Crónica
Como o barro que se deixa moldar pelas mãos do artista, assim o artista (re)cria a linguagem de uma Procura num rebuliço interior que ganha uma estética. Uma estética com ética. O ritmo e a harmonia numa síntese entre a forma e o conteúdo.
Como o barro que se deixa moldar pelas mãos do artista, assim o artista (re)cria a linguagem de uma Procura num rebuliço interior que ganha uma estética. Uma estética com ética. O ritmo e a harmonia numa síntese entre a forma e o conteúdo.
A
intervenção humana na construção do «belo», de uma estética,
burilou também a conceção de Deus, fazendo de Deus uma «obra»
desenhada pelo próprio homem. Deus entende-se ou faz-se entender na
sensibilidade, no tempo que é agora e que, pela estética da
natureza, como «obra», ou da «obra» que resulta da natureza
humana, é também um tempo indefinido no espaço incontrolável.
Onde sopra o vento... a poesia e a arte podem ser a ignição do
divino.
Mas
se é pelos sentidos que se constrói o «belo» e a fé pode ganhar
força de atração, estará a estética de Deus condicionada pelas
aparências do sensível? Nada há no intelecto que não passe antes
pela escuta dos sentidos, pela “arte da escuta”, que, nas
palavras do poeta Tolentino de Mendonça, é também “um exercício
de resistência” (A mística do instante, 2014, Paulinas).
As
narrativas sobre o nascimento de Jesus revolucionam o conceito: Não
é o homem que se converte a Deus, é Deus que se converte ao homem
assumindo a sensibilidade e o sentimento nas mais elementares
fragilidades e nas maiores grandezas. O totalmente Outro é
totalmente próximo e o exercício da fé cristã arrisca-se a ser
tendencialmente incoerente porque o desafio é tremendamente radical.
Como vislumbrar a harmonia num percurso de insatisfação,
inquietação e procura incessantes?
Do
Eu para um Tu, pela descoberta da relação, o nascimento de um Nós
abrirá caminho à felicidade do Encontro dando sentido ético e
estético à própria existência.
No
sensível aparente da insondável arte momentânea e da poesia podem
revelar-se também as vias rápidas para Deus, um Deus que resiste,
teima e não desiste do homem. «Deus tem futuro?», perguntava-se há
dias num debate televisivo. Só haverá Deus no horizonte de uma
relação fértil em novidade e prenhe de criatividade, quando a
«minha» verdade se disser no encontro com a verdade do outro.
Com
o «belo» como fundamento, um presépio moldado pelo barrista, como
um tambor que surpreende ao rasgar a cândida monotonia dos manuais
litúrgicos, uma onda gigante que empurra o surfista, ou uma
fotografia artística do Papa em oração numa mesquita, podem ganhar
o valor estético dessa ética sem fronteiras. (Joaquim Franco, crónica publicada em SIC Online)
Sugestões
de leitura: Neste Natal (Difusora Bíblica) de Lopes Morgado;
Amor, silêncios e tempestades (Paulus) de José Luís Nunes
Martins; Na noite mora a promessa (Paulinas) de Isabel
Varanda.
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