terça-feira, 13 de novembro de 2018

3 Milhões de Nós: outra linguagem, outra criatividade, para chegar a mais pessoas

Texto de Maria Wilton


Ricardo Araújo Pereira: 
Todos estão “à procura: não acredito em Cristo, mas acredito nos cristãos
(foto reproduzida daqui)

O encontro 3 Milhões de Nós pretendeu renovar a linguagem para aproximar a mensagem cristã dos jovens

“Eu fiz a escola primária num colégio de freiras vicentinas, depois estudei num colégio de padres franciscanos; depois, então, estudei num colégio de padres jesuítas e, no fim, Universidade Católica. Muitas vezes as pessoas perguntam-me se é por isso que eu sou ateu. E não é: eu sou ateu apesar disso.”
Foi assim que, entre muitas gargalhadas, o humorista Ricardo Araújo Pereira começou a sua intervenção no encontro 3 Milhões de Nós, que encheu a Aula Magna, em Lisboa. Sábado passado, 10 de Novembro, cerca de 1700 pessoas – jovens, na maior parte – ouviram um conjunto de convidados a falar sobre temas como a espiritualidade, o mundo do trabalho ou a família. O título da iniciativa remete para o facto de, em Portugal, haver cerca de três milhões de pessoas com menos de 25 anos, que o encontro pretendia atingir, com criatividade e novas linguagens, como diria a irmã Núria Frau, responsável da iniciativa. 
O humorista falou sobre viver a espiritualidade sem fé, partindo da sua experiência de, não sendo crente, ter frequentado escolas católicas. Destacou o impacto que para ele teve o “padre Joaquim”, um professor de Português do colégio dos padres franciscanos. Recentemente falecido, a sua recordação emocionou o fundador dos Gato Fedorento. Ricardo Araújo Pereira acrescentou que, enquanto ateu, está sempre a pensar no fim da vida e na sua finalidade ou propósito. Mas que, apesar disso, se considerava semelhante a quem tem fé: todos estão “à procura: não acredito em Cristo, mas acredito nos cristãos”. 




Um painel com frases escritas pelos participantes, 
no qual a frase de Ricardo Araújo Pereira foi reproduzida
(foto © Maria Wilton)

Acerca da experiência de ter fé falou também Zohora Pirbhai, da Comunidade Ismaili de Lisboa, um dos grupos muçulmanos mais importantes. A oradora pretendia dar outra perspetiva acerca do Islão. Assumindo-se como feminista e islâmica, salientou que, no seu modo de entender o seu islão, os dois conceitos não se excluem mutuamente.

Portugal “resiste à crise de fé”

Da experiência cristã falou o padre jesuíta Pedro Rocha Mendes, para quem os jovens continuam a tentar preencher a vida com algo mais: “O mundo em que vivemos”, virtual, descartável e instantâneo, como caracterizou, “está voltado para a satisfação imediata, mas todos nos apercebemos que a satisfação não gera felicidade, mas sim, mais insatisfação.” 
O padre Rocha Mendes acrescentou: “A melhor metáfora é a dos likes no Instagram ou no Facebook: quando alcanço os 1500, quero atingir os 2000 ou os 3000. E sentimos falta de alegrias que não sejam passageiras. E isso vem de viver a nossa vida segundo valores em que acreditamos: bondade, justiça e verdade.” O jesuíta apresentou três hipóteses para Portugal ter ainda um número tão elevado de jovens que se identificam como católicos: a ideia de que “resistimos a tudo” – até mesmo à secularização – e de que “somos tão maus que nem nisto do secularismo somos bons”. Ou ainda, a ideia de que a crise de fé ainda não atingiu Portugal, “porque estamos sempre atrasados”. No final, ainda propôs uma quarta alternativa: a crise de fé está a decorrer, mas Portugal está a resistir. 
Da parte da tarde, em vários painéis de debate, jovens, professores, educadores e pais refletiram sobre temas diversos. No painel sobre o voluntariado – que teve lotação esgotada – Catarina Furtado, apresentadora e responsável da organização Corações com Coroa, moderou uma conversa entre três coordenadores de diferentes tipos de trabalho voluntário. 




Debate sobre o voluntariado: 
tentar ver para lá das aparências e das emoções descartáveis 
(foto © Maria Wilton)

Filipe Fonseca falou dos voluntários de proximidade, aqueles que, no dia-a-dia, ajudam no trabalho, na rua, no metro, tentando ver “para lá das aparências e das emoções descartáveis”. Simão Oom referiu-se à remodelação de casas e vidas, o trabalho da organização Just A Change, para pessoas que não o conseguem fazer. E disse, brincando: “Isto não é o programa Querido Mudei a Casa, em que as pessoas vão embora da casa” e, quando voltam, a mudança está feita. Com os processos da Just a Change, “as pessoas estão idealmente envolvidas no processo de remodelação, ajudando como podem, nem que seja a oferecer lanche aos voluntários e, assim, criam-se laços.”





Ir. Núria Frau: Se a Igreja usar outra linguagem e outra criatividade, 
também consegue chegar a mais pessoas.
(foto © Maria Wilton)

Uma das responsáveis da iniciativa, a irmã Núria Frau, da Família Missionária Verbum Dei, ficou contente com os resultados. As suas expectativas para o dia prendiam-se mais com o bem que se podia fazer a partir do encontro: se “isto ajuda Jesus, se isto ajuda as pessoas e se as faz crescer”. E afirmava: “É uma graça indiscutível que as pessoas tenham respondido. Sinto que houve uma boa resposta e isso é sinal de que há necessidade. Se a Igreja usar outra linguagem e outra criatividade, também consegue chegar a mais pessoas. Porque a dificuldade é oferecer às pessoas o que elas precisam na linguagem que usam e respondendo à necessidade que sentem.”


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