Texto e fotos de Maria Wilton
A atmosfera é pacífica, tranquila. Neste dia de 2 de Novembro, dia dos Fiéis Defuntos na liturgia católica, no Cemitério dos Prazeres, um dos mais importantes de Lisboa, há flores frescas sobre algumas campas e à porta de jazigos que são a última casa para muitos que já partiram.
Durante toda a manhã, entram visitantes, sobretudo idosos, transportando ramos de flores. Alguns fazem-se acompanhar por amigos ou familiares, outros chegam sozinhos. Perguntados acerca das razões de ali estarem, preferem não falar. “Aí está: hoje a morte é tabu, mais: vivemos numa sociedade assente sobre o tabu da morte, tendo nele o seu fundamento. Da morte não se fala”, escrevia o padre Anselmo Borges, sábado passado, no Diário de Notícias.
As pessoas dirigem-se aos jazigos de família para limpar, lembrar quem ali está e recolher-se em alguns momentos de oração. Num cemitério em que muitos dos túmulos têm vista para a ponte 25 de Abril, há mais campas embelezadas do que jazigos, possivelmente tendo em conta a morte mais recente.
Outros chegam ao local apenas com mapas da cidade na mão. O cemitério, imponente, um marco do bairro de Campo de Ourique, encontra-se referenciado em vários guias turísticos, convidando os visitantes a “enterrar percepções mórbidas” e aventurar-se por este “museu a céu aberto”.
Erguido em 1833 pela necessidade de criar grandes cemitérios, depois de um surto de cólera ter atingido a cidade de Lisboa, este é o segundo maior cemitério da capital, a seguir ao do Alto de São João (que data do mesmo ano).
Hoje, é também casa para outros seres vivos: às dezenas, passeiam gatos entre os jazigos, dormindo em campas com flores ou descansando perto de mausoléus. Pouco incomodados pelo movimento à sua volta, encontram conforto na serenidade que o cemitério transmite.
(fotos © Maria Wilton)
“Que é morrer
senão erguer-se nu ao vento
e fundir-se com o sol?
– Gostaríeis de conhecer o segredo da Morte!
Mas como o encontrareis,
a não ser que o busqueis
no coração da vida?
Se verdadeiramente quereis contemplar
o espírito da morte,
abri de par em par o vosso coração
ao corpo da vida.
Porque a vida e a morte
são uma só coisa,
como são uma só coisa
o rio e o mar.”
(excertos de O Profeta, Khalil Gibran)
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