quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Ellacuría e companheiros: seguir Jesus até ser morto violentamente por quem recusa os caminhos de Deus

Memória


(ilustração reproduzida daqui)

Em 1977, na revista Mission Abierta, escrevia o padre Ignacio Ellacuría num artigo com o título Porque morre Jesus e porque o matam: “A comemoração da morte de Jesus até que ele volte não se realiza adequadamente numa celebração cultual e mistérica, nem numa vivência interior da fé, mas há-de ser a celebração crente de uma vida que segue os passos de quem foi morto violentamente por quem não aceita os caminhos de Deus, tal como foram revelados por Jesus.”
Texto profético, este. A 16 de Novembro de 1989 – fez domingo passado 25 anos – militares salvadorenhos assassinaram barbaramente Ellacuría e mais cinco companheiros – todos eles padres jesuítas e professores na Universidade Centro Americana (UCA), de El Salvador – além de duas mulheres (mãe e filha), funcionárias da UCA.
Filósofo e teólogo brilhante, um dos expoentes da teologia da libertação, Ellacuría, nascido em 1930, dizia, no texto citado, que Jesus foi morto “pela vida que teve e pela missão que cumpriu”. E acrescentava: “Se desde um ponto de vista teológico-histórico pode dizer-se que Jesus morreu pelos nosso pecados e para salvação dos homens, desde um ponto de vista histórico-teológico há-de sustentar-se que o mataram pela vida que teve. Não foi por acaso que a vida de Jesus fosse como foi; não foi tão pouco ocasional que essa vida levasse à morte que teve. A luta pelo Reino de Deus supunha necessariamente uma luta em favor do homem injustamente oprimido; esta luta levou-o ao confronto com os responsáveis dessa opressão. Por isso morreu e nessa morte venceu-os.”
Este texto, que pode ser lido em castelhano, na íntegra aquifoi um dos muitos publicados por Ellacuría que, mesmo tendo chegado a reitor da UCA, nunca deixou de se interessar pela sorte dos mais pobres, como se pode ler neste perfil biográficoonde se evoca o carácter de um homem que incomodava todos os poderes – quer os militares e governos salvadorenhos, quer os oligarcas do país, como também os Estados Unidos, nessa altura fortemente empenhados em apoiar as ditaduras e os governos militares latino-americanos, quer ainda os rebeldes da FMLN – Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional. (Aqui podem encontrar-se notas biográficas sobre todos as vítimas do atentado de 1989)

Naquele que é considerado por muitos como um dos seus textos mais profundos, sobre Utopia e profetismo desde a América Latina, Ellacuría escrevia: “Desde o ponto de vista cristão, há-de afirmar-se que os pobres hão-de ser não só o sujeito passivo preferencial dos que têm poder, mas o sujeito preferencial da história, especialmente da história da Igreja. A fé cristã defende – e esta é uma questão dogmática que não pode ser contrariada, sob pena de mutilar gravemente essa fé – que é neles que se encontra a maior presença real do Jesus histórico e, portanto, a maior capacidade de salvação (libertação). Os textos fundamentais das bem-aventuranças e o juízo final, entre outros, deixam saldado este ponto com toda a clareza.” (o texto pode ser lido na íntegra aqui, também em castelhano)
Vale a pena referir que, a propósito dos 25º aniversário da morte de Ellacuría e companheiros (cinco espanhóis e um salvadorenho), as universidades jesuítas espanholas publicaram uma declaração conjunta, com o título Universidades ao serviço da transformação social. O documento reflecte sobre a função social dos centros universitários dos jesuítas, no serviço à sociedade e aos que mais sofrem e aponta: “Queremos que os nossos graduados sejam capazes de analisar as raízes profundas das injustiças estruturais que nos rodeiam, que tenham valor para comprometer a sua vida na transformação deste mundo, que se sintam responsáveis do estado actual da humanidade, que queiram ser agentes de mudança social.”
Este documento, que aponta aquele que deveria ser o horizonte de qualquer universidade ou escola católica, pode ser lido na íntegra aqui.


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