Disco
O primeiro espanto deste disco é o
da intensa espiritualidade que ele transmite, quer no Requiem, quer em Judas
(secundum Lucam, Johannem, Mathaeum et Marcum). Mesmo se ele pode parecer,
à primeira vez, um pouco mais difícil para ouvidos menos habituados à música
erudita contemporânea, a sua estrutura melódica tem momentos únicos e sublimes
– o sentido penitencial do Kyrie, a
exclamação do Confutatis maledictis,
o clamor do Sanctus, o sentido de
petição e entrega do Agnus Dei ou,
ainda, o grito de Libera me.
António Pinho Vargas, conhecido do
grande público essencialmente como compositor de jazz (tem dez discos
gravados), explica no texto que acompanha o disco que compor um Requiem é “responder” a uma imensa
história de criação musical. Trata-se de lidar com um texto litúrgico da
tradição cristã ocidental, mas que se refere também ao momento em que o homem
primitivo começou a enterrar os mortos – e, com isso, a dar um sentido
transcendente à sua vida.
Em termos cronológicos, no
entanto, a oratória Judas foi a
primeira peça a ser composta, em 2002. Nela está presente a tensão e a dimensão
trágica que tantas vezes a existência humana assume. Por isso, o Requiem (espécie de continuação da
primeira obra, mesmo se no disco aparece na ordem inversa), enquanto celebração
da passagem da vida terrena à vida eterna, assume também esse carácter de
tensão, de confronto com o limite e o absurdo.
Este sexto disco de Pinho Vargas
na área do clássico ou erudito traduz, assim, uma rara e bela dimensão
transcendente – mesmo se o seu autor se entende como agnóstico, confirmada pela
excelente execução do Coro e Orquestra Gulbenkian. Pena que uma editora como a
Naxos não tenha incluído um livreto mais completo, com os textos e, já agora,
informação também em português.
Autor: António Pinho Vargas
Intérpretes: Coro e Orquestra
Gulbenkian; dir. Joana Carneiro; Fernando Eldoro
Edição: Naxos
(texto publicado no número de
Dezembro da revista Mensageiro de Santo
António; mais informações e comentários
ao disco podem ser lidos na Além-Mar e também no sítio da Pastoral da Cultura)
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