Texto de António Marujo
Tomáš Halík está em Lisboa para apresentar o seu novo livro: “Escrevo sobre mim,
mas também sobre meio século da história deste país no coração da Europa e, nomeadamente, da história da Igreja checa, repleta de graves provações.” (foto © Maria Wilton)
“Uma das grandes doenças e feridas da nossa vida é o populismo, o racismo e a xenofobia, o medo e o desespero... Este é o novo populismo, que é tão forte no nosso mundo”, diz o padre e teólogo Tomáš Halík, que está em Portugal até quinta-feira, dia 22, para quatro intervenções públicas – a mais importante das quais exactamente sobre o papel da “razão, esperança e fé numa era de populismo”, a propósito da publicação do seu novo livro Diante de Ti os Meus Caminhos (ed. Paulinas).
Em entrevista ao RELIGIONLINE, o autor de Paciência Com Deus acrescenta: “[O populismo] é uma doença e devemos – não apenas a Igreja, mas também os bons média, as universidades... – ser um hospital para curar essas feridas e actuar também como prevenção, para preparar as pessoas, para confrontar notícias falsas e todas essas coisas, no nosso mundo.”
O novo livro – que sucede aos títulos Paciência Com Deus, A Noite do Confessor, O Meu Deus é um Deus Ferido, Quero que Tu Sejas! e ainda a O Abandono de Deus, escrito com Anseln Grün, todos na Paulinas Editora – faz um percurso por memórias biográficas, a par com um conjunto de reflexões sobre o sentido da vida, a fé, a política, a Igreja, a clandestinidade e a liberdade. Num tom que, por vezes, se aproxima do registo das Confissões, de Santo Agostinho, Halík explica: “Escrevo sobre mim, mas também sobre meio século da história deste país no coração da Europa e, nomeadamente, da história da Igreja checa, repleta de graves provações.”
Tomáš Halík tem dedicado boa parte da sua obra à reflexão sobre a crença e a descrença. Em Paciência Com Deus, o livro que o tornou conhecido em Portugal, ele começa por dizer que muitas vezes concorda com os ateus, mesmo em quase tudo.
Nascido em Praga em 1948, ordenado padre ainda na clandestinidade e sujeito a forte vigilância por parte da polícia secreta, Halík interessou-se desde cedo pela filosofia e pela intervenção política. Tinha 20 anos quando a então União Soviética e seus aliados enviaram meio milhão de soldados, seis mil carros de combate e 800 aviões para invadir a Checoslováquia e pôr fim à “Primavera de Praga”, o movimento que tentou dar um “rosto humano” ao comunismo checo. Em Janeiro de 1969, o jovem estudante integrava também o grupo onde se incluía Jan Palach, que se imolou pelo fogo em protesto contra a ditadura comunista, acontecimento que marcaria Halík para a vida inteira.
Nascido no seio de uma família de tradição cristã, mas sem prática religiosa, Halík foi-se reaproximando do cristianismo: primeiro, na sua expressão hussita, do nome de Jan Huss (1369-1415) que, um século antes de Lutero, tentou iniciar um movimento de reforma da Igreja; depois, na expressão católica, acabando mesmo por frequentar um seminário teológico clandestino para ser padre.
Ordenado em Erfurt (Alemanha de Leste), em 1978, trabalhou depois também como psicoterapeuta de toxicodependentes. A formação nessa área permite-lhe hoje, também, fazer afirmações muito cáusticas sobre as fragilidades de uma parte dos membros do clero nos modos de viver o celibato.
Após a Revolução de Veludo que, em 1989, pôs fim à ditadura, Tomáš Halík foi conselheiro do Presidente Vaclac Havel, que chegou a propor que o seu amigo padre lhe sucedesse no cargo, o que Halík recusou, preferindo seguir outros caminhos. É esse trajecto cívico, político, cultural e religioso, e também as hesitações e dúvidas que sentiu – mesmo em relação ao celibato – que o autor de A Noite do Confessor descreve em Diante de Ti os Meus Caminhos.
A primeira intervenção pública de Tomáš Halík acontece na manhã desta quarta-feira, 21, mas apenas para alunos da Universidade Católica, em Lisboa. Às 18h30, no Colégio São João de Brito, o teólogo checo fará uma grande conferência pública sobre o tema Fazer que o mundo volte a pensar – razão, esperança e fé numa era de populismo. Na quinta, 22, decorre uma sessão de autógrafos na livraria Paulinas (R. Morais Soares, 56 A), entre as 15h30 e as 16h30. Às 18h30, na Capela do Rato (Calç. Bento da Rocha Cabral, 1 B), será a vez de uma conversa sobre o novo livro. A entrada é livre e as sessões decorrem em inglês, com tradução simultânea.
A entrevista de Tomáš Halík será publicada no RELIGIONLINE na próxima sexta-feira, dia 23.
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