Texto de Maria Wilton
“Fui para o corredor da morte com 25 anos, em 1996. Quando fecharam a porta da minha cela e me vi sozinho, comecei a chorar. Não acreditava em Deus, sentia-me abandonado. Não podia compreender porque é que isto me tinha acontecido.” O relato é de Joaquín Martínez, 46 anos, equatoriano de nascimento. Em Portugal a convite da Comunidade de Sant’Egídio, Joaquín contou a sua história na Capela do Rato, em Lisboa, nesta quinta-feira, 29 de novembro. Num depoimento emocional, o ativista pretendeu transmitir a cruel realidade da pena de morte e a mais cruel realidade de ter sido condenado mesmo sendo inocente.
Em pequeno, o equatoriano viveu em Espanha por um curto período de tempo antes de emigrar para os Estados Unidos. Aqui permaneceria a maior parte da sua vida adulta – primeiro em Nova Iorque, depois em Miami: “Venho de uma boa família. Tive uma boa educação, estudei, não sou o prisioneiro típico.”
Aos 24 anos, vivia em Tampa, na Flórida, e estava a concretizar o “sonho americano”: tinha um bom carro, uma casa na praia e duas filhas pequenas. No entanto, estava a passar por um divórcio complicado, algo que, diz em jeito de brincadeira, “também fazer parte do sonho americano”.
Na altura, um caso de um assassinato de um casal teve grande atenção dos média: o homem era filho de um membro da polícia, chefe do departamento de provas.
No dia em que Sloane Martínez, ex-mulher de Joaquín Martínez, contactou a polícia, ela tinha descoberto que Joaquín planeava faltar à visita semanal das filhas para ir de férias com a sua nova namorada.
Depois de uma longa batalha em tribunal, com provas fabricadas e mentiras no depoimento da ex-mulher, Joaquín Martínez acaba no corredor da morte: “Infelizmente, queriam alguém para culpar e eu estava ali. Nos EUA, para ser condenado à pena de morte, o crime tem de reunir três coisas: ser cruel, atroz e inumano. E este tinha as três”, conta. “Foram três anos que estive no corredor da morte, mas pareceram trinta.”
Até então, Martínez era um forte apoiante da pena de morte. Depois de se ter visto nessa situação, mudou de ideias - mas por causa das pessoas que conheceu.
Culpado na vida, inocente na morte
No seu testemunho, Joaquín partilhou a história de Frank Lee Smith, colega e amigo no corredor da morte: “O Frank estava há catorze anos no corredor da morte. Um homem grande, enorme mesmo, de raça negra. No início, quando lá cheguei, via-o como assassino: ele tinha sido acusado de matar e violar uma menina de nove anos. Passado algum tempo, comecei a vê-lo como uma pessoa, tinha pena dele.”
Estar catorze anos no corredor da morte, conta, tinha deixado feridas muito profundas em Frank: “Gritava muito durante o sono. Às vezes até gritava que era inocente. Frequentemente, tentávamos que ele se calasse porque, se gritasse muito alto, os guardas iam lá dar-lhe pancada.”
Uma das vezes em que isso sucedeu, acabou na enfermaria e desapareceu durante um ano. “Achávamos que o tinham matado. Mas um dia, tive eu próprio que ir à enfermaria. E estava lá o Frank.” O amigo já não era um grande e forte, mas um homem pequeno e magro, algemado a uma cama. Tinha cancro e estava a morrer: “O problema não é ele ser culpado ou não, o problema é que ele morre sozinho no corredor da morte, após lá ter estado catorze anos, sem visitas de ninguém”, contou, emocionando-se.
Onze meses após a sua morte, em Dezembro de 2000, Frank Lee Smith foi declarado inocente, com base em testes de DNA que permitiram descobrir o verdadeiro culpado do crime. Frank Lee Smith estava inocente.
“O Frank tocou-me de forma muito especial, mudou a percepção na forma de eu ver a vida. A cada sítio que vou, falo sempre dele. Porque pessoas como ele são a razão que me levam a vir aqui.”
No ano seguinte, após muito apoio dos pais, atenção dos média e uma quantidade de campanhas de organizações, o caso de Joaquín Martínez teve direito a um novo julgamento.
Ao fim de três anos no corredor, Martínez foi declarado inocente: “Sou um sortudo, recebi um apoio que ninguém ali recebeu. Se eu fosse de outra minoria étnica e se não tivesse a família que tenho, estaria morto.”
Desde que está livre, refez a sua vida: mudou-se para Espanha, casou, teve mais três filhos e as primeiras duas filhas já lhe deram netos. Mas, conta, não foi fácil: “Quando saí, tudo me fazia chorar. Quando me perguntaram o que queria comer num restaurante chorei, porque tinha estado três anos sem liberdade de escolha na comida. Quando me sentava à mesa e havia talheres, chorava, porque comi durante três anos com uma colher de plástico, todos os dias.”
Perguntavam-lhe muitas vezes se continuaria a ser contra a pena de morte se a vítima fosse um seu ente querido. Durante algum tempo não teve resposta. Mas, em 2003, o seu pai foi atropelado em frente a um hospital, por um jovem de 17 anos, acabando por morrer.
“Antes de estar no corredor da morte, defendia a pena de morte porque achava que isso traria consolo às famílias das vítimas. Naquele momento, percebi que não havia nada que alivie a dor, nem mesmo matar quem o tinha feito.”
Esta, diz Joaquín, é a lição que quer que todos aprendam: “Não falo contra a pena de morte por estar contra os norte-americanos, mas sim por aquilo que a pena de morte representa – a falta de compaixão e amor pelo próximo."
Para o futuro, quer continuar a ser ativista pela causa, porque considera que é possível fazer progressos:
1 comentário:
Ora aqui está um testemunho que vale por mil argumentos teóricos!
Um sincero agradecimento.
Pe. António Janela
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