Na próxima segunda-feira, dia 27, na Livraria Bucholz (R. Duque de Palmela, 4, ao Marquês de Pombal); em Lisboa, decorre a apresentação do livro Diálogos com Deus de Fundo, onde recolho um conjunto de entrevistas acerca da questão religiosa, feitas ao longo de vários anos. A apresentação será feita pelo prof. Carlos Fiolhais, a partir das 18h30.
O leque de
entrevistados inclui, pela ordem de publicação, José Tolentino Mendonça, frei
Bento Domingues, Joaquim Carreira das Neves, Mário Soares, Isabel Allegro de
Magalhães, João resina Rodrigues, José Augusto Mourão, Armindo Vaz, Horácio
Araújo, Peter Stilwell, Maria de Lourdes Pintasilgo, Alfredo Bruto da Costa,
Manuela Silva, D. Manuel Clemente, Alberto Azevedo, Teresa Toldy, Alfredo
Teixeira, Anselmo Borges, Luís Archer, Dimas Almeida, D. Januário Torgal
Ferreira, Laura Ferreira dos Santos, Joaquim Guerra e José Mattoso.
Fica a seguir o texto de apresentação do livro, com o convite implícito para a participação na sessão.
Cidadania, Verdade e Liberdade
À memória de
Maria de
Lourdes Pintasilgo
e João
Resina
pelos seus
testemunhos de cidadania e liberdade
Há um
problema velho de décadas no catolicismo português: a quase ausência de uma
reflexão, e de uma reflexão pertinente, sobre a sociedade, a experiência cristã
e a própria questão de Deus.
Uma outra
coisa é verdadeira: como diz José Tolentino Mendonça numa das entrevistas aqui
reproduzidas, “em Portugal, a teologia tem um estatuto de clandestinidade”.
Pior: “Mesmo quando se pensa nos textos bíblicos, eles não encontram uma
relevância cultural.” E seria “muito importante” que a reflexão bíblica e
teológica ganhasse “estatuto de cidade”.
A história
nem sempre foi assim. Santo António de Lisboa, Pedro Hispano, João de Barros,
Isaac Abravanel, Samuel Usque, António Vieira, Guerra Junqueiro, Teixeira de
Pascoaes, Agostinho da Silva ou Manuel Antunes são alguns dos nomes grandes de
portugueses que reflectiram a condição humana a partir da interrogação
religiosa. Ou que se interrogaram religiosamente a partir da condição humana.
Várias circunstâncias históricas acabaram por nos trazer ao ponto onde hoje
estamos: entre a incapacidade de o catolicismo se questionar e a ignorância (ou
o preconceito) social que tantas vezes se verifica, mesmo em meios “culturais”,
há uma manifesta evacuação da reflexão teológica ou religiosa da praça pública.
E, no
entanto, ela move-se. Em livros ou no cinema, na política ou na economia, a
questão religiosa existe, a experiência de fé está presente na vida e nas
questões que atravessam muitas pessoas. Por vezes, irrompe mesmo de forma
impetuosa, veemente. Só que é mais cómodo acantonar o fenómeno na dimensão
individual, na religiosidade popular, no fundamentalismo ou no esoterismo, sem
cuidar de outras averiguações mais profundas, mais sérias ou questionadoras.
É certo que,
no processo de reconfiguração do campo religioso, as pessoas se têm afastado da
dimensão institucional. A autonomia individual afirma-se cada vez mais, também
na aproximação à questão religiosa. Para citar ainda Tolentino Mendonça, e
tomando como exemplo livros ou filmes recentes cujo pretexto é a pessoa de
Jesus: “O que há de novo é que se acentuou um certo individualismo na
apropriação que as pessoas têm necessidade de fazer da figura de Jesus. Já não
há instâncias que tracem um modelo, seguido por toda a gente, quanto à
aproximação à figura de Jesus. Temos uma galáxia de apropriações, muitas
fazendo tábua rasa dos dados históricos, explorando o lado da fábula, que vêm
ao encontro de dimensões da nossa contemporaneidade, como a acentuação de
fenómenos de crença e de uma certa racionalidade.”
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Uma das
consequências da ausência de reflexão e debate leva ao menosprezo de uma ideia
essencial do cristianismo: a sua pluralidade intrínseca. Numa outra entrevista,
recorda frei Bento Domingues: “É da própria essência da Igreja ser plural. Os
textos a que a Igreja se refere como fundadores – as narrativas evangélicas –
têm quatro versões. Portanto, a Igreja tem de viver em comunhão, mas na
diferença.”
A
individualização da experiência religiosa, a sua autogestão, manifesta o
problema das pessoas com o lado institucional, mas não retira Deus – ou a
questão do transcendente – das suas vidas.