quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Sete mil pessoas, 2800 km, dois meses, 600 horas a pé para fugir à pobreza e à violência

Texto de Maria Wilton


O percurso feito até agora pela caravana de migrantes hondurenhos. 
A cidade de McAllen, no Texas, é o destino fronteiriço, daqui a cerca de um mês. 

Eram aproximadamente umas sete mil pessoas, no início. Partiram, a 12 de outubro, de San Pedro Sula, a segunda maior cidade das Honduras, conhecida como a “Faixa de Gaza hondurenha”, por ser um centro de tráfico de droga e disputas entre gangues. Chegou a ser considerada a cidade mais violenta do mundo por causa da alta taxa de homicídios, mas atualmente está em 26º lugar na lista do Business Insider: em 2017, com uma população de 765.864 habitantes, ocorreram 392 homicídios. 
Esta não é a primeira caravana de migrantes que, da América Central, procura  chegar aos Estados Unidos, mas é a mais falada nos média. Demorará perto de dois meses ou quase 600 horas a pé. A maioria viaja a pé, mas muitos conseguem boleias em partes do percurso. Em várias reportagens divulgadas desde que a marcha se iniciou nas Honduras, a maioria dos migrantes diz querer escapar à pobreza e à violência. Há famílias a viajar com os filhos pequenos, na esperança de arranjar emprego e educação para os mais novos. Outros saíram, dizem, por se sentirem ameaçados diretamente por gangues. Esta é mesmo, segundo o Washington Post, a maior caravana de migrantes já registada:



As marchas em caravanas tornaram-se um modo mais económico para os migrantes passarem o México em segurança, uma vez que não têm de pagar a contrabandistas. Domingo passado, ao passar Tierra Blanca,  no estado de Veracruz, no México, muitos dos marchantes hesitaram ao chegar à auto-estrada principal, que passa numa zona com atividades criminosas organizadas e frequentes. 
Brian Delarta, 30 anos, viaja com a mulher e os dois filhos de 6 e 3 anos, como contou ao jornal USA Today: “É difícil, porque mesmo a viajar sente-se medo e inquietação.” À semelhança de muitos outros, tentou pedir boleia em vez de fazer aquele percurso a pé. E admite: “Estamos a andar com medo. Por isso é que nos mantemos juntos e unidos.”
Apesar dessa ideia inicial, o grupo tem vindo a diminuir e a partir-se em vários, ao longo do trajeto. Calcula-se, agora, que o grupo principal não tenha mais de mais cinco mil pessoas. Os sinais de desgaste são evidentes: fadiga, pés cansados, gripes e outras doenças. Os caminhantes dormem na rua ou em acampamentos improvisados, enfrentam a escassez de água limpa e, por vezes, também de comida. Ao chegar ao vale central do México, com altitudes superiores a dois mil metros e as temperaturas descem muito à noite, as dificuldades acrescem e o passo abranda um pouco mais. 
Apesar de, inicialmente, negar passagem aos migrantes, perante os acontecimentos recentes, o Governo mexicano lançou um plano para acolher os que queiram permanecer no país, a que deu o nome Estás en Tu Casa (“estás em tua casa”). 


Aos caminhantes, o plano oferece vistos e licenças de emprego temporárias, assistência médica, alojamento em hostels locais e escola para as crianças. Segundo o Ministério da Administração Interna mexicano, 2793 migrantes terão pedido asilo e outros 500 pediram ajuda para regressar ao seu país, apesar de a revista Time ter noticiado que os migrantes rejeitaram a proposta para ficar no México. 
As últimas notícias do grupo, relatadas por alguns média como a revista Timedavam conta da chegada à Cidade do México, onde o Governo colocou um estádio desportivo à disposição para ponto de abrigo, pronto a acolher mais de cinco mil pessoas. A norte da Cidade do México, a capital federal, alguns migrantes visitaram a Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe, um dos maiores santuários católicos do mundo, para agradecer a Nossa Senhora por olhar por eles na viagem.
A este ritmo, a caravana está a cerca de um mês da chegada à fronteira mais próxima dos Estados Unidos, a cidade de McAllen, no estado do Texas (a cerca de mil quilómetros da Cidade do México).
Segundo notícia da BBC, quando os caminhantes chegarem aos Estados Unidos, há obrigação legal de as autoridades analisarem os seus pedidos de asilo. Para serem aceites, estes devem ser baseados em fatores como o medo grave de perseguição. Segundo a lei internacional, a ser provado, esse argumento levaria à consideração dos requerentes de asilo como refugiados. Mesmo que os migrantes entrem nos Estados Unidos ilegalmente, continuam a ter direito a uma audiência para que o seu pedido seja verificado.  Mas tentar escapar à pobreza e procurar uma melhor qualidade de vida não os qualifica como refugiados. 

Um bispo contra Trump

A grande cobertura mediática desta caravana deriva, em parte, da grande oposição do Presidente dos Estados Unidos à entrada de imigrantes ilegais no país. Na campanha para as eleições intercalares de terça, 6 de Novembro, Donald Trump, considerou a caravana como “uma grande ameaça” ao país.
“Quando se olha para a caravana que aí vem, não é isto que queremos”, disse a uma multidão de apoiantes em Pensacola, no estado da Flórida, sábado, dia 3 de novembro, à noite. “Queremos que as pessoas passem pelas nossas fronteiras mas tem de ser legalmente. Têm de passar por um processo e têm de entrar por mérito próprio”, afirmou.
A campanha para estas eleições intercalares levou o Partido Republicano, de Donald Trump, a produzir um anúncio que muitas pessoas consideraram racista e que poderia induzir o medo. O mesmo acabou por ser recusado pela rede social Facebook, e pelas cadeias de televisão NBC, CNN e até a Fox News, o canal de informação próximo dos republicanos.
O anúncio misturava imagens da caravana com as de um mexicano ilegal nos Estados Unidos que, em março, foi condenado pelo assassínio de dois polícias. O mesmo fazia ainda fortes acusações ao Partido Democrata.
Uma avaliação de riscos do ministério da Defesa dos EUA, divulgada pela CNBC, considera que a caravana não representa qualquer ameaça para o país. No entanto, a 30 de outubro, o Pentágono aprovou um pedido de tropas adicionais na fronteira sul, para ajudar a patrulha fronteiriça. Vozes críticas classificaram este pedido de reforço como uma manobra política, à porta das eleições intercalares. O secretário de Defesa, James Mattis, respondeu aos críticos: “O apoio que oferecemos à segurança nacional é apoio prático baseado em pedidos feitos pelos pela policia fronteiriça e alfândega. Não fazemos manobras neste departamento.”
O apelo e preocupação de Trump levaram à mobilização de grupos de vigilantes como o Minuteman Project, que pretende “observar, relatar e oferecer ajuda de todas as maneiras que conseguirem” à polícia fronteiriça, que o Washington Post define como “milícias” 
O exército americano regista este tipo de grupos mas, mesmo assim, alguns residentes da zona de Rio Grande, que liga o México e os EUA, não consideram este tipo de ajuda válida e não querem milícias armadas nas suas terras. 
A política de controlo de imigração foi uma das mais sublinhadas por Trump ao longo desta recente campanha. O Presidente quer acabar o muro de separação entre os Estados Unidos e o México e muitos dos seus apoiantes exibiam cartazes a dizer isso mesmo: “Finish the Wall” (“acaba o muro”). A parte do muro no Texas, cujo início de construção está programado para Fevereiro de 2019, terá um custo de 145 milhões de dólares (cerca de 127 milhões de euros) e o contrato já foi atribuído a uma construtora, segundo o USA Today 
O bispo da diocese texana de Brownsville, Daniel E. Flores, já afirmou que se opõe fortemente à construção do muro, já que uma porção teria de passar por um terreno que pertence à diocese: “O bispo tem grande respeito pelos homens e mulheres que tratam da segurança das fronteiras. No entanto, a propriedade da Igreja não deve ser utilizada para construir uma fronteira, já que a sua estrutura limitaria a liberdade para exercer a sua missão no Vale do Rio Grande e, de facto, seria um sinal contrário à missão da Igreja.”
O terreno em causa estende-se por 64 hectares e está localizado a sul de uma escola da diocese, num terreno pantanoso. A eventual construção do muro só precisaria de dois hectares, cujo custo seria reembolsado,  mas a diocese considera o argumento irrelevante. “Nesta disputa, há muito mais do que parece”, afirma Kevin Appleby, do Centro de Estudos sobre Migração de Nova Iorque, citado pelo Catholic News Service. “A Igreja tem sido considerada tradicionalmente um porto seguro para os imigrantes, tem defendido constantemente os seus direitos e, em geral, opõe-se a um muro de fronteira”, explicou Appleby. “De facto, o Governo também está a dirigir uma mensagem política e o bispo tem todas as razões para a combater”.

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