quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Músicas que falam com Deus (31) - Um Requiem português espiritual e transcendente

       Disco




O primeiro espanto deste disco é o da intensa espiritualidade que ele transmite, quer no Requiem, quer em Judas (secundum Lucam, Johannem, Mathaeum et Marcum). Mesmo se ele pode parecer, à primeira vez, um pouco mais difícil para ouvidos menos habituados à música erudita contemporânea, a sua estrutura melódica tem momentos únicos e sublimes – o sentido penitencial do Kyrie, a exclamação do Confutatis maledictis, o clamor do Sanctus, o sentido de petição e entrega do Agnus Dei ou, ainda, o grito de Libera me.
António Pinho Vargas, conhecido do grande público essencialmente como compositor de jazz (tem dez discos gravados), explica no texto que acompanha o disco que compor um Requiem é “responder” a uma imensa história de criação musical. Trata-se de lidar com um texto litúrgico da tradição cristã ocidental, mas que se refere também ao momento em que o homem primitivo começou a enterrar os mortos – e, com isso, a dar um sentido transcendente à sua vida.
Em termos cronológicos, no entanto, a oratória Judas foi a primeira peça a ser composta, em 2002. Nela está presente a tensão e a dimensão trágica que tantas vezes a existência humana assume. Por isso, o Requiem (espécie de continuação da primeira obra, mesmo se no disco aparece na ordem inversa), enquanto celebração da passagem da vida terrena à vida eterna, assume também esse carácter de tensão, de confronto com o limite e o absurdo.
Este sexto disco de Pinho Vargas na área do clássico ou erudito traduz, assim, uma rara e bela dimensão transcendente – mesmo se o seu autor se entende como agnóstico, confirmada pela excelente execução do Coro e Orquestra Gulbenkian. Pena que uma editora como a Naxos não tenha incluído um livreto mais completo, com os textos e, já agora, informação também em português.

Autor: António Pinho Vargas
Intérpretes: Coro e Orquestra Gulbenkian; dir. Joana Carneiro; Fernando Eldoro
Edição: Naxos

(texto publicado no número de Dezembro da revista Mensageiro de Santo António; mais informações e comentários ao disco podem ser lidos na Além-Mar e também no sítio da Pastoral da Cultura)


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