quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Pintasilgo: as coisas maiores


Livro

As fotografias de Helena Silva Costa mostram um olhar de quem perscruta o mundo, com serenidade, mesmo se entende a urgência de tanto que há a fazer. No texto que serve de pórtico a este "Maria de Lourdes Pintasilgo – Retratos Sem Moldura", Guilherme d’Oliveira Martins evoca esse mesmo sentimento: “Não esqueço uma das últimas conversas que tivemos. Senti-lhe a angústia de não ter tempo, e a serena revolta pelo facto de as burocracias serem cegas perante a necessidade de agir no sentido da justiça.”
Pintasilgo nunca foi entendida em Portugal. Desassossegada, ainda hoje muitos não lhe perdoam a independência, a originalidade e a criatividade. Menos ainda, a capacidade de sonhar cidades futuras, como diz o título de outra livro que a evoca. A sua casa e a sua família era o mundo. Queria que acabasse a fome e a miséria, que as mulheres tivessem um lugar digno nas sociedades, que a riqueza fosse melhor distribuída por todos, que o ambiente fosse respeitado, que as novas gerações não vissem o seu futuro hipotecado.
A tudo isso, ela passou a chamar “cuidar o futuro” – título do relatório da Comissão Independente População e Qualidade de Vida, a que ela presidiu, e que tão bem sintetiza a complexidade dos problemas a resolver e a urgência de lutar nas várias frentes. Porque tudo tem a ver com tudo, e Pintasilgo era capaz de rasgar horizontes mesmo onde os problemas pareciam insolúveis.
Animava-a esse olhar de mulher e cristã, profundamente enraizado na esperança. “Como cristã, agiu sempre tendo presente esta preocupação fundamental, a de entender a humanidade a partir da compreensão do infinito, a de haver um ‘Deus por nós’”, escreve ainda Oliveira Martins., que recorda o tempo justo em que surge este livro: “Num tempo em que o meio ambiente está ameaçado e em que as desigualdades agravadas reforçam o perigo dos efeitos da crise económica e financeira, importa continuar a ouvir a lição de Maria de Lourdes Pintasilgo, a dizer-nos que à indiferença temos que contrapor a atenção e o cuidado.”
Além das fotos de Helena Silva Costa, que dão o mote para o livro (belíssimo título, belíssima homenagem a uma mulher que nunca se deixou emoldurar em nenhum rótulo), a obra compõe-se de um conjunto de textos de diferentes personalidades da vida portuguesa. Como o de Manuel António Pina, que recorda precisamente o que movia Lourdes Pintasilgo: “Quando os outros tinham interesses, ela tinha um sonho e por ele é que ia, e exemplos assim são hoje (e já eram então) motivo de esperança. E, mais do que nunca, todos nós precisamos desesperadamente de esperança.”
Também Maria José Nogueira Pinto resume: “Era incómoda? Muito. Ousou ter um pensamento político próprio, ousou estar sozinha, ousou manejar a dimensão temporal que, não raras vezes, a colocou à frente dos tempos do seu tempo.”
Num poema também incluído no livro (“Folhas: em horizonte e coisas dadas”), Ana Luísa Amaral escreve:

“Mesmo na teimosia do olhar,
uma crença maior que fazia das folhas:
novos brilhos
e dos tempos daqui:
coisas maiores”

É de uma pessoa maior que nos falam estes retratos.

(O livro, edição da Bertrand, é apresentado hoje, às 18h30, na livraria Bertrand do Chiado, em Lisboa. Leonor Beleza fará a apresentação.)

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