terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Papa Francisco nomeia quinze «doenças» da Igreja

Roberto Alborghetti

O papa Francisco elencou e explicou hoje quinze «doenças» que podem afetar os cristãos, especialmente os que detêm responsabilidades hierárquicas, durante a audiência membros da Cúria do Vaticano, por ocasião dos votos natalícios.
Da vanglória ao sentir-se indispensável, do esquecimento da espiritualidade à acumulação de dinheiro e poder, dos círculos fechados ao «terrorismo dos mexericos»: o papa apelou a um exame de consciência como preparação para o Natal.
Estas «doenças» e «tentações» não dizem respeito apenas à Cúria do Vaticano, mas «são naturalmente um perigo para cada cristão e para cada cúria, comunidade, congregação, paróquia, movimento eclesial».
«Seria belo pensar na Cúria romana como num pequeno modelo da Igreja, ou seja, como num corpo que procura seriamente e diariamente estar mais vivo, mais saudável, mais harmonioso e mais unido em si mesmo e com Cristo», afirmou.
Os colaboradores mais próximos do papa, como toda a Igreja, não podem viver «sem ter uma relação vital, pessoal» e «autêntica» com Cristo, realçou.
Francisco apresentou um «catálogo» das «doenças» eclesiais, na convicção de que ele pode contribuir para celebrar melhor o sacramento da Reconciliação.
  • A doença do sentir-se imortal ou indispensável
  • A doença da excessiva operosidade
  • A doença da excessiva planificação
  • A doença da má coordenação
  • A doença do Alzheimer espiritual
  • A doença da rivalidade e da vanglória
  • A doença da esquizofrenia existencial
  • A doença dos boatos e dos mexericos
  • A doença de divinizar os superiores
  • A doença da indiferença em relação aos outros
  • A doença da cara fúnebre
  • A doença do acumular
  • A doença dos círculos fechados
  • A doença do lucro mundano, dos exibicionismos



A doença do sentir-se imortal ou indispensável

«Uma Cúria que não faz autocrítica, que não se atualiza, que não procura melhorar, é um corpo doente». O papa recorda que uma visita aos cemitérios poderá ajudar a ver os nomes de muitas pessoas que «talvez pensassem que eram imortais, imunes e indispensáveis». É a doença daqueles que «se transformam em proprietários e se sentem superiores a todos, e não ao serviço de todos. Deriva muitas vezes da patologia do poder, do “complexo dos eleitos”, do narcisismo».

A doença da excessiva operosidade

Refere-se à que afeta quantos, como Marta na narrativa evangélica, «se imergem no trabalho, negligenciando “a melhor parte”: o sentar-se aos pés de Jesus». Francisco lembra que Jesus «chamou os seus discípulos para “repousarem um pouco”, por negligenciar o necessário repouso conduz ao stress e à agitação».

A doença da petrificação mental e espiritual

Atinge aqueles que «perdem a serenidade interior, a vivacidade e a audácia, e se escondem sob os papéis», deixando de ser «homens de Deus» e revelando-se incapazes de «chorar com aqueles que choram e alegrar-se com aqueles que se alegram».

A doença da excessiva planificação

Ocorre «quando o apóstolo planifica tudo minuciosamente» e acredita que assim fazendo «as coisas efetivamente progridem, tornando-se assim um contabilista ou um comerciante. Preparar bem as coisas é necessário, mas sem nunca cair na tentação de querer fechar e guiar a liberdade do Espírito Santo. É sempre mais fácil e cómodo repousar nas próprias posições estáticas e imutáveis».

A doença da má coordenação

É contraída por aqueles que «perdem a comunhão entre eles e o corpo perde a sua harmoniosa funcionalidade», tornando-se «uma orquestra que produz barulheira porque os seus membros não colaboram e não vivem o espírito de comunhão e de equipa».

A doença do Alzheimer espiritual

Traduz-se num «declínio progressivo das faculdades espirituais», causando «graves deficiências à pessoa». Constata-se em que «perdeu a memória» do seu encontro com Deus, em quem depende das próprias «paixões, caprichos e manias», em quem constrói «em torno a si muros e hábitos».

A doença da rivalidade e da vanglória

«Quando a aparência, as cores das vestes e as insígnias honoríficas se tornam o objetivo primário da vida. É a doença que nos conduz a ser homens e mulheres falsos e a viver um falso “misticismo” e um falso “quietismo”.

A doença da esquizofrenia existencial

É a de quem vive «uma vida dupla, fruto da hipocrisia típica do medíocre e do progressivo vazio espiritual que láureas ou títulos académicos não podem preencher». Atinge muitas vezes aqueles que, «abandonando o serviço pastoral, se limitam às tarefas burocráticas, perdendo assim o contacto com a realidade, com as pessoas concretas. Criam dessa forma um mundo paralelo, onde colocam de parte tudo o que ensinam severamente aos outros», tendo uma vida «escondida» e frequentemente «dissoluta».

A doença dos boatos e dos mexericos

«Apodera-se da pessoa tornando-a “semeadora de cizânia” (como Satanás), e em muitos casos «homicida a sangue frio” da fama dos próprios colegas e confrades. É a doença das pessoas covardes que, não tendo a coragem de falar diretamente, falam por trás das costas. Guardemo-nos do terrorismo dos boatos».

A doença de divinizar os superiores

Infeta aqueles que «lisonjeiam os superiores», vítimas «do carreirismo e do oportunismo» e «vivem o serviço pensando unicamente no que devem obter, e não no que devem dar». São «pessoas mesquinhas», inspiradas exclusivamente «pelo próprio egoísmo fatal». Pode também atingir os superiores «quando lisonjeiam alguns dos seus colaboradores para deles obterem a sua submissão, lealdade e dependência psicológica, mas o resultado final é uma verdadeira cumplicidade».

A doença da indiferença em relação aos outros

«Quando alguém pensa só em si mesmo e perde a sinceridade e o calor das relações humanas. Quando o mais especialista não coloca o seu conhecimento ao serviço dos colegas menos especialistas. Quando, por ciúme ou por astúcia se experimenta alegria ao ver o outro cair, em vez de o levantar e encorajar.»

A doença da cara fúnebre

É contraída pelas pessoas «carrancudas e severas, para as quais ser sério implica pôr uma cara de melancolia, de severidade, e tratar os outros – sobretudo os considerados inferiores – com rigidez, dureza e arrogância». «A severidade teatral e o pessimismo estéril são muitas vezes sintomas de medo e de insegurança de si. O apóstolo deve esforçar-se por ser uma pessoa cortês, serena, entusiasta e alegre, que transmite alegria.» Francisco convida à boa disposição e à autoironia: «Quanto bem nos faz uma boa dose de bom humor saudável».

A doença do acumular

«Quando o apóstolo procura preencher um vazio existencial no seu coração acumulando bens materiais, não por necessidade, mas apenas para se sentir seguro.»

A doença dos círculos fechados

Quando a «pertença a um pequeno grupo se torna mais fácil do que a pertença ao Corpo, e, em algumas situações, ao próprio Cristo. Também esta doença parte sempre de boas intenções, mas como o passar do tempo escraviza os membros, tornando-se “um cancro”».

A doença do lucro mundano, dos exibicionismos

«Quando o apóstolo transforma o seu serviço em poder, e o seu poder em mercadoria para obter lucros mundanos ou mais poderes. É a doença das pessoas que procuram insaciavelmente multiplicar poderes, e, para esse efeito, são capazes de caluniar, difamar e desacreditar os outros, até em jornais e revistas. Naturalmente para se exibirem e demonstrarem-se mais capazes do que os outros.» Uma doença que «faz muito mal ao corpo porque conduz as pessoas a justificar o uso de qualquer meio para alcançar tal objetivo, muitas vezes em nome da justiça e da transparência».

Francisco concluiu a intervenção recordando a «importância e a delicadeza» do serviço sacerdotal, e de «quanto mal poderá causar um só sacerdote que “cai” a todo o corpo da Igreja».

Andrea Tornielli
In "Vatican Insider"
Trad. / edição: Rui Jorge Martins in Pastoral da Cultura

Notas de atualização:

Neste resumo falta uma das doenças identificadas pelo Papa: a do «empedernimento» mental e espiritual, ou seja, "daqueles que possuem um coração de pedra e uma «cerviz dura» (Act 7, 51); daqueles que, à medida que vão caminhando, perdem a serenidade interior, a vivacidade e a ousadia e escondem-se sob os papéis, tornando-se «máquinas de práticas» e não «homens de Deus» (cf. Heb 3, 12). É perigoso perder a sensibilidade humana, necessária para nos fazer chorar com os que choram e alegrar-nos com os que estão alegres! É a doença daqueles que perdem «os sentimentos de Jesus» (cf. Flp 2, 5-11), porque o seu coração, com o passar do tempo, se endurece tornando-se incapaz de amar incondicionalmente o Pai e o próximo (cf. Mt 22, 34-40). De facto, ser cristão significa «ter os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus» (Flp 2, 5), sentimentos de humildade e doação, desprendimento e generosidade".

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