[Ilustração: Lorenzo Monaco, Um Milagre de S. Nicolau, pintura sobre madeira, séc. XIV, do Museu de São Marcos, de Florença, reproduzida em "Legenda Áurea", ed. Civilização. Na Pinacoteca do Vaticano, uma pintura sobre madeira, da autoria de Gentile da Fabriano (1425) mostra São Nicolau, acabado de nascer, pondo-se de pé na bacia em que tomava banho (a imagem está reproduzida na mesma obra). Este terá sido, reza a lenda, o primeiro milagre daquele que hoje é conhecido como Pai Natal. Na Galeria dos Ofícios, em Florença, várias outras pinturas representam milagres de São Nicolau ressuscitando um jovem morto, livrando da fome a cidade de Myra ou ajudando um barco a chegar a bom porto.]
Bispo de Myra, na Ásia Menor, no século IV, Nicolau gostava de dar aos pobres. A fama da sua bondade expandiu-se no tempo e no espaço. Chegou até nós e chama-se Pai Natal.
“O que apareceu perante meus olhos desejosos foi um trenó em miniatura e oito pequenas renas, com um pequeno velho condutor, tão vivo e tão rápido, que num instante soube que tinha que ser São Nick.” (Clement C. Moore, The Night Before Christmas)
O Pai Natal existe. A notícia é confirmada anualmente por milhares de crianças que lhe escrevem, por ele suspiram, a ele se dirigem pedindo um presente especial, fazendo a lista de ingénuos desejos.
A mesma informação, admita-se, também é desmentida todos os anos por outros tantos milhares de crianças. Para essas, a descoberta da pequena mentira é uma frustração natalícia. Afinal, o velhinho com barbas brancas que Clement Moore (1779-1863) pela primeira vez descreveu em 1822, no seu poema A Noite de Natal, existe apenas para dar mais vida a um tempo mágico.
O Pai Natal mais recente é conhecido: criado como figura de publicidade, há 70 anos, ele mais não fazia que copiar modelos anteriores. Em 1822, Clement Clarke Moore descreveu-o no seu poema. Moore, filho de um bispo da Igreja Episcopaliana em Nova Iorque, escreveu o poema como um presente para o seu filho. No texto, o Pai Natal – ou São Nick – aparecia com um trenó, gritando pelos nomes das renas, para que estas se apressassem.
Em 1885, Louis Prang, tipógrafo de Boston, pinta de vermelho, pela primeira vez, a figura do santo que representa o Pai Natal. Até aí, a figura aparecia com uma veste castanha ou com peles (Jane Newdick, As Mais Belas Ideias para o Natal, ed. Círculo de Leitores).
Mas afinal, se o Pai Natal existe – ou não? – quem é ele? A lenda recriada no último século e meio repousa sobre uma história: a de São Nicolau, que hoje o calendário católico assinala e é festejado um pouco por todo o lado – mesmo em países predominantemente protestantes.
De Nicolau, bispo de Myra (cidade da Ásia Menor, na actual Turquia), no século IV, sabe-se que terá nascido em Patras e morrido em 374. Amigo de dar e dos pobres, em particular, a fama da sua bondade foi-se expandindo.
Uma das suas primeiras acções terá sido a de ajudar um pobre pai que tinha três filhas. Sem meios, queria fazer dinheiro com elas. Ao saber disto, Nicolau abeirou-se da casa e atirou um saco com moedas pela janela. A primeira das três irmãs pôde, então, casar. Pouco tempo depois, Nicolau fez o mesmo com a segunda. E, à terceira tentativa, o pai aguardou para ver quem era o seu benemérito e foi atrás dele.
Depois de morrer, muitos milagres foram atribuídos a Nicolau. Os marinheiros pediam-lhe socorro quando os barcos naufragavam: “Começou a ajudá-los nos mastros, nos cabos e nos outros aparelhos da nau, e logo a tempestade cessou”, conta-se na Legenda Áurea (ed. port. Civilização).
Os comerciantes invocavam-no também como ajuda para os negócios. Os pais pediam a saúde para as crianças – uma das histórias era que Nicolau ressuscitara três jovens.
Uma figura assim, benemérita e que escutava tanta gente, seria facilmente adoptada. Já na Idade Média há registos da popularização do seu culto na Europa Central. Na Holanda (S. Nicolau é padroeiro de Amesterdão), Sinterklaas chega de barco, vindo de Espanha e não da Ásia Menor, acompanhado por dois jovens negros, ambos chamados Piet. A figura de Sinterklaas dedica, depois, os dias que faltam até ao Natal a visitar crianças e idosos, hospitais e infantários, premiando quem se portou bem (quase todos) e não dando nada a quem se portou mal (quase ninguém).
Quem disse que o Pai Natal não existe?
Poema - Se considero o triste abatimento, de Manuel Maria Barbosa du Bocage
Se considero o triste abatimento
Em que me faz jazer minha desgraça,
A desesperação me despedaça,
No mesmo instante, o frágil sofrimento.
Mas súbito me diz o pensamento,
Para aplacar-me a dor que me traspassa,
Que Este que trouxe ao mundo a Lei da Graça,
Teve num vil presepe o nascimento.
Vejo na palha o Redentor chorando,
Ao lado a Mãe, prostrados os pastores,
A milagrosa estrela os reis guiando.
Vejo-O morrer depois, ó pecadores,
Por nós, e fecho os olhos, adorando
Os castigos do Céu como favores.
(In Natal... Natais – Oito Séculos de Poesia sobre o Natal,
antologia de Vasco Graça Moura, ed. Público)
1 comentário:
Na família do meu marido (suábios católicos) näo se festejava o Nikolaus. Consta que largou mulher e filhos para se dedicar inteiramente à Igreja.
"Grande herói, esse Nikolaus", comentava a avó, com um tom de profundo desprezo.
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