sábado, 15 de novembro de 2014

Manoel de Barros, a poesia amarrada ao poste (19 de Dezembro de 1916 - 13 de Novembro de 2014)


In Memoriam


(Ilustração reproduzida daqui)

No momento do enterro do pai, a filha do poeta Manoel de Barros recitou um verso de que o autor gostava muito: “Do lugar onde estou, já fui embora”.
Manoel de Barros foi-se embora. Ou, como disse a neta, Joana de Barros, citada n'O Globo, “Ele virou passarinho”.
O autor de Arranjos para Assobio (1980) tinha um segredo para a sua arte, como recorda Luís Miguel Queirós no obituário que escreveu no Público: “Minhocas arejam a terra, poetas a linguagem.” No documentário Só dez por cento é mentira (2008), de Pedro Cezar, respondendo sobre como gostaria de ser lembrado, teve a seguinte resposta: “A gente nasce, cresce, amadurece, envelhece, morre. Para não morrer, tem que amarrar o tempo no poste. Eis a ciência da poesia: amarrar o tempo no poste”.
Amarre-se, então, ao poste, um dos exemplos da ciência de Manoel de Barros:

Venho de nobres que empobreceram.
Restou-me por fortuna a soberbia
Com esta doença de grandezas:
Hei de monumentar os insetos!
(Cristo monumentou a Humildade quando beijou os pés dos seus discípulos)
São Francisco monumentou as aves
Vieira, os peixes
Shakespeare, o Amor. A Dúvida, os tolos.
Charles Chaplin monumentou os vagabundos.
Com esta mania de grandeza:
Hei de monumentar as pobres coisas do chão mijadas de orvalho.

(Manoel de Barros, Poesia completa, ed. Caminho, 2011) 

(um agradecimento a Eduardo Jorge Madureira)

Sem comentários: