958, até ao 25 de Abril de 1974, data da Revolução dos Cravos, que poria fim ao Estado Novo, iniciando um processo de transição no qual os católicos participam activamente".
Um excerto da introdução pode ser lido no site do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.
domingo, 15 de novembro de 2009
Bento Domingues: "A laicidade não é inocente"
"Crucifixos e laicidade" é o título da coluna dominical de Bento Domingues, no Público. reflecte o alcance da recente decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos relativa à queixa contra a presença de um crucifixo numa escola, concluindo que a escola pública não tem religião nem pode usar símbolos religiosos. Eis o texto:
1.Segundo os meios de comunicação, perante a queixa de uma mãe, Soile Lautsi, que, em 2002, exigiu a retirada dos crucifixos na escola pública de Vittorino da Feltre (Pádua), onde os seus filhos estudavam, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, acaba de lhe dar razão - a escola pública não tem religião nem pode usar símbolos religiosos - e condena o Estado italiano a pagar-lhe uma multa de cinco mil euros por danos morais.
Esta decisão é considerada, por uns, como lamentável, por outros, como uma decisão histórica na afirmação da laicidade do ensino público e na defesa da liberdade individual em matéria religiosa na Europa. Na Itália, a sua rejeição parece bastante generalizada, o Governo italiano vai recorrer da decisão e o Vaticano está de acordo.
Em Portugal, em 2005, este tema prometia um balão de polémicas. Pela voz de D. Carlos Azevedo, então porta-voz da CEP, foi esvaziado com declarações muito descontraídas, cheias de bom senso, que não davam para alimentar a ira dos laicistas. Da parte do Governo também não houve nenhuma vontade de precipitação e, em várias instâncias, foi-se abrindo caminho para soluções que respeitem a laicidade, a liberdade de crer e não crer e a presença das religiões na escola pública, para aqueles que não as consideram fonte de alucinação.
2.Continuaremos, no entanto, confrontados com vários aspectos das problemáticas em torno desta questão, pois, nem o mundo nem a Europa esgotaram as suas surpresas nos séculos XIX e XX. Felizmente, dispomos, entre nós, de algumas referências que podem ajudar a não ser simplistas com soluções abstractas que não tenham em conta a complexidade do devir histórico das sociedades e mentalidades. Destaco uma obra incontornável, de perspectiva histórica, de Fernando Catroga, com prefácio de Anselmo Borges (1), e um texto indispensável de Eduardo Lourenço, elaborado nas fronteiras da história cultural, da filosofia e da teologia, lembrando que a laicidade não é inocente se não comporta distância em relação à tentação de se fechar sobre si como "discurso de verdade" (2).
A laicidade pode ser vista, antes de mais, como um processo histórico desencadeado como efeito da secularização, isto é, da perda de influência social da religião e da sua capacidade configuradora da história, manifestada na autonomia da ciência, da política, da filosofia, da economia e da própria moral. A partir do Vaticano lI, redescobriu-se oficialmente que a própria autocompreensão do cristianismo exige a autonomia das realidades temporais. Por outro lado, a essência da laicidade não está na separação entre o Estado e a Igreja ou a religião e a política e nem se limita, sequer, à questão religiosa. Como observa o historiador Émile Poulat, o que está em jogo na laicidade é, antes de mais, uma concepção do ser humano e o papel da consciência individual. O facto da separação da esfera civil e política da esfera religiosa e eclesiástica só atinge o seu verdadeiro sentido quando essa separação é posta ao serviço da primazia da consciência e da defesa da liberdade humana.
3.Não basta, por isso, considerar a laicidade como um valor e um património histórico, cultural e político comum à Europa e à cultura ocidental, ignorando a sua raiz e origem profundamente religiosas e, concretamente, cristãs. Foi nesse contexto que nasceu e se desenvolveu. É difícil compreender a sua génesis e sentido fora da matriz que o cristianismo lhe proporcionou.
É certo que os processos de laicidade e sua implantação se desenvolveram em confrontações abertas com a religião e com a Igreja, rompendo com a sua abusiva tutela. Apesar dessa beligerância, não se pode esquecer que as noções de pessoa e humanismo, de autonomia e liberdade e direitos humanos ou da própria noção de separação do poder político e religioso só se tornam compreensíveis a partir da tradição cristã e judaico-cristã. Para Marcel Gauchet, como para vários outros analistas, a concepção laica da realidade do mundo, da natureza e do vínculo social constituiu-se, essencialmente, no interior do campo religioso, alimentou-se da sua substância e encontrou, aí, o meio para desabrochar como expressão das suas virtualidades fundamentais.
O quadro dualista, em que se tem movido a confrontação entre Igreja e Estado, religião e política, tornou-se insuficiente para entender as novas formas de expressão religiosa, a visibilidade pública da fé e as manifestações públicas do religioso no mundo actual. Como nota o já citado Émile Poulat, "a Igreja e a religião perderam o estatuto público de que gozavam no espaço público e, com ele, deixaram de ser um poder, mas encontraram um lugar legítimo na sociedade civil - essa grande família de corpos intermédios entre o Estado e os cidadãos - a partir do qual podem continuar a ser uma autoridade. Serão referências, tanto mais autorizadas e desejadas, quanto mais afastarem qualquer tentação de dominação política, social, cultural, económica ou religiosa".
O seu reino não é o das querelas de imagens, mas o seguimento do Crucificado no serviço dos excluídos.
(1) Entre Deuses e Césares, Coimbra, Almedina, 2006.
(2) Religião - Religiões - Laicidade, in Europa e Cultura, Gulbenkian, 1998, pp. 71-78.
1.Segundo os meios de comunicação, perante a queixa de uma mãe, Soile Lautsi, que, em 2002, exigiu a retirada dos crucifixos na escola pública de Vittorino da Feltre (Pádua), onde os seus filhos estudavam, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, acaba de lhe dar razão - a escola pública não tem religião nem pode usar símbolos religiosos - e condena o Estado italiano a pagar-lhe uma multa de cinco mil euros por danos morais.
Esta decisão é considerada, por uns, como lamentável, por outros, como uma decisão histórica na afirmação da laicidade do ensino público e na defesa da liberdade individual em matéria religiosa na Europa. Na Itália, a sua rejeição parece bastante generalizada, o Governo italiano vai recorrer da decisão e o Vaticano está de acordo.
Em Portugal, em 2005, este tema prometia um balão de polémicas. Pela voz de D. Carlos Azevedo, então porta-voz da CEP, foi esvaziado com declarações muito descontraídas, cheias de bom senso, que não davam para alimentar a ira dos laicistas. Da parte do Governo também não houve nenhuma vontade de precipitação e, em várias instâncias, foi-se abrindo caminho para soluções que respeitem a laicidade, a liberdade de crer e não crer e a presença das religiões na escola pública, para aqueles que não as consideram fonte de alucinação.
2.Continuaremos, no entanto, confrontados com vários aspectos das problemáticas em torno desta questão, pois, nem o mundo nem a Europa esgotaram as suas surpresas nos séculos XIX e XX. Felizmente, dispomos, entre nós, de algumas referências que podem ajudar a não ser simplistas com soluções abstractas que não tenham em conta a complexidade do devir histórico das sociedades e mentalidades. Destaco uma obra incontornável, de perspectiva histórica, de Fernando Catroga, com prefácio de Anselmo Borges (1), e um texto indispensável de Eduardo Lourenço, elaborado nas fronteiras da história cultural, da filosofia e da teologia, lembrando que a laicidade não é inocente se não comporta distância em relação à tentação de se fechar sobre si como "discurso de verdade" (2).
A laicidade pode ser vista, antes de mais, como um processo histórico desencadeado como efeito da secularização, isto é, da perda de influência social da religião e da sua capacidade configuradora da história, manifestada na autonomia da ciência, da política, da filosofia, da economia e da própria moral. A partir do Vaticano lI, redescobriu-se oficialmente que a própria autocompreensão do cristianismo exige a autonomia das realidades temporais. Por outro lado, a essência da laicidade não está na separação entre o Estado e a Igreja ou a religião e a política e nem se limita, sequer, à questão religiosa. Como observa o historiador Émile Poulat, o que está em jogo na laicidade é, antes de mais, uma concepção do ser humano e o papel da consciência individual. O facto da separação da esfera civil e política da esfera religiosa e eclesiástica só atinge o seu verdadeiro sentido quando essa separação é posta ao serviço da primazia da consciência e da defesa da liberdade humana.
3.Não basta, por isso, considerar a laicidade como um valor e um património histórico, cultural e político comum à Europa e à cultura ocidental, ignorando a sua raiz e origem profundamente religiosas e, concretamente, cristãs. Foi nesse contexto que nasceu e se desenvolveu. É difícil compreender a sua génesis e sentido fora da matriz que o cristianismo lhe proporcionou.
É certo que os processos de laicidade e sua implantação se desenvolveram em confrontações abertas com a religião e com a Igreja, rompendo com a sua abusiva tutela. Apesar dessa beligerância, não se pode esquecer que as noções de pessoa e humanismo, de autonomia e liberdade e direitos humanos ou da própria noção de separação do poder político e religioso só se tornam compreensíveis a partir da tradição cristã e judaico-cristã. Para Marcel Gauchet, como para vários outros analistas, a concepção laica da realidade do mundo, da natureza e do vínculo social constituiu-se, essencialmente, no interior do campo religioso, alimentou-se da sua substância e encontrou, aí, o meio para desabrochar como expressão das suas virtualidades fundamentais.
O quadro dualista, em que se tem movido a confrontação entre Igreja e Estado, religião e política, tornou-se insuficiente para entender as novas formas de expressão religiosa, a visibilidade pública da fé e as manifestações públicas do religioso no mundo actual. Como nota o já citado Émile Poulat, "a Igreja e a religião perderam o estatuto público de que gozavam no espaço público e, com ele, deixaram de ser um poder, mas encontraram um lugar legítimo na sociedade civil - essa grande família de corpos intermédios entre o Estado e os cidadãos - a partir do qual podem continuar a ser uma autoridade. Serão referências, tanto mais autorizadas e desejadas, quanto mais afastarem qualquer tentação de dominação política, social, cultural, económica ou religiosa".
O seu reino não é o das querelas de imagens, mas o seguimento do Crucificado no serviço dos excluídos.
(1) Entre Deuses e Césares, Coimbra, Almedina, 2006.
(2) Religião - Religiões - Laicidade, in Europa e Cultura, Gulbenkian, 1998, pp. 71-78.
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quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Músicas que falam com Deus (3) - Istambul, de Jordi Savall
Istambul (ou Constantinopla) foi, durante séculos, lugar de encruzilhadas geográficas, culturais, religiosas e políticas. Tal como outras cidades – Tessalónica ou Jerusalém, por exemplo –, atraiu a si pessoas idas de diferentes latitudes, culturas ou credos.
Um dos notáveis que viveram na cidade foi Dimitrie Cantemir (1673-1723), príncipe da Moldávia, que chegou a Istambul em 1693, com 20 anos. Ali viveu cerca de duas décadas, primeiro como penhor da fidelidade do seu pai ao sultão, depois como representante diplomático do pai e do irmão enquanto governadores da Moldávia.
Interessado por história, pelo estudo das religiões e da filosofia, artes e música, ficou conhecido como intérprete de tanbur, uma espécie de alaúde, no qual seria exímio: “Nenhum constantinopolitano podia tocar melhor que ele”, escrevia o cronista Ion Neculce, citado por Jordi Savall no livro que acompanha o disco. Cantemir reuniu na antologia “Livro da Ciência da Música” 355 composições (nove das quais compostas por ele próprio) naquela que é a mais importante colecção de música instrumental otomana dos séculos XVI
e XVII conhecida.
No disco, Jordi Savall coloca em diálogo a música do “Livro da Ciência da Música”, da corte otomana do século XVII, com a música tradicional sefardita (dos judeus oriundos de Espanha e Portugal) e arménia, populações acolhidas no império da Sublime Porta e representadas nos músicos da corte. O disco recria esse ambiente reunindo músicos da Turquia, Arménia, Israel, Marrocos e Grécia, além dos do Hespèrion XXI. Como nota Savall, sabemos muito pouco do Império Otomano. Por isso este disco é também uma revelação do gosto pela música numa nação com reputação de bárbara no Ocidente.
(Istanbul, de Dimitrie Cantemir, interpretado por Hespèrion XXI com direcção de Jordi Savall; Alia Vox, 2009; info: vgm@plurimega.com)
[Texto publicado na revista Além-Mar, de Novembro de 2009]
Sobre o futuro da Igreja Católica
De John L. Allen Jr., correspondente em Roma da revista National Catholic Reporter, acaba de ser publicado The Future Church: How Ten Trends Are Revolutionizing the Catholic Church (Doubleday, 2009).
Não tendo ainda tido acesso ao livro, deixo aqui a indicação de uma recensão ("A new Catholic horizon") e do blog criado pelo autor para comentar e acompanhar o percurso da obra agora lançada.
Foi igualmente disponibilizado um extracto do qual transcrevo:
Não tendo ainda tido acesso ao livro, deixo aqui a indicação de uma recensão ("A new Catholic horizon") e do blog criado pelo autor para comentar e acompanhar o percurso da obra agora lançada.
Foi igualmente disponibilizado um extracto do qual transcrevo:
"Um catolicismo horizontal autêntico não poderá existir por um fiat hierárquico. Terá que vir ao de cima a partir da base, como expressão de uma vontade das pessoas de que algo seja feito. Esperar que o Vaticano ou os bispos actuem ou acusá-los de agir de maneira errada, não vai alterar muito as coisas. Não passa de clericalismo acreditar que tudo na igreja depende do clero, ou que nada de útil pode ser feito enquanto Roma não virar uma nova página. Uma tal posição interpreta mal tanto a teoria como a prática de como a mudança opera na igreja".
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
"Esqueçamos a hora de Inverno"
Não será chegado o tempo de nos emanciparmos do constrangimento imposto pelo Estado de todos vivermos à mesma hora? A pergunta é de Eduardo Jorge Madureira, parafraseando Elie Arié. A ler.
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
"O toque do presente"
"O toque do presente": com este título, escrevia ontem no jornal digital Página 1 o teológo e poeta José Tolentino Mendonça:
Como dizia Oscar Wilde, “o mais difícil de ver é o óbvio”. Sem dúvida, de todos os tempos interiores de que dispomos, o mais difícil de habitar é o tempo presente. O passado é um tempo até certo ponto confortável, pois está intacto mesmo quando o revemos nos seus ângulos dolorosos. O futuro também transmite essa impressão difusa de protecção. Mas o presente, o desafio do presente, o desafio do agora, da palavra, do sentimento, do gosto que é o meu presente, esse pede-nos quase sempre uma longuíssima viagem.
Há um texto de Cecília Meireles, intitulado “Canção Excêntrica” a que volto muito:
“Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.
Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.
Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.”
É verdadeiramente uma canção excêntrica mas que, numa hora ou noutra, acabamos por trautear. Ela centra-nos na experiência do tempo, no seu extenso drama, aquilo que a sabedoria grega transmite com o mito de “Kronos”, o deus implacável que come os seus próprios filhos! Muitas vezes (demasiadas vezes) a vida é essa experiência de desgaste, de devoração, experiência inexorável de declive e perda. Aí não há espaço para o presente. Se o tempo é deglutição infi nita, só nos apercebemos dele quando passou. Compreendemos o que as coisas são quando elas já não são. Esta é a terrível mas sapiente imagem que o mito nos lega. Há, porém, outra palavra – uma palavra em que os textos cristãos das origens insistiram muito: “Kairos”, isto é, o tempo entrevisto como qualidade, oportunidade, lugar da revelação e da surpresa.
A nossa vida está entre estas duas categorias: o Kronos, esse tempo que nos cavalga, e o Kairos, esse tempo que nos reaproxima da vida como território da revelação criativa de nós próprios.
Como dizia Oscar Wilde, “o mais difícil de ver é o óbvio”. Sem dúvida, de todos os tempos interiores de que dispomos, o mais difícil de habitar é o tempo presente. O passado é um tempo até certo ponto confortável, pois está intacto mesmo quando o revemos nos seus ângulos dolorosos. O futuro também transmite essa impressão difusa de protecção. Mas o presente, o desafio do presente, o desafio do agora, da palavra, do sentimento, do gosto que é o meu presente, esse pede-nos quase sempre uma longuíssima viagem.
Há um texto de Cecília Meireles, intitulado “Canção Excêntrica” a que volto muito:
“Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.
Se volto sobre o meu passo,
é já distância perdida.
Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.”
É verdadeiramente uma canção excêntrica mas que, numa hora ou noutra, acabamos por trautear. Ela centra-nos na experiência do tempo, no seu extenso drama, aquilo que a sabedoria grega transmite com o mito de “Kronos”, o deus implacável que come os seus próprios filhos! Muitas vezes (demasiadas vezes) a vida é essa experiência de desgaste, de devoração, experiência inexorável de declive e perda. Aí não há espaço para o presente. Se o tempo é deglutição infi nita, só nos apercebemos dele quando passou. Compreendemos o que as coisas são quando elas já não são. Esta é a terrível mas sapiente imagem que o mito nos lega. Há, porém, outra palavra – uma palavra em que os textos cristãos das origens insistiram muito: “Kairos”, isto é, o tempo entrevisto como qualidade, oportunidade, lugar da revelação e da surpresa.
A nossa vida está entre estas duas categorias: o Kronos, esse tempo que nos cavalga, e o Kairos, esse tempo que nos reaproxima da vida como território da revelação criativa de nós próprios.
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Crucificado
1. De novo se inicia uma onda de debates que parece querer retomar mais um episódio da novela global das mesquinhos tentativas de destruição da memória cristã do ocidente. Evocando retorcidas razões, cujo fundamento, à custa de tão encoberto, parece evidente, pretende-se de novo, agora a um nível dito europeu, eliminar símbolos religiosos (cristãos) de espaços públicos, de que sobressai, evidentemente, a imagem do crucifixo, que parece ser aquela que provoca mais incómodos – e como poderia não ser assim?
Da minha parte, não quero aqui debater razões de peso de ordem histórico-sociológica. Prefiro concentrar-me numa dimensão mais teológica, com resultados culturais que me parecem de monta e que, normalmente, não são abertamente discutidos – estratégia que faz parte do tal encobrimento dos fundamentos. De qualquer modo e a respeito da questão sócio-cultural, não resisto a deixar ao leitor duas citações de dois actuais (ainda) «mestres da suspeita», que sobre o tema me parecem insuspeitos, pois nem são crentes nem de «direita».
Num texto de Jürgen Habermas, sociólogo neo-marxista de Frankfurt, podemos ler: “Não acredito que nós, europeus, pudéssemos compreender seriamente conceitos como moralidade, pessoa, individualidade, liberdade e emancipação sem absorvermos a substância do pensamento histórico-salvífico de origem judaico cristã… Sem a mediação socializante… das grandes religiões mundiais, este potencial semântico poderá um dia tornar-se inacessível” (Nachmetaphysisches Denken).
Num outro texto, do conhecido sociólogo francês Alain Touraine, podemos também ler: “O ensino das religiões, das suas crenças como da sua história, não é certamente um atentado à laicidade; pelo contrário, é o silêncio imposto sobre as realidades religiosas que é um atentado inaceitável ao espírito de objectividade e de verdade de que a escola laica se reclama” (Pourrons-nous vivre ensemble?). Quem tiver ouvidos para ouvir… e inteligência sócio-histórica para compreender, que medite sobre o que eles, herdeiros da secularização, já conseguem dizer.
2. Mas a questão em debate pode assumir, ainda, outra vertente – ou outra face da mesma moeda. Afinal, o que pode significar o crucifixo?
Não se trata, para que sejamos claros, de um símbolo de marca religiosa, como os actuais símbolos de markting, de clube, ou mesmo de partido político. Se assim fosse, na actual proliferação dos «clubes» religiosos, seria legítimo não privilegiar o markting de nenhum – mesmo que a maioria esmagadora de cristãos, na sociedade portuguesa o pudesse, de algum modo, legitimar.
Mas o crucifixo, enquanto memória simbólica e imagética do Crucificado e de tudo o que Ele significa para o ser humano, pretende-se um símbolo universal. Por isso, interpela e dirige-se a todos, não apenas aos cristãos.
Nele denuncia-se, antes de mais, toda a violência vitimadora de inocentes, sejam eles quem forem: independentemente da raça, sexo, nação, religião, estado de vida, perfeição, idade, etc. Nele revela-se, para além disso, que Deus – neste caso, o Deus em que acreditam os cristãos – é solidário com essas vítimas de injustiça e que não se encontra do lado dos poderosos vitimadores. Nele anuncia-se, portanto, que, se assim é, essa vitimação e todo o sofrimento daí resultante não terão a última palavra sobre o destino do ser humano, mas que se realizará a promessa da vitória da justiça sobre a injustiça. Nele manifesta-se, para nós, que o caminho dessa vitória é, precisamente, o da solidariedade, sofredora, com todas as vítimas que, à nossa volta, nos interpelam com o seu grito – e não o trajecto vitorioso do herói que, exaltado culturalmente, rasga o caminho da vitória à custa da vitimação dos outros (a propósito, não resisto a aconselhar o leitor a que aprofunde o assunto, lendo sobretudo os textos de Johann Baptist Metz, sobre o sofrimento humano, e os textos de René Girard, sobre a violência e a vitimação – é pena que esses pensadores fundamentais não sejam inseridos no debate...).
Será que, numa cultura que se torna progressivamente apática ou insensível ao sofrimento das vítimas inocentes, o crucifixo se tornou incómodo e indesejado? Será que, numa sociedade que pretende esconder a dura realidade da injustiça e de outros modos de sofrimento, através de neutralização mediática e consumista, o crucifixo continua a ser – como sempre o foi – sinal de contradição e de denúncia da auto-satisfação em que nos pretendemos?
Se assim é e se, por essa razão, eliminarem o crucifixo da nossa paisagem e da nossa memória, cabe aos cristãos assumir profeticamente a mediação da voz silenciosa do Crucificado, anunciando corajosamente que o ser humano não se deixar neutralizar assim tão facilmente.
João Duque
Director Adjunto da Faculdade de Teologia – Núcleo de Braga
[texto publicado no site da diocese de Braga]
Da minha parte, não quero aqui debater razões de peso de ordem histórico-sociológica. Prefiro concentrar-me numa dimensão mais teológica, com resultados culturais que me parecem de monta e que, normalmente, não são abertamente discutidos – estratégia que faz parte do tal encobrimento dos fundamentos. De qualquer modo e a respeito da questão sócio-cultural, não resisto a deixar ao leitor duas citações de dois actuais (ainda) «mestres da suspeita», que sobre o tema me parecem insuspeitos, pois nem são crentes nem de «direita».
Num texto de Jürgen Habermas, sociólogo neo-marxista de Frankfurt, podemos ler: “Não acredito que nós, europeus, pudéssemos compreender seriamente conceitos como moralidade, pessoa, individualidade, liberdade e emancipação sem absorvermos a substância do pensamento histórico-salvífico de origem judaico cristã… Sem a mediação socializante… das grandes religiões mundiais, este potencial semântico poderá um dia tornar-se inacessível” (Nachmetaphysisches Denken).
Num outro texto, do conhecido sociólogo francês Alain Touraine, podemos também ler: “O ensino das religiões, das suas crenças como da sua história, não é certamente um atentado à laicidade; pelo contrário, é o silêncio imposto sobre as realidades religiosas que é um atentado inaceitável ao espírito de objectividade e de verdade de que a escola laica se reclama” (Pourrons-nous vivre ensemble?). Quem tiver ouvidos para ouvir… e inteligência sócio-histórica para compreender, que medite sobre o que eles, herdeiros da secularização, já conseguem dizer.
2. Mas a questão em debate pode assumir, ainda, outra vertente – ou outra face da mesma moeda. Afinal, o que pode significar o crucifixo?
Não se trata, para que sejamos claros, de um símbolo de marca religiosa, como os actuais símbolos de markting, de clube, ou mesmo de partido político. Se assim fosse, na actual proliferação dos «clubes» religiosos, seria legítimo não privilegiar o markting de nenhum – mesmo que a maioria esmagadora de cristãos, na sociedade portuguesa o pudesse, de algum modo, legitimar.
Mas o crucifixo, enquanto memória simbólica e imagética do Crucificado e de tudo o que Ele significa para o ser humano, pretende-se um símbolo universal. Por isso, interpela e dirige-se a todos, não apenas aos cristãos.
Nele denuncia-se, antes de mais, toda a violência vitimadora de inocentes, sejam eles quem forem: independentemente da raça, sexo, nação, religião, estado de vida, perfeição, idade, etc. Nele revela-se, para além disso, que Deus – neste caso, o Deus em que acreditam os cristãos – é solidário com essas vítimas de injustiça e que não se encontra do lado dos poderosos vitimadores. Nele anuncia-se, portanto, que, se assim é, essa vitimação e todo o sofrimento daí resultante não terão a última palavra sobre o destino do ser humano, mas que se realizará a promessa da vitória da justiça sobre a injustiça. Nele manifesta-se, para nós, que o caminho dessa vitória é, precisamente, o da solidariedade, sofredora, com todas as vítimas que, à nossa volta, nos interpelam com o seu grito – e não o trajecto vitorioso do herói que, exaltado culturalmente, rasga o caminho da vitória à custa da vitimação dos outros (a propósito, não resisto a aconselhar o leitor a que aprofunde o assunto, lendo sobretudo os textos de Johann Baptist Metz, sobre o sofrimento humano, e os textos de René Girard, sobre a violência e a vitimação – é pena que esses pensadores fundamentais não sejam inseridos no debate...).
Será que, numa cultura que se torna progressivamente apática ou insensível ao sofrimento das vítimas inocentes, o crucifixo se tornou incómodo e indesejado? Será que, numa sociedade que pretende esconder a dura realidade da injustiça e de outros modos de sofrimento, através de neutralização mediática e consumista, o crucifixo continua a ser – como sempre o foi – sinal de contradição e de denúncia da auto-satisfação em que nos pretendemos?
Se assim é e se, por essa razão, eliminarem o crucifixo da nossa paisagem e da nossa memória, cabe aos cristãos assumir profeticamente a mediação da voz silenciosa do Crucificado, anunciando corajosamente que o ser humano não se deixar neutralizar assim tão facilmente.
João Duque
Director Adjunto da Faculdade de Teologia – Núcleo de Braga
[texto publicado no site da diocese de Braga]
domingo, 1 de novembro de 2009
Podem roubar-nos tudo, menos a esperança
Aos 81 anos, Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix de Araguaia (Brasil), deu uma entrevista à revista Pueblos, aqui transcrita na íntegra, onde fala da pobreza, da teologia da libertação, do papel da política na transformação da realidade, do consumismo e ambiente. Numa das perguntas, os entrevistadores recordam um encontro de Casaldáliga com Fidel, há 20 anos, em que o líder cubano dizia que a teologia da libertação fez mais pela transformação da realidade latino-americana que milhões de livros sobre marxismo.
O bispo recorda a propósito: "Una de las críticas que se le hace a la Teología de la Liberación por parte de los conservadores es que se trata de una teología muy materialista, que se preocupa mucho de intereses materiales, de necesidades físicas y olvida el espíritu, la oración. Ante eso, yo reivindicaría tres o cuatro trazos que serían indispensables en la Iglesia de Cristo: el primero, la opción por los pobres; el segundo, conjugar fe y vida; el tercero, la Biblia en manos del pueblo; cuarto, la solidaridad auténticamente fraterna."
Vale a pena ler esta voz, que continua profética.
O bispo recorda a propósito: "Una de las críticas que se le hace a la Teología de la Liberación por parte de los conservadores es que se trata de una teología muy materialista, que se preocupa mucho de intereses materiales, de necesidades físicas y olvida el espíritu, la oración. Ante eso, yo reivindicaría tres o cuatro trazos que serían indispensables en la Iglesia de Cristo: el primero, la opción por los pobres; el segundo, conjugar fe y vida; el tercero, la Biblia en manos del pueblo; cuarto, la solidaridad auténticamente fraterna."
Vale a pena ler esta voz, que continua profética.
Tempo glorioso para a Bíblia
Na crónica deste domingo no Público, frei Bento Domingues regressa ao tema da Bíblia para se referir também a uma presença portuguesa na Escola Bíblica e Arqueológica de Jerusalém: a de frei Francolino Gonçalves. Excertos do texto:
1.Nos confrontos, que vi e li, com José Saramago, por causa das suas declarações sobre Deus, as religiões e a Bíblia, a insistência recaía sempre no mesmo: “Saramago pronuncia-se, de forma rotunda, acerca do que ignora”. Ele, pelo contrário, declarava que conhecia suficientemente a Bíblia e os malefícios das religiões para poder dizer o que disse.
Longe de mim pensar que estes confrontos, nos meios de comunicação – atingem multidões –, sejam totalmente inúteis, embora não possam vencer a sua inerente superficialidade. Nestes casos, cada um reforça as suas posições. Quem não gosta de Saramago fica confortado: ele pensa que sabe tudo e não sabe. Quem gosta dos seus livros, das suas opções políticas e culturais lamenta o tom dos seus pronunciamentos, mas não perde a fé no escritor. (...)
2. De qualquer modo, este foi um tempo glorioso para a Bíblia, em Portugal. Veremos se terá ou não consequências duradoiras.
(...) O famoso dominicano Marie-Joseph Lagrange (1855-1938) fundou, em 1890, no meio de suspeitas e proibições, a Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É o mais antigo centro de pesquisa bíblica e arqueológica da Terra Santa, estabelecido nos espaços do convento dominicano de St-Étienne, convento fundado, em 1882, sob o nome de Escola Prática de Estudos Bíblicos, sublinhando a sua especificidade metodológica. Coroando anos e anos de investigação e de publicações científicas, surgiu a famosa Bíblia de Jerusalém (1956). Na altura, os exegetas insistiram na sua grande diferença: além da tradução dos originais do hebraico, aramaico e grego, apontava a contextualização histórica, dentro do ambiente físico e cultural, relativo à época em que cada livro foi escrito. Era uma obra que reflectia "a união do monumento e do documento", na linha de Lagrange, ligando "a arqueologia, a crítica histórica e a exegese dos textos". (...)
3. O catolicismo português viveu bastante alheio não só à revolução que tinha acontecido na investigação da Bíblia e dos seus mundos, como ao próprio movimento bíblico das Igrejas. Já não estamos, propriamente, nessa situação. Sem pretender fazer a história da viragem, temos de realçar o grande trabalho que os Padres Capuchinhos começaram a desenvolver a partir de 1951. (...) Na Internet é fácil medir o volume desse esforço. (...)
Este ano, muitos portugueses foram surpreendidos com a nomeação do dominicano, Francolino Gonçalves, para a Comissão Bíblica Pontifícia. Não admira. Está há 40 anos, investigando e ensinando, na já referida Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. (...) É urgente que um conjunto de estudos de Francolino Gonçalves, absolutamente fundamentais, dispersos por revistas portuguesas de escassa tiragem, seja publicado numa edição que destaque a sua importância para a cultura nacional.
1.Nos confrontos, que vi e li, com José Saramago, por causa das suas declarações sobre Deus, as religiões e a Bíblia, a insistência recaía sempre no mesmo: “Saramago pronuncia-se, de forma rotunda, acerca do que ignora”. Ele, pelo contrário, declarava que conhecia suficientemente a Bíblia e os malefícios das religiões para poder dizer o que disse.
Longe de mim pensar que estes confrontos, nos meios de comunicação – atingem multidões –, sejam totalmente inúteis, embora não possam vencer a sua inerente superficialidade. Nestes casos, cada um reforça as suas posições. Quem não gosta de Saramago fica confortado: ele pensa que sabe tudo e não sabe. Quem gosta dos seus livros, das suas opções políticas e culturais lamenta o tom dos seus pronunciamentos, mas não perde a fé no escritor. (...)
2. De qualquer modo, este foi um tempo glorioso para a Bíblia, em Portugal. Veremos se terá ou não consequências duradoiras.
(...) O famoso dominicano Marie-Joseph Lagrange (1855-1938) fundou, em 1890, no meio de suspeitas e proibições, a Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É o mais antigo centro de pesquisa bíblica e arqueológica da Terra Santa, estabelecido nos espaços do convento dominicano de St-Étienne, convento fundado, em 1882, sob o nome de Escola Prática de Estudos Bíblicos, sublinhando a sua especificidade metodológica. Coroando anos e anos de investigação e de publicações científicas, surgiu a famosa Bíblia de Jerusalém (1956). Na altura, os exegetas insistiram na sua grande diferença: além da tradução dos originais do hebraico, aramaico e grego, apontava a contextualização histórica, dentro do ambiente físico e cultural, relativo à época em que cada livro foi escrito. Era uma obra que reflectia "a união do monumento e do documento", na linha de Lagrange, ligando "a arqueologia, a crítica histórica e a exegese dos textos". (...)
3. O catolicismo português viveu bastante alheio não só à revolução que tinha acontecido na investigação da Bíblia e dos seus mundos, como ao próprio movimento bíblico das Igrejas. Já não estamos, propriamente, nessa situação. Sem pretender fazer a história da viragem, temos de realçar o grande trabalho que os Padres Capuchinhos começaram a desenvolver a partir de 1951. (...) Na Internet é fácil medir o volume desse esforço. (...)
Este ano, muitos portugueses foram surpreendidos com a nomeação do dominicano, Francolino Gonçalves, para a Comissão Bíblica Pontifícia. Não admira. Está há 40 anos, investigando e ensinando, na já referida Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. (...) É urgente que um conjunto de estudos de Francolino Gonçalves, absolutamente fundamentais, dispersos por revistas portuguesas de escassa tiragem, seja publicado numa edição que destaque a sua importância para a cultura nacional.
Seria injusto não haver Deus
Anselmo Borges escreveu neste sábado no DN sobre a morte e o mistério de Deus. Um excerto do texto que pode ser lido na íntegra aqui:
Para onde vão os mortos? Para o Silêncio. O mistério da morte é esse: dizemos que partiram, mas o que abala é não deixarem endereço. Na morte, a evidência é o cadáver. Mas quem se contenta com o cadáver? Por isso, a morte é o impensável que obriga a pensar e, enquanto formos mortais, havemos de perguntar por Deus.
Deus não é "objecto" de ciência, mas uma esperança, sobretudo quando se pensa nas vítimas inocentes. Como escreveu o agnóstico M. Horkheimer, um dos fundadores da Escola Crítica de Frankfurt, "se tivesse de descrever a razão por que Kant se manteve na fé em Deus, não saberia encontrar melhor referência do que aquele passo de Victor Hugo: uma anciã caminha pela rua. Ela cuidou dos filhos e colheu ingratidão; trabalhou e vive na miséria; amou e vive na solidão. E no entanto está longe de qualquer ódio e rancor, e ajuda onde pode... Alguém vê-a caminhar e diz: Ça doit avoir un lendemain!... Porque não foram capazes de pensar que a injustiça que atravessa a História seja definitiva, Voltaire e Kant postularam Deus - não para eles mesmos".
Para onde vão os mortos? Para o Silêncio. O mistério da morte é esse: dizemos que partiram, mas o que abala é não deixarem endereço. Na morte, a evidência é o cadáver. Mas quem se contenta com o cadáver? Por isso, a morte é o impensável que obriga a pensar e, enquanto formos mortais, havemos de perguntar por Deus.
Deus não é "objecto" de ciência, mas uma esperança, sobretudo quando se pensa nas vítimas inocentes. Como escreveu o agnóstico M. Horkheimer, um dos fundadores da Escola Crítica de Frankfurt, "se tivesse de descrever a razão por que Kant se manteve na fé em Deus, não saberia encontrar melhor referência do que aquele passo de Victor Hugo: uma anciã caminha pela rua. Ela cuidou dos filhos e colheu ingratidão; trabalhou e vive na miséria; amou e vive na solidão. E no entanto está longe de qualquer ódio e rancor, e ajuda onde pode... Alguém vê-a caminhar e diz: Ça doit avoir un lendemain!... Porque não foram capazes de pensar que a injustiça que atravessa a História seja definitiva, Voltaire e Kant postularam Deus - não para eles mesmos".
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