quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Bispos dizem não ser necessário para já estudo dos casos de abuso sexual

Texto de António Marujo



Os cardeais António Marto (à esq.) e Manuel Clemente, esta quinta, 
na conferência de imprensa em Fátima: a metodologia seguida pela Obra da Rua 
“não é hoje, para o Estado e não só para o Estado, a maneira de responder a essas necessidades” 
(foto © Maria Wilton)

Conferência Episcopal Francesa criou uma comissão para averiguar abusos; nos EUA, bispos adiaram tomada de decisões concretas; em Portugal, patriarca admite desentendimento com o Estado sobre metodologia da Casa do Gaiato

Os bispos portugueses entendem que não é necessário fazer um estudo aprofundado da realidade dos abusos sexuais do clero, pelo menos no imediato: “Tudo é possível. Para já não tratámos disso directamente. O que nós fizemos foi publicar” um documento com directivas sobre o assunto, “que são suficientes” mas fazer mais do que isso, “para já, não está em cima da mesa”, disse  o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. Manuel Clemente, no final dos trabalhos da assembleia plenária, que desde segunda-feira, dia 12, esteve reunida em Fátima. 
“Tenhamos cuidado: neste campo, tudo é mau, mas nem tudo é igual”, alertou o patriarca de Lisboa, sublinhando que “cada caso é um caso” e apresentá-lo num conjunto pode incorrer em “distorção”. Por isso, acrescentou, deve haver “cuidado em analisar pessoalmente cada caso”, envolvendo todos os implicados na averiguação dos casos e na sua resolução. 
O cardeal Manuel Clemente acrescentou que “o tema já foi tratado” pela CEP que, em 2012, publicou directivas conjuntas para todas as 20 dioceses portuguesas. E ele “continua a ser acompanhado por todos” os bispos, disse ainda, no sentido de encaminhar cada caso “quer para as instâncias do Estado quer para as instâncias romanas”. Em Portugal, há vários casos conhecidos e já julgados pelos tribunais: um na Guarda, outro em Santarém, e ainda em Vila Real e Funchal
O presidente da CEP diz que os que foram resolvidos pela justiça civil “e não arquivados na justiça canónica têm seguido para Roma”, o que pode significar que a última decisão sobre os mesmos – ou sobre outros que venham a aparecer – pode ainda não ter sido tomada. Em todo o caso, avisou, é preciso “atender as pessoas, ouvir os queixosos, acompanhar as famílias e recorrer às autoridades se necessário, fazendo a análise de cada caso, encaminhar para o Estado e para as instâncias [do Vaticano], e deixar seguir o percurso”. 
Sobre a possibilidade de, à semelhança do que aconteceu na Alemanha ou em França, em que as respectivas conferências episcopais estabeleceram comissões independentes para averiguar o que se passou nas últimas décadas, o patriarca acrescentou: “Outras conferências episcopais foram por aí. Tudo é possível” mas, para já, a CEP entende não ser necessário seguir esse caminho. 

Da comissão francesa à “esperança” nos EUA 

No caso francês, a decisão foi tomada pelos bispos gauleses na semana passada, por uma “maioria massiva”, como relatava o La Croix, além de um grupo de trabalho constituído por bispos e especialistas de diferentes áreas ir debater, nos próximos tempos, um conjunto de outras medidas (aqui em inglês)
O objectivo da Conferência Episcopal Francesa é realizar “um trabalho de memória reunindo os relatos das vítimas”, “compreender melhor as razões que conduziram a estes actos” e “acentuar o trabalho de prevenção” com acções de sensibilização e prevenção”. 
Já nos Estados Unidos, onde a respectiva conferência episcopal esteve também reunida nesta semana, o clima é mais tenso: num editorial em forma de carta aberta dirigida aos bispos antes da assembleia, o National Catholic Reporter dizia: “Acabou. Vocês bateram no fundo, mas não por a última onda de más notícias ter resultado de uma decisão de fazer limpeza e dizer a verdade. Resultou, antes, de mais uma investigação. Em suma, vocês foram levados a declarações de contrição porque foram, mais uma vez, apanhados. Sim, a maioria dos casos são notícias velhas. Sim, o encobrimento foi projectado principalmente por bispos que já não desempenham o cargo ou já morreram. (...)A única coisa que não podem ser forçados a fazer é o que diriam que a nossa tradição sacramental exige: um profundo exame pessoal, dizer a verdade, implorar perdão e tomar uma resolução de emenda.”
A assembleia plenária dos bispos estado-unidenses terminou na quarta-feira, dia 14, sem decisões imediatas, mas como a promessa de “acções o mais forte possíveis, no prazo mais curto possível”, como forma de garantir lealdade ao Papa Francisco, como prometeu o cardeal Daniel DiNardo, bispo de Galveston-Houston e presidente da conferência. Citado no Crux, DiNardo dizia que tinha iniciado a assembleia com algum pessimismo, mas, no fim da reunião, já tinha mais esperança
Durante os trabalhos dos bispos, numa reunião paralela organizada por grupos críticos da actuação da hierarquia católica, uma das alegadas vítimas do cardeal McCarrick (no centro de um dos últimos casos conhecidos) apareceu a público pela primeira vez para falar da sua história. James Grein, assim se chama, disse que a condenação de McCarrick a uma vida de oração e solidão num mosteiro (antes de ser sujeito a um tribunal canónico) é um “passo necessário” para um mais longo processo de “reforma e recuperação da Igreja”. Apesar de ter sido abusado, Grein diz que continua a ter fé em Cristo, a rezar e jejuar. “A lei de Jesus é muito maior do que segredos pontifícios. Não é a Igreja de Francisco. É a Igreja de Jesus Cristo.”


James Grein na iniciativa Silence Stops Now (o silêncio acaba agora), em Baltimore, 
no dia 13 (foto Christine Rousselle/CNA, reproduzida daqui)

Todas estas notícias surgem no contexto da convocação, pelo Papa, de uma cimeira dos presidentes das conferências episcopais de todo o mundo, para debater o tema dos abusos sexuais. A cimeira decorrerá em Roma, entre 21 e 24 de Fevereiro

O “desentendimento” com o Estado na Casa do Gaiato 

Ainda em Fátima, e sobre o caso do encerramento d’O Calvário, casa de acolhimento de doentes pertencente à Obra da Rua, do Padre Américo, o presidente da CEP destacou a “abnegação” dos seus responsáveis, mas referiu também o “desentendimento” entre aquela instituição e o Estado no que diz respeito á metodologia seguida nas casas do gaiato. 
Na semana passada, responsáveis da Segurança Social foram a’O Calvário (Beire, Paredes) e levaram, praticamente todos os doentes, encerrando a casa numa operação que foi duramente criticada pelos responsáveis da Obra da Rua
“A proposta do padre Américo, quer em relação às crianças e jovens, quer em relação às pessoas doentes, contava muito com a participação dos próprios: os rapazes pelos rapazes, e também os doentes” a apoiar-se mutuamente. Há “muita abnegação”, insistiu Manuel Clemente, “mesmo” da parte do responsável d’O Calvário, mas a metodologia seguida pela Obra da Rua “não é hoje, para o Estado e não só para o Estado, a maneira de responder a essas necessidades”. 
“Nas reacções que ouvi a este caso, ainda permanece este desentendimento entre o método – que tem sido desenvolvido com muita abnegação, que é indiscutível, e que só temos de admirar –, e a insistência estatal” em mudar algumas práticas, afirmou o patriarca, dando a entender que é necessário que os seus responsáveis admitam essa alteração. 
No comunicado final da assembleia da CEPdestaca-se ainda que os bispos manifestaram “preocupação com notícias acerca do tráfico de pessoas, escravatura e exploração humana, também no nosso país”, pedindo “a maior atenção das autoridades e da sociedade a este problema”. “Não podíamos deixar de fazer este apelo”, porque é um caso que “brada aos céus”, como diz a expressão evangélica, disse D. Manuel. 
Por ocasião do centenário do fim da Grande Guerra de 1914-18, assinalado domingo passado, 11 de novembro, os bispos decidiram também manifestar “plena sintonia com as palavras” do Francisco na oração do Angelus(oração do meio-dia): “A página histórica do primeiro conflito mundial é para todos uma severa admoestação. (…) Parece que não aprendemos! Enquanto oramos por todas as vítimas daquela imensa tragédia, digamos com força: ‘apostemos na paz! Não à guerra!’. É essencial que a paz assente sempre na defesa da dignidade humana, na procura do bem comum, na solidariedade efectiva entre os povos, na caridade e na justiça, valores evangélicos inerentes à mensagem cristã.”

Já não há batatas e couves...

Os bispos decidiram ainda debater a uniformização de taxas, tributos e emolumentos em todas as dioceses portuguesas, havendo já um grupo de trabalho a funcionar, para se chegar à tomada de decisões mais tarde. Uma das preocupações procurará ter em conta as referências do Papa, de que os sacramentos não se vendem. Têm de se equilibrar duas expressões ditas por Jesus, acrescentou D. Manuel: “dai de graça o que recebestes de graça” e “todo o trabalhador merece o seu salário”. O que significa, acrescentou o patriarca, que “quem se dedica inteiramente à obra do evangelho tem de viver dignamente”. Mas “o que tem acontecido, até por questões de facilitação da vida das pessoas” é que o contributo das pessoas se faz, muitas vezes, “por ocasião dos sacramentos”. 
“Hoje em dia, viver, em meio urbano, quando não se tem batatas e couves ali ao lado, e os padres têm de se desfazer em deslocações”, as condições já não são as de antigamente, e tudo é mais caro, acrescentou o presidente da CEP. Por isso, a questão tem de ser resolvida de outra forma, “da maneira mais justa possível, com participação das próprias comunidades e com a maior transparência”. 
Na sequência do Sínodo dos Bispos sobre os jovens, que decorreu em Outubro, em Roma, a CEP está a pensar abrir as portas a que haja uma maior participação dos jovens na estruturas das comissões sectoriais que desenvolvem maior trabalho com as gerações mais novas: as comissões episcopais do Laicado e Família e a das Vocações e Ministérios. A representatividade dos jovens nas estruturas de decisão da Igreja é, mesmo, “uma das grandes acentuações” feitas pelo Sínodo, afirmou o patriarca. 

1 comentário:

Maria Teresa Frazão disse...

Li e reli
Quero «poisar» para comentador.
E tanto aplaudo o teu trabalho, António

Teresa Frazão