Memória
Em 1977, na revista Mission Abierta, escrevia o padre
Ignacio Ellacuría num artigo com o título Porque
morre Jesus e porque o matam: “A
comemoração da morte de Jesus até que ele volte não se realiza adequadamente
numa celebração cultual e mistérica, nem numa vivência interior da fé, mas
há-de ser a celebração crente de uma vida que segue os passos de quem foi morto
violentamente por quem não aceita os caminhos de Deus, tal como foram revelados
por Jesus.”
Texto profético, este. A 16 de
Novembro de 1989 – fez domingo passado 25 anos – militares salvadorenhos
assassinaram barbaramente Ellacuría e mais cinco companheiros – todos eles
padres jesuítas e professores na Universidade Centro Americana (UCA), de El
Salvador – além de duas mulheres (mãe e filha), funcionárias da UCA.
Filósofo e teólogo brilhante, um
dos expoentes da teologia da libertação, Ellacuría, nascido em 1930, dizia, no
texto citado, que Jesus foi morto “pela vida que teve e pela missão que cumpriu”.
E acrescentava: “Se desde um ponto de vista teológico-histórico pode dizer-se
que Jesus morreu pelos nosso pecados e para salvação dos homens, desde um ponto
de vista histórico-teológico há-de sustentar-se que o mataram pela vida que
teve. Não foi por acaso que a vida de Jesus fosse como foi; não foi tão pouco
ocasional que essa vida levasse à morte que teve. A luta pelo Reino de Deus
supunha necessariamente uma luta em favor do homem injustamente oprimido; esta
luta levou-o ao confronto com os responsáveis dessa opressão. Por isso morreu e
nessa morte venceu-os.”
Este texto, que pode ser lido em
castelhano, na íntegra aqui, foi um dos muitos publicados por
Ellacuría que, mesmo tendo chegado a reitor da UCA, nunca deixou de se
interessar pela sorte dos mais pobres, como se pode ler neste perfil biográfico, onde se evoca o carácter de um
homem que incomodava todos os poderes – quer os militares e governos
salvadorenhos, quer os oligarcas do país, como também os Estados Unidos, nessa
altura fortemente empenhados em apoiar as ditaduras e os governos militares
latino-americanos, quer ainda os rebeldes da FMLN – Frente Farabundo Martí de
Libertação Nacional. (Aqui podem encontrar-se notas biográficas sobre todos as
vítimas do atentado de 1989)
Naquele que é considerado por muitos
como um dos seus textos mais profundos, sobre Utopia e profetismo desde a América Latina, Ellacuría escrevia:
“Desde o ponto de vista cristão, há-de afirmar-se que os pobres hão-de ser não
só o sujeito passivo preferencial dos que têm poder, mas o sujeito preferencial
da história, especialmente da história da Igreja. A fé cristã defende – e esta
é uma questão dogmática que não pode ser contrariada, sob pena de mutilar
gravemente essa fé – que é neles que se encontra a maior presença real do Jesus
histórico e, portanto, a maior capacidade de salvação (libertação). Os textos
fundamentais das bem-aventuranças e o juízo final, entre outros, deixam saldado
este ponto com toda a clareza.” (o texto pode ser lido na íntegra aqui, também
em castelhano)
Vale a pena referir que, a
propósito dos 25º aniversário da morte de Ellacuría e companheiros (cinco
espanhóis e um salvadorenho), as universidades jesuítas espanholas publicaram
uma declaração conjunta, com o título Universidades ao serviço da transformação
social. O documento reflecte sobre a função social dos centros universitários
dos jesuítas, no serviço à sociedade e aos que mais sofrem e aponta: “Queremos que os
nossos graduados sejam capazes de analisar as raízes profundas das injustiças
estruturais que nos rodeiam, que tenham valor para comprometer a sua vida na transformação
deste mundo, que se sintam responsáveis do estado actual da humanidade, que
queiram ser agentes de mudança social.”
Este documento, que aponta aquele
que deveria ser o horizonte de qualquer universidade ou escola católica, pode ser
lido na íntegra aqui.
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