Livro e debates
Três debates assinalam, na próxima
semana, no Porto, Coimbra e Lisboa, a publicação do livro Deus Ainda Tem Futuro? (ed. Gradiva). Coordenado por Anselmo
Borges, o livro resulta do colóquio internacional Igreja em Diálogo 2013,
realizado em Valadares (Gaia), em Outubro de 2013. O livro inclui ainda textos
de Javier Monserrat e José Ignacio Gonzalez Faus, que não participaram no
colóquio. O prefácio é de Eduardo Lourenço.
Os debates decorrem dias 2, 3 e 4
de Dezembro (terça, quarta e quinta da próxima semana). Nos dois primeiros, o
tema é Deus na era da ciência e
participam Anselmo Borges, Carlos Fiolhais (professor do Departamento de Física
da Universidade de Coimbra) e Javier Monserrat (Universidade Autónoma de
Madrid). No Porto, dia 2, o debate
decorre na Fundação Cupertino de Miranda (Av. Boavista, 4245), a partir das
21h30. Em Coimbra, dia 3, será às
18h30, na Sala de São Pedro da Biblioteca Geral Universidade.
No dia 4, em Lisboa, na sede do Centro Nacional de Cultura (R. António
Maria Cardoso, 68, ao Chiado), a partir das 18h30, o tema é Futuro sem Deus? Aqui, intervêm Anselmo
Borges, Guilherme d’Oliveira Martins, presidente do CNC, Javier Monserrat e
Miguel Oliveira da Silva, presidente do Conselho Nacional de Ética para as
Ciências da Vida.
O livro aborda temas como o
problema de Deus e do sentido último da existência; a situação religiosa do
mundo contemporâneo; as representações e experiências de Deus no Ocidente e no
Oriente; o rosto feminino de Deus; a autonomia da ética; a ciência e a razão; a
genética, o animalismo, as neurociências, o trans-humanismo; a natureza e a
criação.
Entre os autores estão nomes
consagrados da teologia contemporânea como Paul Valadier, Juan Masiá, Andrés
Torres Queiruga, González Faus e José Arregui, além de Isabel Gómez-Acebo, uma
das autoras importantes da teologia no feminino. De outras áreas do saber vêm
nomes como Jean-Paul Willaime, Carlos Fiolhais, Miguel Castelo-Branco, Leandro
Sequeiros, Diego Gracia e Javier Monserrat, que cruza a filosofia, a neurologia
e a teologia.
No prefácio, com o título Suicidário Ocidente, Eduardo Lourenço
escreve: “Questão atrevida e que na verdade soa a blasfémia (ou soaria, se a
formulássemos em terras do islão) esta, que sabemos grave como nenhuma outra
para ocidentais em vésperas de descerem a noivas catacumbas: Deus ainda tem
futuro? Quando aquela, menos vertiginosa mas não menos apocalíptica, seria: o
Homem, a Humanidade, ainda tem futuro?”
Na introdução, Anselmo Borges como
que ensaia uma resposta, citando Karl Rahner: “A morte absoluta da palavra
‘Deus’, uma morte que eliminasse até o seu passado, seria o sinal, já não
ouvido por ninguém, de que o Homem morrera.”
Integração da pluralidade
Para debater este futuro de Deus –
e da humanidade – o livro percorre a realidade contemporânea, a partir de
várias áreas do saber. Jean-Paul Willaime, sociólogo da Sorbonne (Paris), diz
que, hoje, Deus viaja, é um migrante. E dá um exemplo: “em 1910 dois terços dos
cristãos viviam na Europa, hoje apenas aí vive um quarto. O cristianismo é cada
vez mais uma religião africana, asiática... aos mesmo tempo que o islão se
torna cada vez mais uma religião europeia.”
Perguntando se estamos a caminhar
rumo a uma sociedade pós-secular, Willaime caracteriza a realidade
contemporânea como a tradução de diferentes formas de ser religioso: há uma “integração
da pluralidade das religiões e visões do mundo na própria consciência dos
nossos contemporâneos” e a religião surge como factor identitário e recurso
ético. As afirmações religiosas tornam-se subculturas em sociedades que já não
são atestadoras das religiões, diz o sociólogo. Mas, conclui, “Deus ainda não
disse a sua última palavra”.
Carlos Fiolhais faz um percurso
pela relação entre ciência e divino, através das ideias e do trabalho de vários
cientistas. O professor de física recorda o caso Galileu, que dizia não se
sentir obrigado a acreditar “que o mesmo Deus que nos dotou com os sentidos,
razão e intelecto, pretenda que renunciamos à sua utilização para nos dar por
outros meios conhecimentos” que podemos obter por eles. E inclui no percurso o
físico e padre Georges Lemaitre, que desenvolveu a teoria do Big Bang, Newton, Max Planck ou Niels
Bohr, Prémio Nobel da Física em 1922 (um ano depois de Einstein).
O neurocientista Miguel
Castelo-Branco situa depois as relações entre neurociências e espiritualidade.
Do ponto de vista biológico, os seres humanos são profundamente espirituais, o
que quer dizer que ciência e espiritualidade são ambas necessárias, defende. Por
isso é importante um novo paradigma que olhe para o ser humano de forma
holística, em que mente e corpo se completam.
O médico, filósofo e bioeticista
espanhol Diego Gracia fala da secularização da ética. A ética tem a ver com a
experiência da justiça, a religião com a experiência do dom, propõe. São experiências
distintas e, de algum modo opostas: se tudo fosse regulável pela justiça, não
haveria espaço para o dom; se tudo fosse dom, não haveria espaço para a justiça.
“A religiosidade é uma experiência
transcendental que permeia e radicaliza a ética, sem com isso alterar a sua
especificidade e autonomia.. Não leva à anulação da moralidade, mas a torná-la
mais exigente, abrindo o espaço do que Paul Ricoeur chamou ‘supra-ética’. Basta
pensar nas bem-aventuranças ou na exortaçãoo a dar a outra face em caso de
ofensa ou no perdão aos inimigos, para compreender que estas não são exigências
que possam ser justificadas a partir da ética pura...”
Diego Gracia aponta ainda a
secularização como tentativa de purificar a experiência religiosa e de dotar a
sociedade moderna de autonomia em relação ao poder religioso – o que é benéfico
para a própria experiência religiosa.
Paul Valadier, teólogo jesuíta,
pergunta se há uma excepção humana, uma diferença em relação ao cosmos e às
espécies animais. O lugar único da espécie humana existe, no cristianismo, desde
a narrativa bíblica do Génesis. O Shabath (sábado) “abre um espaço que está
para além do trabalho quotidiano”, colocando a humanidade numa situação de
responsabilidade para consigo mesma e a natureza. A excepcionalidade humana está
“na possibilidade de trair o que é a nossa identidade mais alta: querermo-nos
seres de razão, por conseguinte, para o crente, querermo-nos filhos e filhas de
Deus”, afirma.
A mística será resistência
Leandro Sequeiros, paleontólogo da
Universidade Comillas (Madrid), fala das relações entre fé e ateísmos, bem como
de correntes como o criacionismo e o desígnio inteligente. Para concluir que o
Deus cristão não é o Deus de muitos ateus. “O ser humano tenta aceder às grandes
respostas sobre Deus e a criação a partir de perspectivas muito diferentes.”
Sobre essas diversas experiências
fala Juan Masiá, teólogo e filósofo jesuíta espanhol, que trabalhou durante
décadas no Japão. Com o título O Deus do
oriente e o Deus do Ocidente: a transformação inter-religiosa da fé, e
referindo-se ao encontro de religiões, mais do que às dinâmicas de diálogo
inter-religioso, Masiá caracteriza o Oriente como o interior e o Ocidente como
exterior, sendo necessário que ambos se conheçam mutuamente. “O nome futuro da
religião e da espiritualidade será a profundidade humana, a tomada de
consciência e o contacto com a dimensão de profundidade da vida.”
Também o biblista José Ignacio
González Faus, um dos mais importantes teólogos espanhóis da actualidade, que
não esteve em Valadares no ano passado, trata a Unicidade de Deus, pluralidade de místicas. Exprimindo reservas
quanto à expressão diálogo das religiões, o professor da Faculdade de Teologia
da Catalunha faz um percurso por aquilo que caracteriza como as místicas do ser
– hinduísmo, budismo e taoísmo – e pelas místicas da fé: judaísmo, cristianismo
e islão. E termina avisando contra os problemas da violência religiosa. “A
beleza não salvará o mundo”, escreve, “mas é um anúncio de que o mundo tem
salvação e o homem deve procurá-la. A sua mensagem de gratuidade torna-se assim
apelo que requer uma resposta, como acontece sempre com o amor gratuito. Por
isso, também aqui, a mística será resistência.”
Torres Queiruga, um dos nomes de
topo da teologia contemporânea, aborda A
teologia, a partir de “o Deus que cria por amor”. E resume: “a urgência
mais actual da teologia consiste em conseguir que a experiência radical da fé
se torne compreensível, credível, habitável e vivível para as mulheres e os
homens de hoje. Este, é claro, foi sempre o papel da teologia. Mas, no nosso
tempo, após a ruptura da Modernidade e a resposta lenta, relutante e em
conflito da teologia, ganhou urgência muito especial.” Cada cristão, acrescenta
o teólogo galego, tem de chegar a dizer: “Creio porque vejo racionalmente que é
assim e tenho fé.”
Javier Monserrat, que estará nos
debates da próxima semana mas também não participou no colóquio do ano passado,
escreve sobre A experiência moderna do
silêncio de Deus: uma mudança hermenêutica necessária para o cristianismo.
Uma das consequências dessa mudança, defende, deve levar a uma alternativa
hermenêutica que leve a “proclamar o kerigma
cristão no nosso tempo com a qualidade exigida”.
José Arregui, da Universidade de
Deusto (Bilbau, Espanha), trata O Deus de
Jesus, mais além, para lá da sua imagem de Deus. Partindo das diferentes
imagens do Jesus histórico, afirma que só se pode crer inteiramente no Deus de
Jesus, se se entender o mistério de ternura e libertação, para lá das palavras
e imagens concretas do próprio Jesus. Este pensava em Deus como rei e juiz,
como alguém omnipotente e eterno. “Mas Jesus – como todo o crente e, além
disso, como profeta –transcendeu, na sua fé e na sua vida, as suas
representações de Deus.” Jesus foi provocador, inovador e infractor e não lhe
importavam os códigos morais da época, ta como não lhe importava o pecado, mas
o sofrimento. O perdão surge na medida em que cura, mas o que importava a Jesus
era a cura, insiste Arregui.
Isabel Gómez-Acebo fala, a
propósito d’O rosto feminino de Deus,
da maternidade biológica de Deus: Ele leva no seu ventre todos os seres humanos,
ou mesmo toda a natureza, como tantas vezes se refere no Antigo Testamento.
“Não creio que seja uma casualidade que a palavra ‘misericordioso’, a mais
utilizada na Bíblia para falar de Deus, é rahamim, ventre materno no seu
significado hebraico, que se faz sinónima de compaixão e misericórdia.” Essa maternidade
biológica, acrescenta Gómez-Acebo, traduz-se ainda em expressões como dores de
parto, na entrega de João à mãe de Jesus, na metáfora do leite que amamenta ou
no descanso eterno nos braços da mãe, quando se fala do final da vida.
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A pintura e a poesia nos apelos do papa à Europa para manter viva a democracia dos povos
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