No calendário ortodoxo, hoje é dia 6 de Dezembro, data para festejar de novo S. Nicolau. Tudo por causa de uma diferença de calendário estabelecida há pouco mais de 400 anos. Para os cristãos ortodoxos, o Natal é uma festa menos importante que a Páscoa, mas nem por isso ela deixa de ser festejada como manifestação de Deus.
(Ilustração: Natividade, ícone da escola de Pskov, séc. XVI )
“Não imagino Deus dividido entre o céu e a terra, mas como uma presença que mora em todas as direcções, no infinito.” (Aleksej Remizov, Prado Espiritual)
(Ilustração: Natividade, ícone da escola de Pskov, séc. XVI )
“Não imagino Deus dividido entre o céu e a terra, mas como uma presença que mora em todas as direcções, no infinito.” (Aleksej Remizov, Prado Espiritual)
Para os ortodoxos, o Natal não é uma festa com a importância que ganhou no mundo católico. A Páscoa tem, entre os cristãos da ortodoxia, a primazia. Depois desta, aparece a Teofania, ou manifestação de Deus. Há notícias de que esta era teria tido origem em Roma, celebrando diversos acontecimentos relatados nos evangelhos: a adoração dos magos, o baptismo de Jesus por João Baptista e as bodas de Caná, onde Cristo teria realizado o que seria considerado o seu primeiro milagre (nos textos bíblicos, o significado da palavra remete para a noção de sinal da sua divindade).
Em 380, já há referências de que as festas da Teofania teriam chegado a Constantinopla, por acção de S. Gregório o Teólogo. Agora, o Advento é, no mundo ortodoxo, um tempo de purificação, um pouco à semelhança da Quaresma, o período de 40 dias que antecede a Páscoa. Por isso, as quatro semanas que antecedem o Natal são também um tempo de jejum à carne e ao peixe. A festa do nascimento de Jesus é encarada principalmente como uma antecipação da Páscoa.
Hoje, no entanto, dia de S. Nicolau no calendário juliano (ainda usado na Europa Oriental, sobretudo pela Igreja Ortodoxa), haverá como que uma pequena pausa no jejum. Os crentes podem beber vinho e comer aves, e fazem uma refeição comunitária mais festiva.
Em Portugal, a festa é assinalada por muitos ortodoxos – sobretudo os mais de 70 mil ucranianos, russos, arménios, georgianos, arménios, romenos, búlgaros e de outras nacionalidades, que imigraram dos países do Leste europeu. Em regiões como Lisboa, Porto, Aveiro, Portimão, juntam-se comunidades de cristãos ortodoxos a festejar S. Nicolau, uma das figuras importantes do seu calendário, cuja história foi aqui contada no passado dia 6.
Mas porquê tal diferença? Foi o Papa Gregório XIII que, em Outubro de 1582, decidiu acertar o passo dos dias com o sol: a contagem do tempo do calendário juliano [designação tomada do imperador romano Júlio César] deixava de fora alguns segundos por ano. A soma desses segundos totalizava então, em relação à rotação do sol, dias completos. Com a ajuda dos estudos de um astrónomo jesuíta, Gregório XIII decidiu anular 14 dias perdidos, saltando-os no calendário.
No Natal, que os ortodoxos festejam daqui a quase três semanas, a liturgia será solene, mas a festa não assume a proporção que adquiriu no Ocidente. Uma das orações da Igreja Ortodoxa para este dia diz: “A Virgem hoje dá à luz Aquele que está acima de toda a essência e a terra oferece uma gruta Àquele que é inacessível. Os anjos e os pastores glorificam-no. Os magos caminham seguindo a estrela. Por nós nasceu o Menino Deus que existe antes de todos os séculos.”
O Natal traduz, assim, o amor que Deus Pai tem pela humanidade e se manifesta através de Jesus, por meio do Espírito Santo. Depois do Natal, a Teofania ou Epifania serão as grandes festas litúrgicas para os ortodoxos, assinalando a manifestação de Jesus aos magos – que simbolizam toda a humanidade.
No seu Prado Espiritual (designação da literatura ascética para uma colecção de ditos e narrações edificantes), Aleksej Remizov (1877-1957) escreve: “Os que dormiam despertaram do sonho e a luz encheu as suas almas./ Aguardavam algo, esperavam./ Acreditavam e não ousavam crer./ Mas o coração cantava./ O espírito fervia./ Reuniam-se nas praças e olhavam para o longínquo…/ E os olhos voltavam a colher vida, voltavam a florescer como flores regadas.”
Quadros da vida de Maria em paralelo com os de Jesus
Mais do que na tradição católica, os ortodoxos recuam até à Natividade de Nossa Senhora na memória aos episódios relacionados com a vida de Jesus. Essa referência não tem fundamento bíblico, mas é da ordem da tradição e da devoção à Theotokos, ou Mãe de Deus, da qual a arte dos ícones acabou também por se aproximar. Tal é o caso do ícone da Natividade da Mãe de Deus (séc. XVII, Museu Andrei Rubliov, Moscovo), que tenta reconstruir vários episódios da vida de Maria de Nazaré. O ícone apresenta outras cenas, como Ana a receber oferendas, Maria a ser embalada ou a ser apresentada no Templo de Jerusalém, como era costume entre os judeus. O paralelismo com as narrativas da infância de Jesus é evidente. Aqui, as cenas pretendem induzir também nos fiéis a ideia de que Maria foi educada num ambiente de religiosidade. Como que uma preparação remota para o grande acontecimento que a esperava.
Poema - Natal, de Rui Cinatti
Inverno lactescente, adormecido
Em 380, já há referências de que as festas da Teofania teriam chegado a Constantinopla, por acção de S. Gregório o Teólogo. Agora, o Advento é, no mundo ortodoxo, um tempo de purificação, um pouco à semelhança da Quaresma, o período de 40 dias que antecede a Páscoa. Por isso, as quatro semanas que antecedem o Natal são também um tempo de jejum à carne e ao peixe. A festa do nascimento de Jesus é encarada principalmente como uma antecipação da Páscoa.
Hoje, no entanto, dia de S. Nicolau no calendário juliano (ainda usado na Europa Oriental, sobretudo pela Igreja Ortodoxa), haverá como que uma pequena pausa no jejum. Os crentes podem beber vinho e comer aves, e fazem uma refeição comunitária mais festiva.
Em Portugal, a festa é assinalada por muitos ortodoxos – sobretudo os mais de 70 mil ucranianos, russos, arménios, georgianos, arménios, romenos, búlgaros e de outras nacionalidades, que imigraram dos países do Leste europeu. Em regiões como Lisboa, Porto, Aveiro, Portimão, juntam-se comunidades de cristãos ortodoxos a festejar S. Nicolau, uma das figuras importantes do seu calendário, cuja história foi aqui contada no passado dia 6.
Mas porquê tal diferença? Foi o Papa Gregório XIII que, em Outubro de 1582, decidiu acertar o passo dos dias com o sol: a contagem do tempo do calendário juliano [designação tomada do imperador romano Júlio César] deixava de fora alguns segundos por ano. A soma desses segundos totalizava então, em relação à rotação do sol, dias completos. Com a ajuda dos estudos de um astrónomo jesuíta, Gregório XIII decidiu anular 14 dias perdidos, saltando-os no calendário.
No Natal, que os ortodoxos festejam daqui a quase três semanas, a liturgia será solene, mas a festa não assume a proporção que adquiriu no Ocidente. Uma das orações da Igreja Ortodoxa para este dia diz: “A Virgem hoje dá à luz Aquele que está acima de toda a essência e a terra oferece uma gruta Àquele que é inacessível. Os anjos e os pastores glorificam-no. Os magos caminham seguindo a estrela. Por nós nasceu o Menino Deus que existe antes de todos os séculos.”
O Natal traduz, assim, o amor que Deus Pai tem pela humanidade e se manifesta através de Jesus, por meio do Espírito Santo. Depois do Natal, a Teofania ou Epifania serão as grandes festas litúrgicas para os ortodoxos, assinalando a manifestação de Jesus aos magos – que simbolizam toda a humanidade.
No seu Prado Espiritual (designação da literatura ascética para uma colecção de ditos e narrações edificantes), Aleksej Remizov (1877-1957) escreve: “Os que dormiam despertaram do sonho e a luz encheu as suas almas./ Aguardavam algo, esperavam./ Acreditavam e não ousavam crer./ Mas o coração cantava./ O espírito fervia./ Reuniam-se nas praças e olhavam para o longínquo…/ E os olhos voltavam a colher vida, voltavam a florescer como flores regadas.”
Quadros da vida de Maria em paralelo com os de Jesus
Mais do que na tradição católica, os ortodoxos recuam até à Natividade de Nossa Senhora na memória aos episódios relacionados com a vida de Jesus. Essa referência não tem fundamento bíblico, mas é da ordem da tradição e da devoção à Theotokos, ou Mãe de Deus, da qual a arte dos ícones acabou também por se aproximar. Tal é o caso do ícone da Natividade da Mãe de Deus (séc. XVII, Museu Andrei Rubliov, Moscovo), que tenta reconstruir vários episódios da vida de Maria de Nazaré. O ícone apresenta outras cenas, como Ana a receber oferendas, Maria a ser embalada ou a ser apresentada no Templo de Jerusalém, como era costume entre os judeus. O paralelismo com as narrativas da infância de Jesus é evidente. Aqui, as cenas pretendem induzir também nos fiéis a ideia de que Maria foi educada num ambiente de religiosidade. Como que uma preparação remota para o grande acontecimento que a esperava.
Poema - Natal, de Rui Cinatti
Inverno lactescente, adormecido
Querer, noite encantada.
Já não sinto, porém, aquele amor,
Nem a vida sonhada.
Tudo se foi, pouco nos resta,
Tudo se foi, pouco nos resta,
Ilhas não há. Montanhas só no espírito
Se elevam, distantes e coroadas
Pela solidão.
No muro da minha alma há uma fresta.
No muro da minha alma há uma fresta.
Por ela entra o vento e a multidão
Das vozes e dos signos.
Quando a certeza chega, o coração
Quando a certeza chega, o coração
Lança de si os trajes mais indignos
E entra, sorrindo, na festa.
(In Natal... Natais – Oito Séculos de Poesia sobre o Natal,
antologia de Vasco Graça Moura, ed. Público)
(In Natal... Natais – Oito Séculos de Poesia sobre o Natal,
antologia de Vasco Graça Moura, ed. Público)
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