Doíam-lhe braços e garganta quando baptizava em massa na Índia. No Japão, converteu-se ao diálogo inter-religioso e percebeu que, para evangelizar, era preciso ser “bom filósofo, treinado no diálogo”. Quis ser missionário na China, mas a morte, aos 46 anos, apanhou-o na ilha de Sanchoão, às portas do Império do Meio. O seu corpo foi levado para Goa, tornando-se objecto de romaria de católicos e hindus.
[Ilustração: Manuel Henriques, S.J. (1593-1654), Milagre de S. Francisco Xavier acalmando o mar, in São Francisco Xavier - A Sua Vida e o Seu Tempo, ed. Comissariado das Comemorações do V Centenário do Nascimento de S. Francisco Xavier]
“Embora livre em relação a todos, fiz-me servo de todos, para ganhar o maior número. Fiz-me fraco com os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a qualquer custo. E tudo faço por causa do Evangelho, para dele me tornar participante.”
(Carta de S. Paulo aos Coríntios, 9, 19; 22-23)
Foi só depois de chegar ao Japão, após 500 quilómetros a pé, feito padre maltrapilho a querer ser recebido por um imperador inexistente, que Francisco Xavier percebeu o quão errada era a estratégia que usara na Índia: aqui, passava horas a baptizar e a ensinar as orações básicas. “Os braços cansavam-se-lhe e a voz enrouquecia com tanto repetir o Credo e os Mandamentos”, escreve o padre José Leite (Os Santos de Cada Dia, vol. III).
Francisco Xavier morreu a 3 de Dezembro de 1552. Por essa razão, o calendário católico dedica hoje o dia ao “apóstolo das Índias” ou “São Paulo do Oriente”, como já foi chamado, numa alusão às viagens de missionação empreendidas pelo jesuíta.
Dois anos antes de morrer, quando chega ao Japão, Xavier percebe que está perante uma cultura superior. Nela aprecia, como revelará numa carta de 1549, a cortesia e a sobriedade, o facto de muitos saberem ler e escrever, a racionalidade e a espiritualidade. É então que se dá a sua “segunda conversão”, como lhe chama o padre e historiador jesuíta António Lopes (De Javier a Sanchoão, em São Francisco Xavier – 450 anos da sua morte, ed. Apostolado da Oração).
O missionário, que deixara Lisboa em 1541 rumo ao Oriente, percebe que tem “de pôr fim ao espírito de cruzada que até aí alimentara muita da sua própria missionação”. O jesuíta aprende então a comer com pauzinhos, a sentar-se no chão e a falar japão, como então se designava a língua e os naturais do país. Veste uma túnica de seda em vez dos trapos andrajosos com que andava, enaltece o valor da ciência, recomenda que os novos missionários sejam “bons filósofos, bem treinados no diálogo”.
Uma profunda mudança. Na Índia, a sua acção ficara “marcada por uma estranha insensibilidade a esses mundo e a essas civilizações prodigiosas”, como refere António Lopes no texto citado. A sua estratégia era pregar sucessivamente e baptizar em massa. Conta-se que, num mês, na costa de Pescaria, baptizou mais de dez mil pessoas. E depois de morrer, houve quem relatasse perante o Papa Gregório XV que ele tinha ressuscitado vinte pessoas.
Filho de uma família nobre do então reino de Navarra (que perderia a independência em 1515), Francisco Jasso d’Azpilcueta y Javier nasce em 7 de Abril de 1506. Em 1534, depois de ter ido para Paris estudar, torna-se um dos primeiros companheiros de Inácio de Loiola, fundador da Companhia de Jesus. Mas a sua integração no grupo não tinha sido fácil: Inácio dirá mais tarde que Xavier era o “material mais duro que jamais manejara”.
Foi depois de um pedido do rei português, D. João III, que solicitara ao Papa missionários disponíveis para evangelizar no Extremo Oriente, que Xavier veio para Lisboa, onde esteve a preparar a sua viagem. Em resposta ao convite, Xavier responde prontamente: “Pues, sus! Heme aqui.”
Depois de sete anos na Índia e dois no Japão, a morte surpreende-o na ilha de Sanchoão, perto de Macau e à entrada da China, para onde queria ir evangelizar. Goa reclama o seu corpo, que é trasladado para a cidade um ano após a sua morte e onde 200 mil hindus e cristãos lhe prestam uma grande homenagem. A mesma que continuará nos séculos seguintes e o tornará objecto de grande devoção, mesmo entre os hindus. É proclamado santo em 1622 e declarado padroeiro das missões católicas em 1904.
Poema - À noite do Natal, de Diogo Bernardes
Oh noite sancta, e clara, inda q escura
Te vê quê mais naõ ergue a fantesia;
Noite, que mereceste, mais que o dia,
Ver nascido JESUS da Virgem pura:
Como se naõ tornou logo em brandura
Tua grande aspereza, noite fria,
Vendo teu Criador que padecia
Teu frio como humana creatura?
Como vos desatais, oh ventos, tanto?
Porque vos derreteis, nuves em agua?
Tempo, que te naõ tornas mais sereno?
Se naõ sentis do Filho o tenro pranto,
Senti a dôr da Mãi, senti a magoa
De o guardar de vós com palha, e feno.
(In Natal... Natais – Oito Séculos de Poesia sobre o Natal,
antologia de Vasco Graça Moura, ed. Público)
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